Tributo à Candeia!

Acima, uma fotografia mais antiga da região da Candeia

Monlevade hoje é cantada em verso e prosa. Todos falam sobre o Grêmio, Ideal, Caça e Pesca, Social, Praça do Mercado, Campo do Jacuí, Praça do Cinema e outras maravilhas do passado. Mas ninguém fala na Ponte Candeia. Não sei se por medo, escrúpulo ou preconceito, mas o certo é que a Candeia, apesar de pertencer a Bela Vista de Minas, faz parte da história de Monlevade, e anda esquecida.

  A Candeia era uma Zona Boêmia que ficava na vizinha cidade de  Bela Vista de Minas e, sem medo de errar, posso afirmar que  nove entre dez homens de  Monlevade nas décadas de 50/60 foram frequentadores assíduos daquele reduto que, apesar de ser uma

  Zona Boêmia, havia muito respeito entre os boêmios e as “donzelas”.

Na memória me vem alguns acontecimentos da década de 60. Naquela época, quando quase ninguém tinha carro, a solução era apelar para o Taxi, que, aliás, eram poucos. O Ponto de Taxi era na Praça do Cinema e, pelo que me lembro, os motoristas “Carregadores de Boêmios” eram Pindoba, Luiz e Tuíca com Taxi, e Piau que tinha uma Kombi, a qual chamávamos de “Trem Fantasma” e que levava umas quinze pessoas de cada vez. O Piau não era bobo não, saia da Praça do Cinema com o “Trem Fantasma” carregado e logo após a ponte na Rua Siderúrgica, parava e cobrava de todo mundo, quem não tivesse grana tinha que descer. Assim, evitava  “tomar o cano” depois de já estar na Candeia.

  A jornada boêmia iniciava após as 23:00 horas, quando terminava a hora dançante no Grêmio e saia a turma da Belgo Mineira do horário de 15:00 às 23:00. A galera que estava largando serviço às 23:00 horas, antes de tomarem o destino da Candeia passava no Bar do União, que era comandado pelo “Tôtôca”, ou no Bar “Para Todos” para chamar uma “marvada” no peito com o objetivo (ou desculpa) de limpar a garganta.

  Ali pelas 23:30 horas fechavam os Bares do “União” e o “Para Todos”, os últimos ônibus partiam para a Vila Tanque e Carneirinhos e pronto, nada mais tinha na Praça do Cinema. Por isso, outra alternativa não restava senão partir para a Candeia.

  A Candeia nada mais era do que uma rua em declive, onde tinha o Bar do Zé Abade, que era o principal salão, e lá a cozinheira era conhecida como “Furreca”. Poucos, daquela época deixaram de matar a fome com um mexidão por ela preparado. A higiene passava longe, mas não havia outra alternativa. Do lado de fora do salão tinha uma barraca de madeira, a “Barraca do Zé Abade”, onde se vendia torresmo e um pastel do tamanho de um prato de comida. A primeira radiola que se usava ficha para ouvir música da região surgiu foi na Candeia, mais precisamente na “Barraca do Zé Abade”. Daí a célebre frase “me dá uma pinga, um torresmo e uma ficha”.

  Descendo, tinha o “Bar do Adão”, que era um pequeno recinto onde o rádio ficava sempre sintonizado na Radio Tupi e podia se curtir um programa na madrugada que se chamava “Salão Grená”, onde só se tocava tangos. Ali se comia um delicioso arroz com sardinha. Continuando a descer tinha a Barraca do “Milton Costeleta”, gente da melhor qualidade, onde existia o melhor queijo assado da madrugada, e era a gente mesmo que assava.

  Continuando a descer, tinha um outro salão de dança, o da “Figeninha”, onde tinha também uma mesa de sinuca. Em frente, tinha o Bar do “Sorriso”, um cara legal. No final da rua tinha um local denominado “Finca”. Ali era o bicho. Só tinha bagulho, mas bagulho mesmo, tanto que só era freqüentado pelos boêmios doidos e desesperados.

  Uma coisa na candeia chamava a atenção. Nos dias de pagamento o movimento maior era do Zé Abade, onde o nível era melhor e pagava fogo o cabaré, até na Figeninha, que era nível médio. Mas, passado alguns dias depois do pagamento, quando a grana estava curta, aumentava o movimento da Figeninha para baixo, até mesmo do “Finca”. Era o desespero pela necessidade de um lado e, do outro lado, a falta de grana.

  Interessante é que apesar do ambiente estritamente boêmio, não se via droga, não se via ladrão, não ocorria homicídio, nada disso. Apenas alguma discussão, normalmente por ciúme ou cachaçada, nada mais que isso. Paradoxalmente, era um ambiente boêmio e sadio, onde o respeito prevalecia.

  Naquela época não havia a “aids”, havia umas outras “transmissões”, mas nada que o saudoso Vicente Neves “Vicente da Farmácia” não resolvesse com uma bateria de três a cinco injeções de “bezetacil” e uns 20 dias de quarentena. Mas ninguém morria.

  Além dessas “transmissões” pegava-se também uns carrapatinhos parasitas, que fica “chato” falar o nome. Os remédios indicados para combatê-los era o BHC ou Neocid. Mas também não matavam ninguém, só incomodavam, pois os danadinhos só faziam coçar na hora que não se podia coçar. Realmente era muito “chato”.

  Infelizmente, embora tenha vivo na memória, não posso, por enquanto, contar muito do que ali presenciei, uma vez que teria que citar nomes, o que não é conveniente, pois correria o risco de perder muitos amigos, portanto, a princípio, é melhor parar por aqui.

Quem sabe depois eu conto algumas peripécias, ainda que com nomes fictícios. Te cuidem marmanjos cinqüentões e  sessentões.

*Este artigo saiu publicado na edição de nº 158 do “Morro do Geo”, de fevereiro/2012, e foi escrita pelo saudoso articulista Sebastião Carvalho, grande “Taquinho “Advogado”!

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