Um Símbolo de Sucesso e Empreendorismo! *Afonso Torres

Acima, o Solar Monlevade, fazenda e moradia da Família Monlevade, construída em 1818, um marco da arquitetura em nossa cidade

Os Registros Paroquiais de Terra tornaram se obrigatórios em 1854, após a regulamentação da Lei de Terras de 1850 para todos os possuidores de terras, “qualquer que seja o título de sua propriedade ou possessão”. Foram encarregados de receber as declarações para registro das terras os vigários de cada Freguesia; cada declaração deveria ter duas cópias iguais, contendo “o nome do possuidor, designação de Freguesia em que estão situados, o nome particular da situação, se o tiver, sua extensão, se for conhecida, e seus limites”.

 Graças a este registro burocrático chegou até nosso tempo uma das cópias assinadas, em 1855, por João Antônio Monlevade , onde ele declara: “Possuo na Freguesia de S. Miguel huma fazenda de nome Monlevade, de 4 sesmarias +/-, a qual confina ao N com Manuel Martins, ao NE com Dª Anna Carolina. Ao E com a Onça. Ao S com a Bª Vista e os Ignácios. Ao SO com o Cap. Vicente e o Imº Vigário de S.M., Ao O com os Bragas. Ao NO com Antº dos Santos. A maior parte por arrematação pública e o mais por compra. 8 de julho de 1855”

 Amparando-se nos documentos referentes à Exploração da Mina de Chumbo de Abaeté, realizada por nosso extraordinário desbravador a pedido de José de Bonifácio de Andrada e Silva, o” Patriarca de nossa Independência” – todos datados entre 1823 e 1827 e apontando como local de residência do mesmo o Termo de Caeté _ podemos concluir que a construção do Solar se deu entre 1820 e 1825, considerando se principalmente as dificuldades inerentes à época.

 Entre o ano de chegada à região, 1818, a decisão de se estabelecer no país, o tempo necessário para encontrar e adquirir as sesmarias apropriadas aos seus planos, realizar as transações financeiras, já que só trouxera consigo oito mil francos (pretendia ficar no Brasil só por dois anos), determinar o melhor local para a construção da fábrica – seu primeiro intento – preparar o terreno, que era de mata fechada, e aguardar a disponibilidade do construtor João de Figueiredo, compromissado com a construção da Fazenda Santo Antônio em Caxambu; o levantamento da fábrica de ferro, realizado em sociedade com o Capitão Luiz Soares Gouveia, na Fazenda Conceição em Caeté, outra com o Barão Eschewege, a “Patriótica” em Congonhas do Campo; deduz-se, logicamente, que fora indispensável o desenrolar do tempo, até por que não se pode deixar de levar em conta a aquisição de mão de obra escrava, animais, instrumentos, abertura de estradas, acidentes geográficos e condições climáticas.

 O transporte nas vertiginosas terras das Gerais era todo ele feito em lombo de burros das tropas, carros de bois e com a força muscular escrava. O acesso aos bens materiais era pouco acessível, a maioria provinha da distante Corte instituída na cidade do Rio de Janeiro e, ainda por cima, dependia de importações, pois quase nada se produzia na colônia.

 Quem se ocupa em analisar a estrutura da propriedade conclui facilmente que o projeto do Solar é bastante elaborado, avançado mesmo para os meios até então utilizados na época. Os cuidados vão muito além do habitual daquele período oitocentista.

 Graças ao Relatório ao Governo da Província, enviado por João Monlevade a 12 de dezembro de 1853, tomamos conhecimento do apurado discernimento de nosso engenheiro de minas ao situar o estabelecimento de sua moradia no centro das quatro sesmarias, à margem esquerda do rio Piracicaba e ao alcance dos benefícios dos córregos vizinhos, indispensáveis ao bom funcionamento da fábrica de ferro e ao conforto da casa. Fica claro que tudo foi minunciosamente estudado e planejado por uma mente privilegiada. Aos seus conhecimentos técnicos adquiridos, percebemos detalhamentos que só mesmo alguém muito determinado, arguto e observador poderia alcançar. O Solar, este símbolo de sucesso e empreendedorismo, recebeu de seu idealizador atenção e cuidados para torná-lo o mais adequado possível às atividades que ali se realizariam. Assim, a residência tem papel duplo; um efetivo/prático, ou seja, de moradia da família, e outro, simbólico, o da presença constante dos donos, através da sacada nos dois andares, circundando toda a habitação e as muitas janelas que davam a impressão de vigilância constante. “Esta situação facilita singularmente a administração e inspeção do estabelecimento”, confessa ele ao Presidente da Província.

