Caso Ricarbene e o grande furo de Reportagem!

O  ano  seguia  adiante.  Porque  assim  tem  de  ser.  Os  espaços  estão aí  para  serem  preenchidos  e  as  histórias  para  serem  contadas. Bom  resgatar  o  tempo  passado  para  entendermos  melhor  o presente.  E nessa  minha  busca  pela  memória,  ao  longo  dos  anos vividos  no  cotidiano  da  imprensa  monlevadense,  mesmo realizando  muita  pesquisa,  passam  despercebidas  algumas coisas  que  poderiam  ser  relatadas,  mas  outras  não  têm  como escapar,  pois  foram  muito  fortes  e  desafiadoras. Porque,  em nossa  profissão,  muitas  vezes  somos  obrigados  a  deparar  com fatos  extremos,  onde  temos  até  mesmo  de  ferir uma amizade para  darmos  a  notícia  da  forma  mais  isenta  possível.

Foi  assim  que  me  deparei  com  uma  dessas  reportagens  que chegam  à  sua  mão,  de  graça,  e  com  uma  força  que  pode  mudar  a história  política  de  um  lugar  e  sepultar  para  sempre  uma  pessoa pública.  Um  desafio.  Era  um  sábado  à  noite,  18  de  dezembro. Véspera  de  Natal. O  telefone  fixo de  minha  casa  toca  e  vou  até  a  sala atendê-lo (ainda não havia chegado a era do celular).  Voz  de  uma  mulher  que  não  se identifica.  Fala apressada  e  em  tom  de  revolta:  –  “Marcelo,  estou  te  ligando  para contar  a  história  de  um  ex-vereador.  – “É,  o  Ricarbene.  Ele  foi  preso hoje  no  BH  Shopping,  por  ter  usado  um  cheque  que  roubou  do Dr.  Lúcio,  para  fazer  compras.  Ele  que  é  o  protegido  do  prefeito e  que  não  gosta  do  PT.  Investiga  e  coloca  isto  no  jornal”… (Pausa)  Fiquei  assustado  com  a  notícia  que  tinha  acabado  de receber. Seria  verdade  ou  não?  E  ao  mesmo  tempo  a  sensação  de que conhecia  aquela  voz.  Era  de  uma  antiga  vizinha  dos  meus tempos  de  adolescente,  quando  morava  na  Vila  Tanque.  E  que, por  uma  dessas  coincidências,  era  novamente  minha  vizinha, agora  no  Bairro  Lucília. E foi minha professora do curso primário na Escola Estadual Eugênia Scharlé.  Corri  até  meu  quarto,  de  onde  dava  para ver  a  casa  onde mora  a  senhora  da  qual  desconfiava  ser, e  cheguei  a ver  a  luz  de  um dos  cômodos  se  apagando.  Não  tive  dúvidas  de que  a  voz  era  dessa velha conhecida e grande amiga da família, tanto ela quanto seu marido e filhos. Mas  não  importava  mais  e  guardo  este segredo  até  hoje,  ou seja,  nunca dei o nome dessa informante e guardo em segredo. Era  uma brasa  que  iria  provocar  muitas  queimaduras.  E qualquer  repórter a gostaria  de  ter  recebido a notícia em  primeira  mão.

Na  manhã  de  domingo, tomei  conhecimento  de  que  haveria  uma reunião  na  casa  do  presidente  da  Câmara,  Wilson  Starling Júnior, com  aliados políticos ligados ao prefeito Germin  Loureiro . Afinal, Ricarbene era o seu assessor de Comunicação, e aquele fato poderia causar muito desgaste à administração . Cheguei de surpresa, mas concordaram em deixar que eu participasse do encontro. Havia sido eu o primeiro a receber a denúncia e tinha detalhes do caso . Dali fui para casa e discuti com Marilene, minha esposa, sobre o fato . Eu tinha  de  cumprir  meu  papel como profissional.  Por  outro  lado,  havia  a  nossa  amizade.  Isso  em razão  de  o  médico  ser  pediatra  do  Ícaro, nosso primogênito,  e  tínhamos  boa  relação. No  entanto,  não  havia  como  fugir  daquela  situação  e  fiz prevalecer  o  meu  lado  razão.  E cumprir o papel de um bom profissional, ouvindo  os  dois lados da história.  Ocorreu,  todavia, um  episódio  curioso.  Depois de ter ficado preso por quase seis horas na Seccional Sul de Belo Horizonte, no sábado, ele foi liberado e no final da manhã de domingo j á estava em João Monlevade, onde ainda almoçou com a família no Restaurante Sucupira, como se nada tivesse ocorrido . E na noite de domingo, precisamente 24 horas depois da ligação “anônima” que havia recebido denunciando  o  ocorrido,  o  próprio  Ricarbene  entrou em contato tefefônico comigo, para falar do assunto. Tranquilo ao telefone, ele discorreu por quase meia hora, dando detalhes  e,  obviamente, desmentindo  o  ocorrido  que,  segundo  ele,  não  passou  de  um  mal entendido.  E  marcamos  uma  entrevista  exclusiva  para  terça-feira, dia 21, no “Plantão/Cultura”. Com certeza, bateria todos os  recordes  de  audiência.

