Manhã de sol… Um novo dia! Olho da janela do quarto e todas as coisas do passado parecem que se materializam sob a luz do magnífico astro rei, trazendo ao presente imagens que não se esquecem e a saudade chega alegre. De mansinho entro num mundo que há tanto tempo deixei para trás… Começa o reviver delicioso de tudo que gostaria que nunca tivesse se acabado. Ah! Uma época rica, cheia de boas e inesquecíveis recordações. Então, embarquei no Túnel do Tempo. A magia está no ar.
Na foto acima, o Cônego Higino junto à irmã holandesa Dona Maria José e integrantes do Apostolado de Oração. Foto feita em frente à Gruta de Nossa Senhora de Lourdes
Era um dezembro dos Anos Dourados, portanto não um dezembro qualquer. Os estudantes já enfeitavam e alegravam o “Pedacinho do Céu”. O ano estava quase terminando. Tempo do Natal. Festa no coração de todos os cristãos – Jesus nasceu!
A mocidade passou veloz…
Outra vez, Natal. E nesse frenesi, envolvida em minhas lembranças, cenas, namorados, primeiro amor, amigos e amigas fervilham e aumenta a nostalgia causada pelas saudades que campeiam no quarto.
Manhã quente na cidade abençoada. Cercado por uma auréola cor de fogo, o dia chega lindo. E enquanto canto o passado e minha saudade, sinto-me feliz porque tudo isto me faz amada… muito amada.
Faltavam poucos dias para a Noite do Natal, quando Padre Higino nos chamou para uma reunião em sua casa paroquial. Contentes da vida a turma – moças e rapazes- correm para a casa do querido Padre e mestre. Sabíamos que também à nossa espera estavam deliciosos pães-de-queijo da bondosa Maria Amélia, sua irmã. Em algazarra adolescente chegamos à praça da mais bela Matriz. Do alto, já à janela- seu mirante preferido- gritou: Preciso de vocês para armar o presépio da Igreja, vamos ensaiar. Ora, Padre, todos os anos ajudamos o Senhor, gritamos nós e subimos a rampa. Acontece que este ano quero fazer um presépio vivo: Vivo? Sim, vivo e conto com a moçada para representar as figuras bíblicas.
A turma, já assentada no chão da confortável sala, comendo um delicioso e quentinho pão-de-queijo, ouvia atenta e adorou as idéias do saudoso Padre. Aí, tudo ia muito bem até que… De repente, começa uma confusão generalizada. Uma Torre Babel. A bonita casa do Padre tal qual a cidade da Babilônia se transformara. Tudo isto porque Padre Higino começou a distribuir os personagens. Quem seria quem? As mulheres, donzelas, todas queriam ser Maria, e, os homens, José. Muito engraçado… Entre eles, já formando casais, a preferência dava briga. Quanta falação! Bravo, o sábio mestre percebendo o porquê, dizia: Maria ao lado de José e não agarrada a José. Ponham tento no que fazem, moçada. Assim vocês vão estragar meu presépio. E podem parar com esta regateirice. Maria e José eram recatados. Tomem tento!
E os três Reis-Magos? A turma da Siderúrgica e a do Tieté não entravam num acordo. E quando o vigário controlou a disputa acirrada, começa outra confusão bem maior ainda quando ele tentava escolher quais vestiriam de animais. Haja paciência, exclamava o Padre.
Após muito xingamento ficou acertado quem seriam: galo, ovelhas, vaca, boi, bode, carneiro, cabra, porco, jumento, camelo… Há…Há…Há… Tudo acertado, tudo ás maravilhas. E mais pão-de-queijo trazido pela saudosa Maria Amélia.
Entretanto a paz no quartel-general dura pouco. Padre Higino quase sofre um “perereco”: nem um dos rapazes queria ser rena. Acontece que o Padre resolveu, para alegrar as crianças, colocar do outro lado do altar-mor, o Papai Noel assentado num enorme trenó, com quatro renas o puxando. O trenó seria feito na carpintaria da Belgo e o Papai Noel, o São Nicolau, explicou ele, seria o Tommy, um estrangeiro grandão, branquelo e cor-de-rosa, de cabelos louros que morava na rua Beira-Rio. E as renas? Padre Higino escolheu os belos mocinhos: Wilson Bastieri, Fufú, Dário Lage e o Edil. Ah! Foi cômico. Eles ficaram irados, indignados com a representatividade. Uníssonos gritaram: Veado não Padre Higino. Não vestimos de jeito maneira, respondiam sem parar os jovens mancebos. E a turma rolava de rir. Quanta saudade!
