Na fotografia acima, alguns dos ex-metalúrgicos demitidos da Belgo-Mineira em 31 de março de 1964, taxados de “comunistas”, no momento de nossa reportagem
Profissionalmente, com dois meses na “Mostrar” acabei tendo a felicidade de fazer uma reportagem que viria somar muito ao meu currículo. Poucos tinham lembranças e ainda não havia sido feita nenhuma matéria na imprensa local com os “perseguidos de 1964”, os “Comunas”. E resolvemos – eu e Tavinho -, em novembro de 1985, procurar algumas pessoas, de João Monlevade, daquele grupo de 74 operários da Belgo-Mineira que havia sido demitido da Usina, no dia 31 de março de 1964, quando foi deflagrado o Golpe Militar, todos tachados de “comunistas”. Fui o responsável por fazer a reportagem, de duas páginas da revista, com o título “1964: uma nuvem negra baixa em Monlevade”. Quando ocorreu a entrevista, 21 anos depois do fato, obviamente que cada um dos ex-metalúrgicos á havia buscado outros meios de sobrevivência. Alguns deles tornaram-se funcionários públicos, contudo a maioria trabalhava por conta própria.
O encontro se deu no escritório do então Corretor de Imóveis, José Quaresma Sobrinho, na época com 56 anos, demitido em 1964, quando já tinha 15 anos de trabalho na Belgo-Mineira e quatro filhos para criar. Quaresma era político, brizolista convicto, e chegou a se candidatar a prefeito de João Monlevade nas eleições municipais de 1992. Além dele, também participaram da entrevista os ex metalúrgicos Carlos Simões, 73, com 20 anos de serviços na Usina e cinco filhos, e que tornou-se vendedor de loterias na portaria do Zebrão; José Nicolau, 58, que trabalhava para a Igreja; José Luiz dos Campos, 53, que trabalhava por conta própria fazendo bicos; Antônio Pedro, 65, comerciante; Alcides Pinto Barbosa 53, aposentado pela Prefeitura Municipal; Maurílio Liberato de Souza, 53, comerciante; e Geraldo Paula de Miranda, 74, também aposentado pela Prefeitura. Também prestou seu depoimento a então vereadora Tereza Dias Salomão, viúva de Virgílio Salomão, um dos metalúrgicos mais atingidos entre os demitidos da Revolução de 64. Na época, o casal tinha 1 1 filhos e o marido com 26 anos de trabalhos prestados na Usina da Belgo-Mineira. Todos aqueles 74 operários foram demitidos por talvez estarem no lugar errado, no momento errado.
Dois dias antes da Revolução, em 29 de março, estava sendo realizada uma assembleia na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, quando o operador de som, Maurílio Liberato de Souza, gravava a renúncia do presidente João Goulart. Naquele dia, vários operários assinaram a lista de presença na assembleia e dois dias depois muitos deles eram demitidos pela empresa, rotulados de comunistas. Lembro-me de que, durante a reportagem, todos os oito entrevistados demonstravam revolta e indignação pelo fato ocorrido 21 anos antes, e a maioria daqueles operários nunca mais conseguiu um emprego em nenhuma empresa. Segundo eles, “fomos tachados de comunistas pela Belgo-Mineira como desculpa para que nos mandassem embora”. Aquele último dia de março de 1964 ficaria marcado na memória de cada uma das vítimas do golpe militar, através de uma sensibilidade à flor da pele. Uma ferida em aberto, como se marca o gado. E, para maior humilhação todos eles, após dispensados, tinham de comparecer à Delegacia de Polícia – que ficava na Praça do Mercado – para prestar depoimento. Depois retornavam à Usina e tinham de assinar um papel em branco. Uma frase dita por Quaresma ficou registrada em minha memória, durante a entrevista: – “Se não assinássemos aquela folha em branco, lá vinha o Capitão Eustáquio Murilo e o ‘bate-pau’ (pelego), o Napoleão Aprílio, de armas na mão, encostando-as em nós. Teve caso de companheiros nossos que se negaram a assinar e levaram várias coronhadas de revólver no dorso da mão, até ficar inchado”. E, ao final, eram levados ao Fórum, em Rio Piracicaba. – “Íamos num Jeep alugado, de quatro em quatro, para assinatura da rescisão contratual. No retorno, o ‘bate-pau’ Napoleão Aprílio exigia ainda da gente uma gorjeta, na época de Cr$ 5 mil. Desse grupo, também foi vítima de injustiça, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Geraldo Oscar que, acabou tendo de deixar Monlevade, com os filhos ainda pequenos, mudando-se para Contagem, e, depois, para Ouro Branco, onde veio a falecer em 2011.
As horas passadas no escritório com aquelas pessoas, injustiçadas e humilhadas durante o Golpe Militar, rotuladas de comunistas -simplesmente porque haviam assinado uma lista de presença durante uma reunião sindical -, vítimas de um mecanismo covarde -, foram essenciais para o meu aprendizado como profissional. Talvez ali, naquele encontro, tenha surgido a ponta do iceberg para que eu tivesse a convicção do quanto importante é a profissão de um repórter. De como podemos ser porta-vozes de classes menos favorecidas, de pessoas simples, através de um trabalho jornalístico responsável e ético. E, passados quase 30 anos de meu contato com aqueles operários – a maioria deles já não mais se encontra entre nós – que foram colocados na rua, injustamente -, sinto que cumprimos o nosso compromisso de informar à sociedade o outro lado da história. E morreram com a esperança de que ainda poderiam ser readmitidos, já que corria no Tribunal Superior do Trabalho, um processo denominado José Quaresma Sobrinho e Outros. Lembro-me muito bem da frase que fechou aquela reportagem: “Nós confiamos nesta vitória e na nossa readmissão”.
E hoje, ao presenciar o trabalho da grande mídia de nosso país, principalmente algumas emissoras de TV e seus pseudos-jornalistas, querendo manipular o povo, mentindo a todo noticiário, que venderam suas opiniões ao sistema, eu, como jornalista, tenho asco e vergonha de nossa classe!
Nas fotografias abaixo, momento da entrevista, e à minha frente a ex-vereadora Tereza Salomão, viúva de Virgílio Salomão, e José Quaresma; e ainda a manchete que havia sido publicada na Revista, na época


*Do Livro A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte VII
Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!