Como se vê, e é sempre bom levar em conta, que tudo isso se deu em um período que impunha dificuldades logísticas e operacionais, o que só realça ainda mais as suas habilidades. Fazendo uso de sua força de vontade, tenacidade e disposição para o trabalho venceu o meio e o tempo, tornando-se o mais bem sucedido fabricante de ferro, com capital privado, do período provincial brasileiro e ficando para a posteridade como um destes raros homens destinados ao pioneirismo.

 Na pedra fundamental do Solar estão guardados jornais e moedas da época, providência tomada por nosso sagaz precursor que, visionário que sempre fora, já antevia estas nossas futuras dúvidas quanto ao tempo exato de sua construção. Quem sabe um dia estas preciosidades não veem à tona?!…

200 anos depois, a visita da Trineta de Jean Monlevade, e …

 Quase duzentos anos depois, Dª Lúcia Tomanick, trineta de Jean Monlevade, fez uma visita à cidade com o nome de seu antepassado e, após a visita à Usina, ciceroneada pelos saudosos Antônio Gabriel Araújo e Nilton de Souza (Tim), funcionários da área de Comunicação da Belgo-Mineira, foi para o Solar para uma conversa. Tim, muito dedicado e perfeccionista, preparara uma lista com nomes e datas para não se perder, nem se confundir durante a conversa que prometia ser fonte de muitos novos fatos. Gostava de pesquisar sobre o Grande Pioneiro. Acontece que esquecera o material no Cassino; teria que ir buscá-lo. Enquanto isso, Gabriel, solícito, fazia de tudo para agradar a ilustre visita, providenciando uma almofada, um copo de água fresquinha e outros agrados. Zezinho, fotógrafo do Foto Central, já estava a postos para registrar tudo no celulóide. Tim, para não se atrasar esperando uma condução, resolveu subir a pé, morro acima, em direção à Fazenda. Chegou esbaforido e suado, tentando acomodar os parcos fios de sua cabeleira no alto da cabeça. De prancheta na mão, cumprimentou a todos educadamente, sentou-se próximo à Senhora, preparando-se para a entrevista. Absorto, consultando seus apontamentos, percebera uma discrepância: frente a todos os nomes da sua lista constavam duas datas, uma, com a estrelinha, indicando o nascimento, outra, com a cruz, a data de falecimento. Só o nome da Dª Lúcia estava sem a segunda data. Muito compenetrado se dirigiu à senhora: – “Dª Lúcia, estou conferindo aqui em minhas anotações que a senhora é filha da Dª Marianna Tomanick, Paes Leme Monlevade quando solteira, não é isso”?… –“Muito bem, Sr. Nilton!… Vejo que o senhor fez o dever de casa direitinho. Parabéns”!… Respondeu a visitante, comovida com a lembrança da própria mãe. “Pois bem – prosseguiu o Tim, satisfeito com o elogio inesperado – o seu trisavô, João Monlevade, nasceu em 14 de abril de 1794 e faleceu em 12 de dezembro de 1872, certo?…Já seu bisavô, João Paschoal, nasceu em 16 de maio de 1828 e, apesar de viver um longo tempo com a S’Anninha do Baú, tendo com ela sete filhos, faleceu foi mesmo em Jundiaí, em 1919, confere”?… Percebendo o desconforto da entrevistada, desculpou-se, ruborizado pela inconveniência cometida, mas “a Inês é morta”, melhor seguir em frente: – “seu avô, Francisco Paes leme de Monlevade, nasceu m 13 de dezembro de 1860 e faleceu em 23 de novembro de 1944, em São Paulo”. Desta vez, não perguntou, já foi logo afirmando, convicto, incentivado pelo elogio recente. Frente à confirmação da neta e para total desconcerto do Gabriel, inocentemente, perguntou: “E a senhora, Dª Lúcia, quando mesmo que foi o seu falecimento? Esqueci de anotar”… Zezinho, largou a câmera paras segurar o riso com as mãos, olhou rapidamente para Gabriel que, vermelho, com o rosto inchado de também se segurar, apontou o dedo em direção à cozinha, pra lá se dirigindo à toda e o Zezinho, apressado, atrás. As gargalhadas desprendidas pelos dois puderam ser ouvidas de longe…

Muita história para se contar!

*Afonso Torres é escritor e historiador, e colaborador do jornal “Morro do Geo”!

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