Acima, a fotografia mostra uma assembleia dos metalúrgicos no início dos anos 1980, realizada no ginásio do Grêmio, porque na sede do Sindicato, localizada à Rua Siderúrgica, não teria como suportar o grande número de operários. Naquela época, literalmente”, o “bicho pegava” e eu fui testemunho ocular dos fatos
Um fato ocorrido na semana final de minha primeira jornada como repórter do jornal “A Notícia” foi marcado por um fato constrangedor. Foi registrado precisamente no dia 22 de agosto do ano de 1985, uma quinta-feira, durante uma assembleia dos operários da Belgo Mineira. A data-base da categoria se dava em 1º de outubro, e na época, anos 1980, em todo o período de negociação salarial, o clima era tenso. A cidade parava. Pouco mais de 3 mil empregados na Usina. O comércio sempre temeroso pela queda nas vendas. Medo de uma nova greve ser deflagrada. Eu ainda estava no jornal “A Notícia”, aliás era a minha última semana de trabalho por lá, antes de me transferir para a Revista “Mostrar”. Estava mais uma vez fazendo a cobertura de uma assembleia, na sede do Sindicato, à Rua Siderúrgica, quando apanho meu gravador. Nesse instante aproxima-se de mim um diretor da entidade e pergunta para quem eu estava gravando. Apresentei meu crachá do “A Notícia”. – “Então, faça o favor de desligar este gravador. Para este jornal não é permitida a gravação de nossas assembleias”, disse João Paulo Pires de Vasconcelos. Acatei a ordem, mesmo com o desejo de partir para cima do dirigente, naquele instante. Na época, havia um clima de insatisfação do Sindicato para com o jornal, após a negociação salarial de 1984. O periódico noticiara fatos que desagradaram o Sindicato. Tanto que exemplares do periódico chegaram a ser queimados na portaria do Zebrão.
Mas na manhã seguinte, indignado com a atitude do sindicalista, publiquei em minha Coluna, na edição que circulou no dia 30 de agosto de 1985 (minha última no semanário), com o título “Barrado no Baile”, o seguinte texto: – “Boa noite! Eu gostaria de gravar a Assembleia. Seria possível? – Seu crachá de repórter, por favor” – Aqui está. – Com esta carteira, não. – Por quê? Alguma restrição? – Sim. – Então, com licença. Este diálogo aconteceu entre este colunista e o então dirigente sindical João Paulo Pires de Vasconcelos, quando cobria a Assembleia do último dia 22, no Sindicato dos Metalúrgicos, referente ao acordo salarial de outubro. É inadmissível que uma classe que defenda os direitos dos trabalhadores venha cercear o trabalho da imprensa. Estava ali cobrindo um acontecimento como jornalista, vendo-me, de repente, sob uma repressão por parte de sindicalistas que respeito, fazendo-me lembrar dos 21 anos de ditadura, dos quais de apenas alguns eu pude ter consciência do que estava se passando no país. Incoerências acontecem a todo dia e a repressão pode ser notada, tanto na extrema direita quanto na esquerda”…
O pior, ou melhor, estaria por vir. As tais das ironias que o destino nos prega! Outra assembleia seria realizada uma semana depois. E seria justamente o dia que iniciaria como repórter da Revista “Mostrar”. E cheguei com meu gravador, com a mesma missão. Aproximei-me da mesa que coordenava os trabalhos e, próximo à caixa de som, liguei meu gravador. A assembleia estava para começar e, num repente, João Paulo deixa a mesa e, ríspido, chama minha atenção, como se falasse a um moleque: – “Já te disse que aqui não pode gravar para o jornal A Notícia”. Continuou gesticulando e todos ali presentes acompanhavam a cena, até que, de forma enérgica, afirmei: – “Estou aqui pela Revista Mostrar” – em seguida apresentei meu crachá. Ele silenciou-se e, surpreso, disse que “mas você estava aqui na semana passada como repórter do jornal do Márcio”. – “Mas agora estou trabalhando com Tavinho Viggiano. Saí do A Notícia. Posso gravar”? Caso encerrado e gravei toda a assembleia. Naquela época, presidia o Sindicato, Leonardo Diniz Dias.
