Na fotografia, carnaval de rua de 1993, quando o ex-vereador Ricarbene de Souza Pinto (E) atuava como assessor de Comunicação do prefeito Germin Loureiro, e entrevistava um dos diretores da Escola de Samba “Boca Branca”, “Ladinho Bexiga”, que havia vencido o desfile.
O ano seguia adiante. Porque assim tem de ser. Os espaços estão aí para serem preenchidos e as histórias para serem contadas. Bom resgatar o tempo passado para entendermos melhor o presente. E nessa minha busca pela memória, ao longo dos anos vividos no cotidiano da imprensa monlevadense, mesmo realizando muita pesquisa, passam despercebidas algumas coisas que poderiam ser relatadas, mas outras não têm como escapar, pois foram muito fortes e desafiadoras. Porque, em nossa profissão, muitas vezes somos obrigados a deparar com fatos extremos, onde temos até mesmo de ferir uma amizade para darmos a notícia da forma mais isenta possível.
Foi assim que me deparei com uma dessas reportagens que chegam à sua mão, de graça, e com uma força que pode mudar a história política de um lugar e sepultar para sempre uma pessoa pública. Um desafio. Era um sábado à noite, 18 de dezembro. Véspera de Natal. O telefone fixo de minha casa toca e vou até a sala atendê-lo (ainda não havia chegado a era do celular). Voz de uma mulher que não se identifica. Fala apressada e em tom de revolta: – “Marcelo, estou te ligando para contar a história de um ex-vereador. – “É, o Ricarbene. Ele foi preso hoje no BH Shopping, por ter usado um cheque que roubou do Dr. Lúcio, para fazer compras. Ele que é o protegido do prefeito e que não gosta do PT. Investiga e coloca isto no jornal”… (Pausa) Fiquei assustado com a notícia que tinha acabado de receber. Seria verdade ou não? E ao mesmo tempo a sensação de que conhecia aquela voz. Era de uma antiga vizinha dos meus tempos de adolescente, quando morava na Vila Tanque. E que, por uma dessas coincidências, era novamente minha vizinha, agora no Bairro Lucília. E foi minha professora do curso primário na Escola Estadual Eugênia Scharlé. Corri até meu quarto, de onde dava para ver a casa onde mora a senhora da qual desconfiava ser, e cheguei a ver a luz de um dos cômodos se apagando. Não tive dúvidas de que a voz era dessa velha conhecida e grande amiga da família, tanto ela quanto seu marido e filhos. Mas não importava mais e guardo este segredo até hoje, ou seja, nunca dei o nome dessa informante e guardo em segredo. Era uma brasa que iria provocar muitas queimaduras. E qualquer repórter a gostaria de ter recebido a notícia em primeira mão.
Na manhã de domingo, tomei conhecimento de que haveria uma reunião na casa do presidente da Câmara, Wilson Starling Júnior, com aliados políticos ligados ao prefeito Germin Loureiro . Afinal, Ricarbene era o seu assessor de Comunicação, e aquele fato poderia causar muito desgaste à administração . Cheguei de surpresa, mas concordaram em deixar que eu participasse do encontro. Havia sido eu o primeiro a receber a denúncia e tinha detalhes do caso . Dali fui para casa e discuti com Marilene, minha esposa, sobre o fato . Eu tinha de cumprir meu papel como profissional. Por outro lado, havia a nossa amizade. Isso em razão de o médico ser pediatra do Ícaro, nosso primogênito, e tínhamos boa relação. No entanto, não havia como fugir daquela situação e fiz prevalecer o meu lado razão. E cumprir o papel de um bom profissional, ouvindo os dois lados da história. Ocorreu, todavia, um episódio curioso. Depois de ter ficado preso por quase seis horas na Seccional Sul de Belo Horizonte, no sábado, ele foi liberado e no final da manhã de domingo j á estava em João Monlevade, onde ainda almoçou com a família no Restaurante Sucupira, como se nada tivesse ocorrido . E na noite de domingo, precisamente 24 horas depois da ligação “anônima” que havia recebido denunciando o ocorrido, o próprio Ricarbene entrou em contato tefefônico comigo, para falar do assunto. Tranquilo ao telefone, ele discorreu por quase meia hora, dando detalhes e, obviamente, desmentindo o ocorrido que, segundo ele, não passou de um mal entendido. E marcamos uma entrevista exclusiva para terça-feira, dia 21, no “Plantão/Cultura”. Com certeza, bateria todos os recordes de audiência.
Na segunda-feira, ao chegar à redação do “A Notícia”, não havia outro assunto e as opiniões eram diversas. Havia diferença de opiniões. Eu e Chico Franco aguardávamos um sinal verde do Márcio, que trabalhava em Itabira, na assessoria do prefeito Li Guerra. Isto porque ele e Ricarbene eram muito amigos e até sócios numa produtora de vídeo, a RPM. Ainda pela manhã, uma ligação telefônica: – “ Podem fazer a matéria sem qualquer problema. Infelizmente, são os ossos do ofício e apenas peço para que ouçam todos os lados”, determinou o diretor do jornal, do outro lado da linha. Era a determinação que recebíamos. À tarde, ao ir para a emissora, entrei em contato telefônico com a loja do Foto Elias e conversei com os dois vendedores que atenderam Dr. Ricarbene, no sábado, o Josué e o Carlos, quando confirmaram a denúncia. Segundo eles, Ricarbene Pinto teria comprado uma máquina fotográfica, um flach, um vídeo-game e um rádio-relógio, totalizando Cr$ 340 mil (trezentos e quarenta mil cruzeiros), usando dois cheques, ambos pertencentes ao médico e ex-prefeito de João Monlevade, Lúcio Flávio de Souza Mesquita. Ainda de acordo com as informações, o talonário teria sido roubado no mês de novembro, da Climec, onde os dois médicos trabalhavam. Durante a conversa que obtive com eles, afirmaram ainda que no momento da compra conseguiram o contato por telefone com Dr. Lúcio, que se assustou ao tomar conhecimento do fato e confirmou que o cheque havia sido roubado. Isso poderia, sim, ter ocorrido, porque os talonários da extinta instituição financeira do Banco Real, onde eram clientes, entregavam os talonários pelos Correios, diretamente na Clínica Médica, o que possibilitaria que uma outra pessoa pudesse ter acesso ao documento alheio. E eu gravei toda a nossa conversa no estúdio 2 da emissora, para ter provas em mãos.
