Na fotografia acima, Ramos (à direita), cumprimenta o companheiro Leonardo Diniz quando o mesmo tomava posse como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. A grande amizade dos tempos passados havia chegado ao fim quando Ramos nos concedeu esta entrevista
As mortes de Bio e Lelé realmente marcaram muito e falo isto até de forma pessoal, principalmente quanto ao caso do músico. Outras surpresas surgiriam, boas ou más, ninguém poderia definir. Mas pela nossa profissão, sempre imprevisível, poderia plantar um fato novo, até mesmo para alterar a monotonia do tempo. E assim o fiz: procurei o ex-dirigente sindical e polêmico Antônio Ramos, para uma entrevista. Ele estava residindo em Belo Horizonte desde que deixou a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, de onde saiu magoado. Minha intenção era ouvi-lo e quem sabe ele soltasse alguma “bomba”, como se diz na gíria, um furo de reportagem ou algo que provocasse um grande auê!. E assim marcamos aquele encontro, que se deu oito anos depois de Ramos deixar sua história sindical em Monlevade.
Era uma sexta-feira, 6 de novembro de 1998, quando ele me recebeu no apartamento em que morava, no Bairro Padre Eustáquio, na capital. Estava bem mais magro e era possível sentir sua revolta com o seu passado de luta sindical, talvez pela ingratidão que havia sofrido dos companheiros. Foram duas horas de bate papo, iniciada em seu apartamento e terminado em um boteco, de frente para o Campus da Universidade Católica, no Bairro Coração Eucarístico. Entre um copo e outro de Conhaque, ele ia relembrando aqueles episódios de oito anos atrás e comentando a situação atual . Demonstrava ressentimento contra o colega Leonardo Diniz (sem explicar os motivos), e ainda apontou conduta duvidosa do ex-secretário do Sindicato dos Metalúrgicos e que, naquele ano de 98, atuava como secretário geral da CUT/Regional , Carlos Magno. Ainda teceu duras críticas à Central Sindical que, segundo ele, teria setransformado em uma coisa horrorosa, e ao Partido dos Trabalhadores. E foi mais além, ao garantir que jamais repetiria novamente a frase que “todo patrão é safado”, dita dez anos antes, conforme publicamos aqui. Sobre a imprensa local, com quem teve alguns desafetos, disse que “hoje a imprensa monlevadense caminha com os pés no chão”. Ainda confessou que, particularmente, quando presidente do Sindicato, foi contrário à implantação da Cooperativa dos Empregados da Belgo-Mineira, que posteriormente decretou falência, conforme citado anteriormente. Estava atendendo uma exigência da categoria. Cojforme imaginava, a entrevista agitou os bastidores da política monlevadense tão logo foi publicada, na edição de nº 763, de 13 a 19 de novembro daquele ano, no jornal “A Notícia”.
Uma das pessoas citadas na entrevista, Carlos Magno, chegou a me procurar em minha sala na Câmara Municipal, tão logo o jornal saiu nas bancas. Disse que pretendia processar Ramos, mas depois parece ter desistido.
Assim fiz a chamada da entrevista, uma das melhores em minha carreira profissional, em lead assim publicado abaixo, em sua primeira parte:
“No início de março de 1990, João Monlevade vivia sua maior efervescência político-sindical sob o comando absoluto do Partido dos Trabalhadores (PT). João Paulo Pires disputava sua indicação como candidato petista ao governo de Minas; Leonardo Diniz era o prefeito do município e o Sindicato dos Metalúrgicos tinha como presidente Antônio Ramos, o último líder sindical da era de ouro do sindicalismo local com poder de mobilização. Naquele mês, as coisas começaram a se complicar: João Paulo perdeu a indicação para Virgílio Guimarães, Leonardo iniciou a pior fase de seu governo e os metalúrgicos assistiam a um definitivo racha da diretoria da entidade;, primeiro passo para encerrar o bom tempo do ‘Acampamento dos Anjos’. Antônio Ramos deixou a presidência naquele ano. Desgastado, abandonou o movimento sindical, o emprego e a cidade”…
Alguns Flaschs da entrevista:
A Notícia: Ramos, vamos primeiramente relembrar um pouco daquele sindicalismo das décadas de 1970/80, quando o Sindicato dos Metalúrgicos de João Monlevade era considerado um dos mais fortes do país. Época de José Alencar, José Vilar, João Paulo, Leonardo Diniz, Bastieri, você e outros.