Na  segunda-feira,  ao  chegar  à  redação  do  “A Notícia”,  não  havia outro  assunto  e  as  opiniões  eram  diversas.  Havia diferença de opiniões.  Eu  e  Chico  Franco  aguardávamos  um  sinal  verde do  Márcio,  que trabalhava em Itabira, na assessoria do prefeito Li Guerra. Isto porque  ele  e  Ricarbene  eram  muito  amigos  e  até sócios  numa  produtora  de  vídeo,  a  RPM.  Ainda  pela  manhã,  uma  ligação  telefônica:  – “ Podem  fazer  a  matéria  sem  qualquer problema.  Infelizmente,  são  os  ossos  do ofício  e  apenas  peço para  que  ouçam  todos  os  lados”, determinou o diretor do jornal, do outro lado da linha.  Era  a  determinação  que recebíamos.  À tarde,  ao  ir  para  a  emissora,  entrei  em  contato telefônico com  a loja  do  Foto  Elias  e  conversei  com  os  dois  vendedores  que  atenderam  Dr.  Ricarbene,  no  sábado,  o  Josué  e  o  Carlos, quando confirmaram a denúncia.  Segundo  eles,  Ricarbene Pinto  teria comprado  uma máquina  fotográfica,  um  flach,  um  vídeo-game  e  um  rádio-relógio,  totalizando  Cr$  340  mil  (trezentos  e  quarenta  mil cruzeiros),  usando  dois  cheques,  ambos pertencentes  ao  médico  e  ex-prefeito de João Monlevade, Lúcio Flávio de Souza Mesquita. Ainda  de  acordo  com  as informações, o  talonário  teria  sido  roubado no  mês  de  novembro,  da  Climec,  onde  os  dois  médicos trabalhavam.  Durante  a  conversa  que  obtive  com  eles, afirmaram  ainda  que  no  momento  da  compra  conseguiram o contato  por  telefone  com  Dr.  Lúcio,  que  se  assustou  ao  tomar conhecimento  do  fato  e  confirmou  que  o  cheque  havia  sido roubado.  Isso  poderia,  sim,  ter  ocorrido,  porque  os talonários  da extinta  instituição  financeira  do  Banco  Real,  onde eram clientes,  entregavam os talonários  pelos  Correios,  diretamente  na Clínica Médica,  o  que  possibilitaria  que  uma  outra  pessoa  pudesse  ter acesso  ao  documento  alheio.  E  eu  gravei  toda  a  nossa conversa  no estúdio  2  da  emissora,  para  ter  provas  em  mãos.

A Entrevista “Bombástica”!

Na  terça-feira,  grande  expectativa  à espera da  entrevista  do  Dr. Ricarbene Pinto médico ex-vereador e assessor de Comunicação  do  governo  do  prefeito  Germin Loureiro.  Ele  chegou  ao estúdio acompanhado  de  sua  esposa,  Nina,  que  estava ao seu lado durante  as compras  no  BH  Shopping.  Ela  parecia  meio constrangida  em  ficar  ali,  quando  a  gerente  Leiza  a  convidou para  ouvir  a  entrevista  de  sua  sala,  o  que  aceitou  prontamente. Ficamos  então  somente  eu  e  Ricarbene,  frente  a  frente  e, comandando  a  mesa,  o  operador  Jair  Lesse.  Foi  um  grande  furo de  reportagem  e  pela  primeira  vez  a população  teria  acesso  às informações, e a audiência do programa nesta tarde foi às alturas!  Bastante  tranquilo  e  dizendo-se  feliz  devido  à solidariedade  recebida,  o  assessor  voltou  a  afirmar  que  tudo  não havia passava  de  um  mal  entendido.  Na  ocasião,  durante  entrevista que  durou  mais  de  uma  hora,  Dr.  Ricarbene  contou  uma  versão totalmente  diferente  daquela  apresentada  pelos  vendedores  do Foto Elias,  afirmando  que  “tudo  não  passou  de  confusão  e talvez  para  que  os  vendedores  pudessem  sair  do  prejuízo,  já  que haviam  recebido  os  cheques  roubados  do  Dr.  Lúcio  de  outra pessoa”.  Ele  afirmou  que  foi  à  DP por  pressão  e  foi  acusado  de um  crime  que  jamais  teria  cometido.  Fiz vários questionamentos e disse que havia conversado com os vendedores, que teriam relato o fato, acusando-o do crime. E ele continuou negando. Ao fim da  entrevista  e  saímos conversando.  Dali fomos  eu,  Ivan  Passos  e  Chico  Franco  até  sua sala,  na  Prefeitura,  já  que  os  dois  também  queriam  ouvi-lo.  Na manhã  seguinte  chegamos  à  redação  e  fiz  a  matéria,  cujo  título foi  “Acusação  contra  Ricarbene movimenta  opinião  pública”.