A Entrevista “Bombástica”!
Na terça-feira, grande expectativa à espera da entrevista do Dr. Ricarbene Pinto médico ex-vereador e assessor de Comunicação do governo do prefeito Germin Loureiro. Ele chegou ao estúdio acompanhado de sua esposa, Nina, que estava ao seu lado durante as compras no BH Shopping. Ela parecia meio constrangida em ficar ali, quando a gerente Leiza a convidou para ouvir a entrevista de sua sala, o que aceitou prontamente. Ficamos então somente eu e Ricarbene, frente a frente e, comandando a mesa, o operador Jair Lesse. Foi um grande furo de reportagem e pela primeira vez a população teria acesso às informações, e a audiência do programa nesta tarde foi às alturas! Bastante tranquilo e dizendo-se feliz devido à solidariedade recebida, o assessor voltou a afirmar que tudo não havia passava de um mal entendido. Na ocasião, durante entrevista que durou mais de uma hora, Dr. Ricarbene contou uma versão totalmente diferente daquela apresentada pelos vendedores do Foto Elias, afirmando que “tudo não passou de confusão e talvez para que os vendedores pudessem sair do prejuízo, já que haviam recebido os cheques roubados do Dr. Lúcio de outra pessoa”. Ele afirmou que foi à DP por pressão e foi acusado de um crime que jamais teria cometido. Fiz vários questionamentos e disse que havia conversado com os vendedores, que teriam relato o fato, acusando-o do crime. E ele continuou negando. Ao fim da entrevista e saímos conversando. Dali fomos eu, Ivan Passos e Chico Franco até sua sala, na Prefeitura, já que os dois também queriam ouvi-lo. Na manhã seguinte chegamos à redação e fiz a matéria, cujo título foi “Acusação contra Ricarbene movimenta opinião pública”.
“Bio” o exonera do cargo!
Na sexta-feira, 24 de dezembro, véspera de Natal, o jornal se esgotou nas bancas de toda a cidade. Houve, na época, gente que apostasse que não sairia uma nota publicada no “A Notícia”, justamente pelo fato de Márcio Passos ser muito amigo e sócio do acusado. Aposta perdida, porque saiu uma chamada de capa e uma matéria interna ocupando mais de meia página. O caso ganhou as ruas e, no geral, grande parte da população, inclusive colegas médicos, acreditava na culpabilidade do Dr. Ricarbene de Souza Pinto. Naquela oportunidade, o presidente da Associação Médica de João Monlevade, Franklin Rivera Ghudor, revelou que a situação era muito complicada e não merecia opinião. Por sua vez, sentindo-se acuado, o prefeito Germin Loureiro, “Bio”, não teve como sustentar a cadeira do assessor de Comunicação, pedindo sua exoneração do cargo. Poucos meses depois, o médico e ex-vereador muda-se de João Monlevade, com a esposa e os filhos, e nunca mais nos encontramos. Apenas uma vez, ao longo desses longos anos, ele entrou em contato telefônico comigo, apenas para uma conversa informal, quando trabalhava em uma Prefeitura no norte do Estado. Desejei-lhe boa sorte, afinal, tinha uma gratidão com ele e o ocorrido não apagaria o bom relacionamento que tivemos e sempre foi um bom amigo e excelente profissional. O caso foi arquivado na história. Pela última notícia que tive, hoje, ele havia voltado a residir em um antigo apartamento de sua família, no famoso Edifício Maleta, em Belo Horizonte. Mas depois nunca mais tivemos contato.
No entanto, a mudança no setor de Comunicação da Prefeitura acabou por ser um complicador para mim. Isto porque, para o lugar do médico, Bio convidou seu ex-assessor, Francisco Franco Sobrinho, o Chico, que assim deixou o jornal “A Notícia” para assumir o novamente o cargo na Prefeitura.
O ano se fecha com séria denúncia contra o deputado João Paulo!
Antes de fechar o ano, outro fato movimentou os bastidores. Uma matéria publicada no jornal “O Globo” denunciava uma ação do deputado João Paulo Pires de Vasconcelos, PT, por desvio de verbas. Havia uma denúncia de que uma verba que deveria ser direcionado ao município acabou desviada para o Sindicato dos Metalúrgicos . E o “A Notícia” publicou a nota deixando irritado o ex-sindicalista, que nunca aceitou críticas.. Na mesma edição em que saiu a matéria sobre o “Caso Ricarbene”, foi manchete a denúncia contra o parlamentar que, na sexta-feira anterior, durante o programa matutino pela Rádio Cultura, apresentado por Carlos Moreira, ameaçara entrar na Justiça contra o semanário. Aliás, João Paulo sempre teve a mania de acusar e depois negar o que havia dito e defender-se, acusando o jornalista, como já havia feito comigo em outra ocasião, conforme caso aqui relatado. Mas acabava o 1993 e a vida seguia para mais um ano de jornada!
*Do Livro “A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte XLIII
Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!