Nascimento de um Repórter!

Começa aqui a história de João Monlevade de três décadas, entre os anos 1980 a 2010, publicada em minha obra literária lançada em 2014, no Livro “A Saga: Memórias de um Jornalista do interior”! Tudo começa em Gênesis!

Quando aportei em minha terra natal para trabalhar como repórter de um periódico semanal, a cidade já contava com outros três órgãos de imprensa, que eram o “Jornal de Monlevade”, o mais antigo, cujo diretor era o jornalista Elmo José Lima, meu ex-professor de História na Escola Polivalente; o “Tribuna de Monlevade”, dirigido por Maurício Pereira do Carmo; e a Revista “Mostrar”, do jornalista Otávio Viggiano,Tavinho. E a imprensa vivia uma era de ouro dos colunistas sociais onde se destacavam os saudosos Kaká, Wander José (Wandinho) e Moyara Domingues. Época dos concursos de “Mulata de Ouro” e Miss Monlevade. Havia todo um glamour em torno das páginas assinadas pelos colunistas. E, além delas, as pautas mais fortes de uma imprensa que vivia do cotidiano de uma pequena cidade, estavam ligadas às notícias políticas e policiais.

Comecei a trabalhar no jornal “A Notícia” em 4 de novembro de 1984, motivo da data que marca a foto da capa do Livro. Nos primeiros dias, o “chefe”, em sua velha Brasília marrom, levava-me aos lugares cujo objetivo era o de apresentar “o meu novo repórter”. Na verdade, o segundo funcionário do jornal “A Notícia” – fundado naquele abril de 1984. Portanto, lá estava eu entrando na vida de “Foca”. Depois das apresentações na Prefeitura, no Poder Legislativo, Delegacia de Polícia, Batalhão da PM, Fórum, Sindicato etc, hora de botar o pé na estrada. E, no interior, repórter que se preza (na época) tinha que gastar sola de sapato. No máximo, o conforto de uma lotação, na época ainda a empresa “Transcomol”, depois da saída da “Santa Maria”. E sem “Pinta” e “Nina”…

Cobria as reuniões da Câmara que ocorriam às sextas-feiras, visitava a Prefeitura e ainda fazia as matérias policiais. Na época, o jornal era impresso na gráfica do Diário do Rio Doce na cidade de Governador Valadares. Tínhamos de fechar a edição na terça-feira à noite e, no início da madrugada de quarta, levar as laudas, fotografias e todo o material até a parada dos ônibus da Gontijo, que operava no Hotel Apolo, em Nova Era, à margem da BR-3 8 1 . E tudo para o jornal chegar na sexta-feira pela madrugada. Naquela época podia fotografar e colocar os nomes dos presidiários, independente do crime – desde que fosse maior de idade -, e me lembro de quando fazia a cobertura policial, geralmente nas tardes de segundas-feiras – e fotografava um detento que chegara naquela semana à DP. Algumas vezes, chegava a encontrar-me com essa pessoa pelas ruas de Monlevade, livre, antes mesmo de o jornal chegar às bancas. Uma vez, por ironia do destino, estava no balcão de um barzinho de um amigo, numa sexta-feira após o expediente, tomando uma cerveja, e quem estava ao meu lado, no balcão? Um sujeito que fora preso naquela semana, e pior, eu o havia fotografado e sua foto tinha sido publicada naquela edição, cujo exemplar estava em minhas mãos (rs).

Na mesma rotina de sempre, eu, João Carlos e o diretor ali, na mesma redação, as velhas máquinas de escrever, queimando a pestana para não perder o horário. Quantas madrugadas! Em muitas delas, acompanhava Márcio Passos até Nova Era. Um detalhe: algumas vezes o motorista se esquecia de despachá-lo em Nova Era e ia parar na garagem da Gontijo, em Belo Horizonte. Até retornar a João Monlevade, a circulação se dava só no período da tarde.

E foram assim aqueles primeiros meses e, algum tempo depois, na nova redação, ainda no Bairro Lucília. Márcio Passos e família se mudaram para uma casa mais espaçosa, à Rua Hamacek, 159, esquina com a Padre Pinto. E a redação funcionava em um dos quartos, de frente para a rua. Ali nos acomodávamos eu e João Carlos nas surradas e boas Olivetti e Remington. A mesma rotina; fechamento às terças-feiras, madrugadas – frio ou chuva – no Posto Apolo. Sempre na velha Brasília, cujo lugar reservado à buzina era apenas um amontoado de fios soltos. Mas o “A Notícia” seguia firme sua trajetória, como o primeiro jornal da cidade a circular semanalmente.