“Bio” o exonera do cargo!

Na  sexta-feira,  24  de  dezembro,  véspera  de  Natal,  o  jornal  se esgotou  nas  bancas  de  toda  a  cidade.  Houve,  na  época,  gente  que apostasse  que  não  sairia  uma  nota  publicada  no  “A Notícia”, justamente  pelo fato  de  Márcio  Passos  ser  muito  amigo e sócio do acusado.  Aposta  perdida,  porque  saiu  uma  chamada  de  capa  e uma  matéria  interna  ocupando  mais  de  meia  página.  O  caso ganhou  as  ruas  e,  no  geral,  grande  parte  da  população,  inclusive colegas  médicos,  acreditava  na  culpabilidade  do  Dr.  Ricarbene de Souza Pinto.  Naquela  oportunidade,  o presidente  da  Associação Médica  de  João  Monlevade,  Franklin  Rivera  Ghudor,  revelou que  a  situação  era  muito  complicada  e  não  merecia  opinião.  Por sua  vez,  sentindo-se  acuado,  o  prefeito  Germin  Loureiro, “Bio”,  não teve  como  sustentar  a  cadeira  do  assessor  de Comunicação, pedindo  sua  exoneração  do  cargo.  Poucos  meses  depois,  o médico  e  ex-vereador  muda-se  de  João  Monlevade,  com  a esposa  e  os  filhos,  e  nunca  mais  nos encontramos.  Apenas  uma  vez,  ao  longo desses  longos  anos,  ele  entrou  em  contato  telefônico  comigo, apenas  para  uma  conversa  informal, quando  trabalhava  em  uma  Prefeitura  no  norte  do  Estado.  Desejei-lhe  boa  sorte, afinal, tinha uma gratidão com ele e o ocorrido não apagaria o bom  relacionamento que tivemos e sempre foi um bom amigo e excelente profissional.  O caso  foi  arquivado  na  história.  Pela  última  notícia  que  tive,  hoje, ele havia voltado  a  residir  em  um  antigo  apartamento  de  sua  família,  no famoso  Edifício  Maleta,  em  Belo  Horizonte. Mas depois nunca mais tivemos contato.

No  entanto,  a  mudança  no  setor  de  Comunicação  da  Prefeitura acabou  por  ser  um  complicador  para  mim.  Isto  porque,  para  o lugar  do  médico,  Bio  convidou  seu  ex-assessor,  Francisco Franco  Sobrinho,  o  Chico,  que  assim  deixou  o  jornal  “A Notícia”  para  assumir  o  novamente o cargo na Prefeitura.

O ano se fecha com séria denúncia contra o deputado João Paulo!

Antes  de  fechar  o  ano,  outro  fato  movimentou  os  bastidores. Uma  matéria  publicada  no  jornal  “O  Globo”  denunciava  uma ação  do  deputado  João  Paulo  Pires  de  Vasconcelos,  PT,  por  desvio  de  verbas.  Havia uma denúncia de que  uma verba  que  deveria ser  direcionado  ao   município  acabou  desviada  para  o Sindicato dos Metalúrgicos . E o “A Notícia” publicou a nota deixando irritado o ex-sindicalista, que nunca aceitou críticas.. Na mesma edição em que saiu a matéria sobre o “Caso Ricarbene”, foi manchete a denúncia contra o parlamentar que, na sexta-feira anterior, durante o programa matutino pela Rádio  Cultura, apresentado  por  Carlos  Moreira,  ameaçara entrar na Justiça contra o semanário. Aliás, João Paulo sempre teve a mania de acusar e depois negar o que havia dito e defender-se, acusando o jornalista, como já havia feito comigo em outra ocasião, conforme  caso  aqui  relatado.  Mas acabava  o  1993  e  a  vida  seguia  para  mais  um  ano  de jornada!

*Do Livro “A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte XLIII

Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!

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