Mas a história do gravador não se encerraria por aí. Havia mais capítulos por vir e, se imaginasse o final da novela, jamais teria gravado aquela assembleia. Tudo parecia conspirar contra o jornalista, já não tão “foca” assim… Chegando na manhã seguinte ao meu cantinho da redação, na Rádio Cultura, ali no Satélite, eis que o chefe Elmar Venícius convida-me para ir à sua sala. Como pertencíamos ao Sistema Globo de Rádio, havia um superior, o “Todo Poderoso” senhor João Veras, que nos comandava de Belo Horizonte. Era um baixinho ranzinza, mas que entendia tudo de rádio, desde a parte administrativa, passando pelo jornalismo até a parte técnica.Tinha uma sensibilidade incrível como ouvinte e uma audição que lhe permitia captar qualquer som saído dos microfones que o estivesse incomodando. Mas também era enérgico e do tipo “mala”. Patrão chato. E o recado que Elmar me passaria viria dele. Assentei-me e era todo ouvidos. “Marcelo, você gravou a assembleia dos metalúrgicos ontem à noite, e o Seu João quer a fita”, foi direto ao assunto. Tremi nas bases e, segundos depois, respondi: – “Não posso. Estava gravando para a Revista Mostrar e não para a rádio”. Elmar espantou-se com a resposta, mas sabia que era fato. Afinal, eu não tinha a principal ferramenta para trabalhar como repórter de rádio, que era um gravador. Usava um emprestado. E naquela noite, na sede do Sindicato, à Rua Siderúrgica, fiz a gravação para a revista. Mas Elmar insistia e pedi a ele um tempo. Não podia ali fazer um papel de alcagüete. Ainda mais depois do episódio ocorrido com João Paulo. Era minha credibilidade como profissional que estava em jogo. “Marcelo, o que vou dizer para o Seu João”?, questionava. Ele, sim, estava temeroso. Mas, na atual circunstância, eu, particularmente, preferia perder o emprego a entregar a fita. Pois sabia que seu destino – ao chegar às mãos do João Veras -, seria o Dr. Hans Schlacher, que foi um dos presidentes da Belgo-Mineira que mais tempo ficou no cargo, de 1977 a 1990. Naquele período havia uma “guerra fria” nas relações entre empresa e sindicato, e uma fita com o teor da que tinha em mãos poderia causar alguns estragos. E somente eu tinha a gravação, a não ser, obviamente, os anais da sede da entidade sindical, de onde ela jamais sairia. Sabia que tinha um “tesouro” e ao mesmo tempo uma “bomba” nas mãos. O que fazer? À tarde, depois de largar o trabalho na rádio, fui para a “Mostrar”, cuja redação ficava em Carneirinhos, na sala atrás do prédio do Foto Central, de frente para a Praça Sete. Ali comecei a ouvir a gravação e colocá-la no papel. Não comentei nada com Tavinho e ninguém da equipe. Eu tinha de tomar a decisão sozinho.
Na manhã seguinte, ao chegar à rádio, novamente fui pressionado pelo chefe: – “Marcelo, Seu João quer a fita”. Havia tomado minha decisão. Estava convicto. Mas, pensando melhor, poderia até vender a fita e fazer um bom dinheiro com ela. Aquilo veio como do nada à minha cabeça. Naquela época, em vista do momento que vivíamos, quem sabe, a Belgo-Mineira pagaria! E poderia pagar um preço muito alto. Mas não hesitei e tomei a melhor decisão: – “Elmar, vou entrar em contato com Leonardo e Ramos e falar com eles. E só entrego a fita ao senhor João Veras se eles autorizarem”. (Referia-me a Leonardo Diniz e Antônio Ramos, presidente e secretário geral do Sindicato, respectivamente). O chefe, de início, não gostou da minha proposta, mas teve de aceitar. Não havia outra saída. E no sábado seguinte, pela manhã, após contato telefônico, fui para a casa do Ramos, no Bairro Laranjeiras, onde me encontrei com ele e Leonardo. Relatei todo o fato e fui munido da fita. Tomávamos cerveja e conversávamos; detalhadamente contei toda a história, desde a bronca que havia levado do João no dia da assembleia. “Leonardo e Ramos, o que vocês decidirem está feito. Não fiz nenhuma cópia da fita e estou disposto até a entregá-las a vocês”, disse. Surpreendetemente, eles não colocaram nenhuma objeção. Concordaram que eu entregasse a fita ao João Veras, mesmo sabendo que seu destino seria outro. Mas ficou claro para mim do quanto foram gratos por minha atitude. Ficamos juntos por mais alguns minutos, entre conversa, copos de cerveja e algumas risadas. Despedi-me com uma certeza: na nossa profissão vale mais ser honesto e ganhar a confiança das pessoas. Aquilo não tinha preço.
Na segunda-feira, a primeira coisa que fiz quando cheguei à emissora foi entrar na sala de Elmar com a fita em mãos e dizer: – “Aqui está a gravação da bendita assembleia. E por favor, fale ao seu João que só estou entregando- a porque fui autorizado pelos dirigentes do Sindicato. E tenho uma cópia em casa”. Ele sorriu aliviado, mas me pareceu também estar ironizando o “todo poderoso” João Veras (rs).
*Do Livro A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte VI
Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!