ocês são uns ignorantes; bravo retrucava Padre Higino. Veado é veado, rena é rena. É veado sim, o senhor fala que não é só para aceitarmos, disseram os quatros varões. Aí, esgotados todos os argumentos, injuriado, resmungando, Padre Higino mal-humorado oi até à sua Biblioteca e trouxe um enorme livro sobre animais, com fotografias. Olhem aqui, seus bobos. Dário olhou… Wilson, Edil e Fufú olharam… olharam. Mas que parece… parece, em coro exclamaram! Há…Há…Há… Foi gozada demais a cena. O máximo! O Padre insistia e eles quase derramando as lágrimas: veado não, Padre Higino. Quaisquer outros que o senhor mandar, mas de veado não vestimos. Já impaciente, bravo, num vaivém pela casa, repetitivo o vigário tentava convencê-los que rena é rena e veado é veado. É, pode até ser, senhor Padre, mas que parece… parece. São parentes? Perguntou-lhe Wilson. E nós rolávamos… As gargalhadas corriam soltas. Então o saudoso Padre, mais irritado ainda nos mandou para casa. Não tem mais presépio. Desta vez seu dom de persuasão não funcionou. O caçulinha, o sacristão Luiz Sérgio, seu fiel escudeiro ainda gritou: hipnotiza eles Padre Higino. Ei! Ei!, esperem um momento, vocês não acham que já comeram demais? Meus pães-de-queijo? Deixe-os aí. E sob o olhar fulminante do Padre saímos cabisbaixos até aonde seu olhar nos alcançava, para depois rir até doer.
Vestir Dário, Fufú, Wilson e Edil de veados? E com aqueles enormes galhos na cabeça? Padre Higino endoidou de vez? Hoje eles não se importariam vestir de veado. Há…Há…Há…
À noite no campanário os sinos da mais bela Matriz badalaram suavemente chamando o “Pedacinho do Céu”. E naquele dezembro inolvidável não houve presépio e nem Papai Noel no trenó, tudo por causa dos quatro veados. Lindos e lindas lá fomos nós para a mais bela e terna “Missa do Galo”, como acontecia todos os anos, pouco antes da meia-noite, para que todos passassem a “Noite Feliz” em casa, junto da família.
Vivamos o Natal e o Novo Ano derrubando os muros que destroem e afastam o amor e construindo os que protegem e edificam pessoas. Que a paz de Cristo reine em cada coração e que Ele faça de você uma luz a brilhar em toda parte.
*Este artigo, de autoria da professora e cronista, Coramar Alves, foi publicado na edição de nº 82 do jornal “Morro do Geo”, de janeiro/2005!
“Ai, que saudade que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais”. (Cassimiro de Abreu).
Então Chegamos ao Natal!Uma estrela brilhou. Os sinos soaram nas colinas da Judéia, na solene e afável noite em que Deus nasceu em Belém! Nascendo de mulher e na virtude do Espírito Santo, Ele veio revelar-nos a justiça e a misericórdia divina; o amor e o perdão. Com o nascimento de Cristo estabelecia-se na terra, o Reino de Deus que é também o Reino da Paz. Os anjos afirmaram, quando Deus se fez homem no Dia de Natal, que a felicidade ia ao encontro dos homens e desceram pelos ares cantando: “GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE.”Ah! Natais da minha infância… da minha juventude! Um desfilar de cenas, pessoas, amigos e coisas que marcaram nossa vida, desde a mais tenra infância onde o sorriso, a paz e a felicidade eram uma constante. Uma festa a Árvore de Natal. Sem ela não havia beleza, não havia graça. Uma tradição em nossas casas. O enorme presépio do Padre Higino, dentro da Matriz, abençoava a Noite Feliz! Era o máxDo campanário da mais linda Matriz, uma música suave tocavam os sinos, convidando a terra-amada para a mais encantadora noite do mundo. Assomava ao longe, entre montanhas, emergindo o azul do céu, a belíssima São José Operário. As moças – como as estrelas no céu – enfeitavam a Praça da Matriz, faziam “footing”, flertavam, namoravam aguardando a Missa do Galo. Lá de cima, Padre Higino atento observava… observava seus fiéis paroquianos com cara de festa. A gente vai crescendo, vai acumulando juventude e o tempo passa. Mas a lembrança e a saudade permanecem como o ar que respiramos. Naquela época inigualável um turbilhão de desejos e ternura povoava em nós. Ás vezes vivíamos no mundo da lua, encantadas… Diziam as freiras do Colégio interno. Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo, mas sinto que não há muito mais tempo para sonhar.