Matéria publicada no Jornal “Atualidades do Vale”, em 11 de dezembro de 1971.
Foi assim: muitos homens negros, vindos da África, trouxeram das matas que me circundavam as melhores árvores. Sob as ordens de mestres carapinas, lavraram os troncos, mediram-nos bem medidos, e ergueram os pilares, talharam os gradis das minhas varandas, formaram as portas e janelas, tudo de acordo com a fazenda – idéia nascida na mente do Senhor francês.
àcima, o Solar Monlevade, construída no Século XIX,em sua arquitetura original
Meus primeiros dias foram muito movimentados. Era importante o senhor meu dono, bonitão e jovem. Tinha 27 anos quando mandou que me fizessem. Descendia de velhas e tradicionais famílias da nobreza francesa, como os Lavillate, Bogenet, Dissandes (ele se chamava Jean Antoine Felix Dissandes de Monlevade), e outras que, desde 1500, se fizeram notar na história de França. (Ainda bem que o povo acredita que paredes têm ouvido!).
Aqui pintura do rosto do pioneiro francês Jean Antoine Félix Dissandes di Monlevade, ainda jovem, quando mandou construir o Solar monlevade para sua moradia
Diziam até, nos gestosos papos que ouviu durante anos, que Monsieur estudou na Escola Politécnica de Paris, diplomando-se em 1812, e olhem bem, com distinta classificação. Por isso lhe permitiram entrar na famosa Escola de Minas. Muitos dos seus colegas ficaram tão famosos quanto ele. Mesmo antes de terminar os estudos, ele era Engenheiro-Capitão do Exército francês de Napoleão Bonaparte. Não sei se por estudar demais, mas por motivo qualquer, a saúde de Monsieur ficou um pouco abalada. Os médicos lhe aconselharam clima mais ameno. A essas alturas da história é que a sorte começou a ajudar-me: meu amo aceitou uma comissão do seu governo e veio estudar os recursos minerais do Brasil, especialmente a Província de Minas Gerais. Viajou muito por aí e dizem até que se encontrou com o famoso Dr. Lund, que também era sábio, e que também viera do estrangeiro procurando clima mais ameno, e muito conversaram sobre esta terra.
Dr. Lund fixou-se em Lagoa Santa. Monsieur Monlevade, para felicidade minha, resolveu fixar morada por aqui. Por isso eu nasci. Tenho a meus pés um belo rio (o Piracicaba) e ainda por cima, não estou longe de um arraial que se chamava São Miguel, naquela época. Hoje tem o nome do rio. Monsieur Monlevade era um metalurgista, e que metalurgista! Sei de muitas coisas que fez no Brasil antes de chegar aqui onde estou, mas não vou contar tudo.
Logo depois que eu já estava pronta (não sei se vocês perceberam como fui feita, com carinho e requinte? Minhas fechaduras, grandes lajes de pedra bem talhada e tanta coisa mais, sem falar da minha capelinha, que é sensacional!), mas como eu ia dizendo, depois de pronta, começaram a fazer aqui uma fábrica de ferro. Meu amo tinha um sócio, Diogo Sturz, que desceu navegando o rio Doce até o mar. Foi buscar pesadas máquinas, de 475 arrobas, ou 7.125 quilos, para montar a fábrica. Quando ele voltou, contou a história toda: (criada por um francês, era fácil, para mim, entender a linguagem deles. Acostumei-me até a chamá-lo de Monsieur.
A família de Jean Monlevade
Percorri o Rio Doce”, dizia ele, e seus afluentes, começando na cachoeira dos Óculos, logo abaixo da Ponte Queimada, isto é, entre Mombaça e Sacramento. E, assim, foi narrando que encontrou dificuldades sem conta.
Em 1827, trouxe as máquinas. Gastou 5 canoas e levou 3 meses para chegar. Foi auxiliado por índios botocudos que o comandante Guido Tomás Marliére lhe havia conseguido. Disse o Marliére que até havia colocado à disposição do Sr. Sturz mais 7 canoas, 12 ao todo. Assim foi que meu amo começou suas forjas catalãs. Fabricava barras de diversas bitolas que eram transformadas em enxadas, ferraduras escravos de ferrar.
As Forjas Catalã, onde a antiga Belgo-Mineira construiu um local que serve de Museu para guardar um pouco da história das máquinas da época
Isto aqui era bonito, gente. O dia inteiro um vai-vem enorme de gente, enquanto o martinete malhava, compassado.
Eufêmia, Bernabé, Belmiro, Santos e Margarida, Sabina, Lucinda, Maria da Conceição, Carolina, foram os escravos mais queridos. Estavam aqui o dia inteiro, alegres e felizes, servindo em tudo à Dona clara e a todos. Tudo foi bem, até que, em 1827, aconteceu o pior. Meu amo morreu, aqui, rodeado do amor e respeito da família e dos seus escravos. Dirigiu a fábrica e tudo mais que aqui se fazia durante meio-século. Fernando Saint’Edmé de Monlevade, foi o único parente de Monsieur Monlevade que veio ao Brasil.
O Pátio do Solar Monlevade foi, até 1948 – quando foi inaugurada a Matriz São José Operário, ao local das celebrações de Missas e outros eventos religiosos, como mostra esta fotografia
Uma série de causas fez com que a nova fábrica não prosperasse. A concorrência com o produto estrangeiro que, então tinha facilidade de atingir o interior pela Central do Brasil e pela Leopoldina, era muito difícil. Aos poucos, tudo foi piorando e, lá pelo ano de 1897, entrou em franca decadência, até ser de todo abandonada.
Mudança
Eu fiquei esquecida. Foram os 20 anos mais longos de toda a minha vida. Até que, em 1921, fui adquirida por Gaston Barbanson. Em 1934, para aqui vieram técnicos eminentes e deram início à construção da grande usina que vocês todos conhecem. Foi uma renovação. Fiquei feliz, outra vez, pois esses senhores tiveram por mim o mesmo carinho do meu primeiro amo.
Tornaram-me bonita, novamente e, até hoje, conservam a minha primeira identidade. Até hoje continuo sendo a FAZENDA DE MONSIEUR JEAN AN-TOINE FELIX DISSANDES DE MONLEVADE.
Vista principal do Solar Monlevade, que foi construída pelo pioneiro francês Jean Félix Dissandes di Monlevade, em 1818, de frente para o rio Piracicaba e de costas para a Usina e as montanhas. Mas, durante anos, todos passavam pelos fundos da Fazenda, até que, somente nos anos 1990, a Belgo-Mineira alterou a via e consequentemente a circulação de veículos, e hoje se passa em frente à bela arquitetura do Século XIX