Ah, mas falando sobre a buzina, um fato curioso marcava pela primeira vez minha trajetória jornalística. Daqueles dias em que uma investigação quase sai do controle. Tudo por culpa de uma buzina… Havia sido encontrada uma ossada em um sítio na cidade de Dom Silvério. A Polícia dava início às investigações, que eram chefiadas pelo delegado regional de João Monlevade, Jairo Léllis Filho então responsável pela 27ª DRSP. Era um sábado de manhã. Antes de o comboio se dirigir para Dom Silvério, ocorria uma reunião entre o Dr. Jairo e policiais na Delegacia de Alvinópolis. Tudo combinado, eu e o “chefe”, na velha Brasília, de campana, com o carro estacionado em uma praça da cidade. Estilo James Bond, aguardávamos o momento de seguir os carros da Polícia que iriam em destino ao sítio. À exceção do Delegado Regional, ninguém sabia que acompanharíamos as investigações . Com a demora e Márcio fora do carro, passei para o banco do motorista e comecei a mexer naqueles fios entrelaçados da buzina, que não tinha o
tampão. Cena final : Dr. Jairo e mais seis policiais civis deixam a DP, descendo as escadas, e num impulso, “voei” para o banco do carona e Márcio entrou apressado para aguardar o momento certo para ligar o carro. Assim que os dois veículos da Polícia passaram pela praça, sentido Dom Silvério, a chave é acionada na ignição para darmos início à “perseguição”. No entanto, eis que a buzina da Brasília disparou. Eu havia deixado os fios negativo e positivo colados . Com aquele som estridente (a buzina de carros velhos é bem mais barulhenta), os motoristas dos veículos da Civil reduziram a velocidade para saber o que havia ocorrido e, de cabeças baixas, eu e o Márcio. Na memória até hoje uma cena: Dr. Jairo Léllis – que havia combinado conosco a ação sem que seus colegas tivessem conhecimento – acena negativamente a cabeça em uma das viaturas como nos advertindo e dizendo, como nos policiais americanos: “idiotas, vocês estragaram tudo”. Até que Márcio conseguisse separar as pontas dos fios, as gargalhadas tomaram o lugar da decepção. Consequência? Nenhuma. Continuamos o nosso trabalho como se nada tivesse ocorrido e fizemos parte do comboio até o sítio. Nascia ali uma excelente reportagem pelas mãos de Márcio Passos. Eu senti que começaria ali a minha trajetória do bom repórter, do “fuçador” de notícias , sempre correndo atrás das informações através de um trabalho investigativo. E tive um grande professor!

Crescia meu entusiasmo pela profissão, principalmente na cobertura de fatos policiais e políticos, minhas pautas preferidas. Mas, no interior, se faz um pouco de tudo. Ou muito
de tudo. E também cobríamos esportes, campeonatos pela Liga Monlevadense de Futebol, os JIMI, torneios em clubes. Além de fotografar e correr atrás dos “furos”. Ah, e mais uma vez eu e Márcio fomos protagonistas de outro grande ato, envolvendo novamente uma matéria policial que daria manchetes que venderiam muitos jornais.

Repórter de cidade do interior não tem costa larga. Ainda mais colocando a mão em caixa de marimbondo! Entre os anos de 1984 e 1985, a nossa coragem ultrapassava os limites para se fazer jornalismo no interior. Márcio tinha família, mas mesmo assim a paixão pelo jornalismo o tornava sempre comprometido com a notícia. Eu, naquela época ainda sem “um passarinho para tratar”, não tinha medo. Surgiram fatos que ganhariam mais repercussão nas páginas policiais e que começaram a incomodar algumas pessoas possivelmente envolvidas com o tráfico de drogas. Numa daquelas sextas-feiras em que o jornal vendeu igual água, ou seja, esgotou-se em todas as bancas em razão de uma manchete policial envolvendo drogas e com fotos das pessoas detidas e incursas no antigo Art. 12 (tráfico), um telefonema anônimo chegava à redação ameaçando-nos de morte. João Carlos não mais se encontrava, e nós, eu e o Márcio, teríamos de decidir o que fazer. Ignorar, acionar a Polícia ou agirmos por conta própria? Ficamos com a terceira opção. Decisão tomada, Márcio retirou a família e a mandou para a casa do seu sogro. Eu, depois de ter convencido minha namorada de que não havia perigo (com muito medo, obviamente), parti para a casa do patrão, onde dormimos, ou melhor, passamos a noite acordados à espera de uma possível ação dos bandidos. Márcio portava um revólver calibre 38 e eu, uma faca. Da sala, a qualquer barulho vindo da rua, levantávamos e íamos até a janela da redação, pedindo a Deus para que não fossem “ele” (rs). Até que lá pelas altas horas da madrugada um velho Opala parou e estacionou exatamente em frente à casa da Rua Hamacek nº 159, Bairro Lucília. – “O que fazemos agora? Chamamos a Polícia ou aguardamos a ação deles”? Entre o medo e a esperança de que sairíamos daquela, sãos e salvos, eis que o motorista do veículo dá a partida e segue viagem. Alívio, gargalhadas e uma cerveja para comemorar. O dia amanheceu e estávamos vivinhos da silva. Até hoje não tivemos informações se eram os caras que nos queriam “fechar” e desistiram por algum motivo ou se dentro do carro havia apenas um casal de namorados curtindo um momento para tirar um gostoso sarro. Dúvida cruel, mas que não mudou nossas vidas, felizmente. Ou talvez o telefonema anônimo tenha sido somente um trote para nos assustar? Eis a questão!

*Do Livro “A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior – Parte I

Autor: Jornalista Marcelo M. Melo!


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