Capa de uma das edições da revista “Mostrar”, que marcou época na imprensa escrita na região do Médio Piracicaba
Dois mundos novos: o rádio e a revista. Menos de um ano na profissão e as portas se abriram. E tudo o que aprendi como repórter, e como fazer um bom trabalho investigativo, foi graças aos ensinamentos do primeiro professor, o jornalista Márcio Passos. E para substituir-me na equipe do “A Notícia” foi contratado Geraldo Magela Ferreira, que havia ficado desempregado da Belgo-Mineira naquele agosto de 1983 e estava trabalhando na Prefeitura de Taquaraçu de Minas, cidade natal de sua esposa. Feito o convite, ele aceitou prontamente. Uma escolha que, pelo nosso grau de amizade na época e sua competência, considerei muito positiva.
Minhas segundas escolas seriam a “Mostrar” e o Sistema Globo de Rádio. Com Tavinho, um editor bem mais liberal que o Márcio – mas também linha dura quando precisava -, aprendi muito como redator. Se o primeiro foi meu mestre na arte de reportar, o segundo foi na fase de redação. Sempre me corrigia e, consequentemente, ajudou-me a elaborar as matérias jornalísticas para os noticiários da Rádio, que iam ao ar de hora em hora, de 7 às 17 horas. Tavinho era um exímio redator.
Pois bem, minha saída do “A Notícia” decididamente não provocou nenhuma dificuldade em meu relacionamento com o ex-patrão. Assim que deixei o jornal, surgiu uma matéria policial de grande repercussão na região, precisamente no mês de novembro de 1985. Uma delegada de Polícia de São Domingos do Prata, Dra. Maria Marinho Gonçalves, havia prendido um grupo de jovens da cidade, acusados de uso e tráfico de drogas. A delegada era do tipo “durona”, e a sua atitude chegou a incomodar lideranças políticas da cidade, já que, segundo comentários, ela teria circulado com os detentos a pé, pela cidade, algemados, provocando constrangimento para eles e seus familiares. Acuada, ela chamou o Márcio Passos para fazer a reportagem. E ele, naturalmente, fez o convite para que eu o acompanhasse, mesmo estando numa mídia concorrente. Isso porque o jornal circularia semanalmente e a revista tinha periodicidade quinzenal, portanto, sairia a matéria primeiro no jornal. Pegamos então a estrada em seu carro e chegamos à DP do Prata.
A delegada fez um relatório imenso. Queria mesmo mostrar serviço e provar para os políticos que não havia cometido nenhuma atitude por abuso de poder. Apenas fez cumprir o seu papel de policial. Ficamos ali por mais de duas horas. Anotamos tudo e, ao final, eu perguntei a sua opinião em relação à atitude das lideranças políticas da cidade e também em relação à posição do Juiz da comarca. Porque talvez tivesse incomodado a “tradicional família pratiana”, que tentou intimidá-la. Coisas de cidade pequena e bem tradicional!. A delegada parou um pouco talvez para pensar, e disparou: – “O que vou lhe falar é em off. Esse povo daqui, essas lideranças, e também a Justiça do Prata, não têm dignidade. Consideram-se acima das lei”. Despedimo-nos da doutora e, trabalho cumprido, seguimos de volta a Monlevade. Na sexta-feira a matéria foi publicada no “A Notícia”.
Eu não poderia simplesmente jogar na “Mostrar” a mesma história. Teria de criar um fato novo para prender o leitor. Foi quando conversei com o diretor Tavinho e opinei sobre fazer uma reportagem completa sobre o problema das drogas na região, colocando como ponto de partida a história ocorrida em São Domingos do Prata. Duas páginas de reportagem, com o título: “Prata: Delegada no combate ao uso de tóxicos”, e destaque na fala da Dra. Maria Marinho Gonçalves: “Não se pode prender um figurão da família tradicional nesta cidade. A Justiça em São Domingos do Prata não tem dignidade. Aqui, ela só existe para os pobres”… Foi o estopim da bomba. Propositadamente, não respeitei o chamado do “In Off”, e fui certo ponto irresponsável – preocupando-se apenas em “vender meu peixe”. A matéria publicada na revista fez estourar a venda nas bancas. E a fala da delegada provocou sua transferência para outra cidade, meramente por questões políticas. Ainda na reportagem foram publicados depoimentos do Juiz da Comarca de João Monlevade Dr. Hélcio Valentim; do comandante da PM em Monlevade Capitão Macedo; dos delegados da 27ª DRSP, Jairo Léllis e Jorge Varme; do advogado Onofre Francisco e do jornalista Elmo Lima, sobre o problema das drogas. Um trabalho jornalísticos que teve sua compensação, mesmo não respeitando o “in off”, pois foi um alerta sobre um grave problema social e nos rendeu muitos elogios, o que faz bem para o ego de qualquer profissional.
*Do Livro A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte V
Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!