Reminiscências de uma Era inesquecível! *Coramar Alves

Pereira “do Grêmio” e Geraldo “Pintor”, e seu caximbo: dois eternos personagens de nossa Monlevade

Sol nas montanhas das Minas Gerais. Um vento fresco com cheiro de campo e de distância. As robustas e belas árvores se estendem verdes, rutilantes. Cara e braços ao sol e ao vento sinto renascer nesse instante a alegria e a saudade. Uma saudade tão grande de voltar e viver literalmente o passado. As imagens na memória e no coração se estacionam.

Reminiscências de uma era inesquecível começam a passar, como um belíssimo filme, em minha mente. O que já parece distante no tempo, torna-se, então, cada vez mais perto do coração. E as imagens fantásticas e queridas que falam de um passado inolvidável, vêm surgindo na antiga tela de João Monlevade dos Anos Dourados. A mais linda do Vale do Piracicaba. Ainda que uma lágrima ameace cair…

Histórias que desde criança ouvíamos nossos pais contar. Vividas ou não vividas, pela minha geração, que nos trazem saudades e encanto.
Por volta de 1936, quando se processava a fase inicial da Usina de Monlevade, ainda era precário o serviço de distribuição de correspondência à população local. As cartas e volumes que ali chegavam pelos vagões da Central do Brasil eram distribuídos por D. Geralda, sendo que a parte destinada à Usina era redistribuída para o pessoal em barraca tosca, colocada cada correspondência junto com as respectivas placas individuais dos funcionários.

E rindo muito, paizão contou que o seu grande amigo o estrangeiro Corâneo De Marchi, chefe dos contramestres, tão logo eram colocadas as correspondências, sempre corria, ansioso para ver ou apanhar a sua correspondência no quadro próprio. Quando um dia, bem apressado, tropeçou, rolou e foi parar debaixo da tropa de burros, tradicional meio de transporte muito usado naquela época, que descançava sossegadamente, debaixo das árvores, após um farto almoço. E foi um Deus nos acuda. Uma cena inesquecível, inigualável. Às gargalhadas continuava meu paizão.
Afetuosamente chamado de “Sr. Camilo”, o Sr. De Marchi, já naquela época, se revelava o fervoroso adepto da música, fundando com outros músicos a Corporação Musical de Monlevade. O “Camilo da Banda” já dizia a turma.
Era assim que funcionava naquela época o nosso “Correio”. Contava orgulhoso as Histórias, meu amado pai.

E por falar sobre o “Antigo Correio” da mãe Belgo-Mineira, lembrei-me do Senhor Geraldo “Pintor”. Um pioneiro e muito engraçado. Senhor Geraldo “Pintor” era o chefe da Seção de Pintura da Belgo-Mineira – O Homem da Pintura – daí o apelido. Ocupava o cargo de almoxarife, administrador do depósito de materiais e matérias primas. Eu gostava muito dele. Sempre trazia do bar do Senhor Joãozinho, depois do Daniel, seu filho, balas e chocolates para a meninada da bela Rua Siderúrgica, daquela época, e nos matava de rir com suas brincadeiras e histórias. Engraçado, muitas vezes falava errado e também era meio bravo. Não tinha filhos. Acho que por isso, gostava muito de crianças, de jovens, apesar da cara fechada e do cachimbo entornando aquela fumaça fedorenta. Era uma pessoa folclórica, divertida. E nós, lá da bela Rua Siderúrgica daquele tempo, o amávamos. Certa vez ele chegou lá em casa com uma caixa de papelão toda enfeitada e foi logo dizendo: “Cora, um presente para você”. Ao abri-la uma forte e alegre emoção me envolveu. Em pé, com um laço de fita branca no pescoço, uma bela cachorrinha, peluda demais, preta e branca. Linda… Linda… Senhor Geraldo era atleticano.

Como sempre, todas as datas eram comemoradas festivamente. Então, fizemos a turma e eu, um grande batizado, bonito e gostoso pra cachorro e a batizamos “Tetéia”. Ela foi o meu primeiro e bastante amado animal de estimação que faleceu aos 18 anos de idade. Um presente inolvidável. Saudades… Seu Geraldo e sua boa esposa, dona Eni, amavam os animais. Na casa deles havia vários.

Um belo dia na hora do almoço, um detalhe: o apito da usina ressoava às 6 horas, às 7 horas, às 11 horas, às 12 horas, às 15 horas, às 16 horas, às 22 horas e, por último, às 23 horas. Então, nós já ficávamos esperando pelo Senhor Geraldo, pois sempre parava lá em casa. Sua casa ficava logo depois da nossa. Neste dia, chega ele com chocolates e com um envelope branco na mão, xingando, perguntando se pai já havia chegado e foi mostrando um envelope, já todo riscado, dizendo alto: “Veja só Agenor, esse pessoal da Usina é burro mesmo. Não sabe nem escrever. Espia só: “Ao Chefe Administrador do Almoxarifado”. Está errado. Eu já falei muitas vezes para os homens que trabalham comigo aqui na Usina, que é Murxerifado. Êta povo que fala e escreve errado… Eu até já risquei o envelope e coloquei certo: Murxerifado Nem o Burro do Géo e seus parentes são burro assim. Aí, pai, com aquela calma que lhe era peculiar, segurando o riso, perguntou: “E qual o burro que escreveu para você, Geraldo”? Ele respondeu: “Não sei, Agenor. De tanta raiva, deixei de abrir o envelope”. Vamos abrir, então, Geraldo, disse pai. Foi um grande e cômico choque. Afinal, quem havia mandado a correspondência era o Doutor Geraldo Parreiras, um mandachuva da Belgo-Mineira, amado por uns e odiado por outros. Ele estava autorizando a retirada de material. Naquele momento, quase não contínhamos mais as gargalhadas. E o Senhor Geraldo foi embora, esbravejando e ainda teimando que era Murxerifado e soltando aquela fumaça fedorenta do seu histórico cachimbo. Saudades…

O tempo me roubou essa época maravilhosa e feliz, apossou-se. Todavia ficará sempre a lembrança querida da terra natal, o “Pedacinho do Céu” de outrora – João Monlevade – que ainda abre os braços para me acolher.
O tempo é passado, mas as lembranças são presentes.

*Coramar Alves é professora aposentada e colaboradora do jornal “Morro do Geo”!

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