Causos da Usina! *Franber

Apelidos!

Como já falei neste divezenquandal, eu não sou chegado a apelidos. Sou avesso meeeesmo! Porque sei que eles são colocados para azucrinar, encher o saco do indivíduo. Principalmente os mais jocosos e estrambólicos. Portanto, gosto de chamar as pessoas pelo nome e, se possível, até pelo sobrenome registrado no cartório. Desta maneira, além de angariar amizades, conservo os dentes e livro dona Júlia de alguns “elogios” nada abonador para seus netos.

Por falar em D. Júlia, certa vez, quando eu era menino, ela incubiu-me de comprar umas espigas de milho verde para fazer umas guloseimas para as festas juninas. Na Bahia quase todo mundo comemorava estes santos festeiros (Santo Antônio, São João e São Pedro), com muitas iguarias, fogueiras, fogos, bebidas e comidas típicas adoidado! Assim, lá fui eu, com um colega de folguedos pelas roças circunvizinhas procurar os tais milhos. A primeira roça que procuramos, um senhor de idade avançada nos avisou marotamente que não tinha, porém seu vizinho Chico Usura – corruptela de usurário, o popular mão de vaca –, nos venderia. No caminho eu o alertei sobre o apelido do homem … e que o chamasse pelo nome. “Você tomou conhecimento?” Bem, lá foi ele. Assim que chegamos à porteira da roça, havia um senhor, em pé, como se nos estivesse esperando, e o parceiro, antes que eu abrisse a boca foi logo soltando: – “É o senhor que chama Chico Usura? Pois é, nós viemos comprar umas espigas de milho verde…” Rapaz, o sexagenário nos mirou de cima abaixo, cuspindo marimbondo, soltando fogo pelas narinas, calma e raivosamente estrilou:- “Olha menino, se o corno de seu pai, mais a rameira da tua mãe não te deram educação de como tratar as pessoas, saiba que Francisco sou eu e Usura é a égua lascada da tua mãe! E saiam já da minha roça antes que eu solte os cachorros! Chispem daqui, agora”! Nem precisou repetir. Azulamos, desaparecemos no pedaço!

Por sua vez, o Gildo de Barros, do antigo Setor de Energia, baiano das bandas de Jequié, nos contou que determinada época, o pessoal da cidade estava no lufa-lufa de preparação dos festejos de São João, parece-me padroeiro local com direito a procissão, fogueiras, batalhas de fogos e o diabo a quatro. Acontece que dias antes a imagem do santo levara um tombo e quebrara umas partes e os santeiros da região não fizeram um serviço caprichado. O jeito foi encomendar outra imagem, tamanho natural, em São Paulo. Pra azar dos devotos, a encomenda não chegara; então eles chamaram o santeiro da cidade, um manguaceiro enrustido, que só trabalhava de moringa cheia para dar um trato no santo. Como sempre, enzinabrado até a medula e com o “bodum” de cana em decomposição exalando, ele começou a manusear a imagem com as mãos trêmulas. Nisto o santo escapuliu e plaft no chão, partindo em mil pedaços. Pronto, a vaca foi pro brejo e adeus festa!

Num alvoroço de imprecações, chororôs, lamentos e blasfêmias, uma das beatas viu um menino de longas madeixas brincando no adro da igreja com outros garotos e pensou com seus botões : -“Deus me perdoe se estou pecando, mas aquele menino é a cara de São João!” E uma luzinha veio à sua cachola e do pensamento a ação foi um átimo. Mostrou a criança a outras papa-hóstias e externou incisivamente sua idéia. Umas ficaram reticentes, porém a maioria aplaudiu o supimpa plano: o garoto substituiria o santo na procissão. Todavia, tinha um problema: convencer o vigário. Aí que a porca ia torcer o rabo. Este, ao receber a estapafúrdia idéia soltou os cachorros. Entretanto, diante do dilema de haver ou não a procissão, o que viria quebrar uma tradição de mais de cem anos, capitulou ante os fortes argumentos das fiéis. Após esta difícil tarefa foram atrás de Antônio Carlos ou Toninho para os íntimos, proporem para ele realizar esta benfazeja e relevante missão. Ao ouvir a conversa Toninho deu um pulo desse tamanho e esbravejando redarguiu:- “Vocês estão doidos? Me propor que eu passe por um Santo? Deus pode até me castigar! Olha, neeem morto”! E foi saindo de fininho.

Porém quando as carolas falaram em “pagar” a conversa mudou. Adiantaram que lhe dariam CR$ 20,00 (vinte cruzeiros). Uma fortuna pra ele! Pronto. Estava aceita a missão. Além do mais, sua mãe estava cansada de dizer que ele era um verdadeiro santo – ao praticar certas peraltices e ele prontamente negar !

Bem, deixando de lado os entretantos e passando para os finalmentes, o fato é que produziram “nosso santo” todo, colocando-o sentado no andor com a cintura para baixo coberta de flores e folhas ornamentais, de tal modo que escondia os membros inferiores e de lado segurava um carneirinho de gesso para dar veracidade a armação. Era o protótipo do santo. Igualzinho!

Com a “Furiosa” garbosamente trajando seu uniforme de gala e tocando “Queremos Deus”, com os fiéis contritamente fazendo coro, a procissão saiu serpenteando pelas ruas e avenidas da cidade. Em determinado momento, um garoto que acompanhava contrita e atentamente o préstito religioso (que tal esta Prezado?), ao bater o olho no santo deu um cutucão no seu pai e exclamou: “Pai, ali não é São João não! É Toninho”! Temendo alguma reclamação dos devotos ele retrucou:- “Não é o quê, menino!. De onde você tirou esta idéia? Fecha esta matraca”!

“Antônio Carlos. Toninho, filho de dona fulana de tal”! O homem já meio zangado, mandou ele se calar. Só que a esta altura outros garotos que estavam por perto manjaram “o santo” e se solidarizaram com o colega na afirmativa e desafiaram o incrédulo:- “O senhor quer ver como é Toninho”? E imediatamente colocaram a mão em concha em volta da boca e danaram a gritar: – “Toninho, ô Toninho! Toninho, ô Toninho”! Enquanto eles bradavam, nosso herói continuava sério, impassível, fitando impavidamente um ponto no horizonte. Nem pestanejava. Então, o pai do garoto, junto com outros adultos, com o saco cheio daquela lengalenga soltou incisivamente: -“Vamos parar com isto? Vocês estão bagunçando a procissão. Aquele é São João e pronto”!

Não contente, um teimoso capetinha soltou:- “Vocês querem ver mesmo como é Toninho”? Rapidamente recolocou a mão em torno da boca e tacou:- “Caenga, ô Caenga! Caenga, ô Caenga”! Meu caro, a princípio até que ele agüentou a barra, mas depois perdeu as estribeiras, a boa, quando um juvenil e infernal coral continuou a trombetear em alto e bom som:- “Caenga, ô Caenga! Caenga, ô Caenga”. Aí ele não agüentou, retrucou a execração: – “É a mãe, filhos de uma égua arrombada! Turma de filhos da puta”!

. Neste instante passou do impropério a ação. Sapecou o carneirinho nos desafetos e se mandou acabando com a festa!

*Franber era o pseudônimo usado pelo amigo Francisco Bernardino, também conhecido como “Baiano”, que durante anos foi um grande colaborador do jornal “Morro do Geo”. Este artigo foi publicado na edição de nº 104, de dezembro/2006.

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