Ramos: Na época, foi a efervescência do movimento sindical no Brasil. O ABC paulista, com Lula, despontou e também o nosso Sindicato se destacou. Os sindicatos dos metalúrgicos, de um modo geral, tornaram-se fortes, e Monlevade teve uma luta pesada. Na época, o diretor da Belgo-Mineira, professor Fenelon, considerou o nosso Sindicato como um movimento público independente. E fomos vanguarda mesmo. Foi uma época muito boa.
A Notícia: Houve avanços e conquistas. Mas o que tem a falar sobre a greve de 1983, que se deu por causa de alimentação e que culminou com a demissão de 90 operários. Fale um pouco sobre aquela greve. Foi um movimento irresponsável e político?
Ramos: Não. Eu não diria que teria sido uma greve política, de forma alguma. Era um movimento atendendo aos anseios da categoria. Durante a assembleia, os trabalhadores optaram pela greve e a diretoria teve de acatar. Eram os operários que davam a palavra final.
A Notícia: E falando em greves, realmente algumas assembleias eram manipuladas, havia um discurso para cada situação?
Ramos: Não. Inclusive houve muita divergência de operários contra as colocações da diretoria do Sindicato. É um exemplo para ver que não havia direcionamento. Nada era dirigido ou manipulado. Era o operário quem decidia. O Sindicato não ditava ordens.
A Notícia: Falando em greve, vamos relembrar o movimento de julho de 1986, quando houve ocupação da Usina. Como foram aqueles 23 dias de paralisação?
Ramos: Eu tive sequelas pesadas durantes aqueles 23 dias. Eu desci a passarela do Zebrão chorando. O pessoal não conseguia mais ficar lá dentro. Foram 23 dias de sufoco. A pressão era muito grande porparte da Belgo-Mineira. Naquela greve, a nossa intenção era colocar todo mundo para dentro da Usina: as mulheres e os filhos, mas não foi possível.
A Notícia: Naqueles dias deve ter havido muitas reuniões visando obter alguma estratégia. Na época, alguém pensou em colocar fogo na Usina ou coisa do tipo?
Ramos: De forma alguma. Esse é um problema sério. Não existe trabalho sem capital e nós não poderíamos quebrar a Usina, porque vivíamos de seus salários. Você não pode matar a galinha dos ovos de ouro. Não estou aqui chamando a Belgo-Mineira de galinha dos ovos de ouro, apenas comparando. Mas não havia essa intenção. O clima era realmente quente e havia colegas desesperados. Choravam constantemente e a gente, da diretoria, tinha de levar uma palavra amiga a eles. Aqueles que não suportavam mais, deixavam a Usina. Houve muita pressão, até mesmo pelas emissoras de rádio. Contudo, foi uma causa justa.
A Notícia: Você citou aí as rádios. Havia também muita divergência em relação ao Sindicato e os órgãos de imprensa da cidade, principalmente com o jornal A Notícia. Como você conviveu com isso?
Ramos: Realmente havia um relacionamento muito difícil entre o Sindicato e o A Notícia. Era um pega danado. Mas hoje estou muito satisfeito em ver que vocês estão em “lua de me”l com o PT e o Sindicato. E assim também está o Sindicato. Houve um amadurecimento de ambas as partes. Tanto que eu e o Márcio Passos também tivemos problemas e eu cheguei a agredi-lo verbalmente. O que disse naquela época, não repetiria jamais. O Márcio também amadureceu. Como assinante do jornal A Notícia, tenho acompanhado tudo. Leio também outros jornais da cidade e vejo que a imprensa monlevadenses hoje caminha com os próprios pés.
A Notícia: Por que você antecipou sua saída do Sindicato?
Ramos: Eu não aguentava mais. Tinha uma depressão profunda e nem conseguia dormir. O movimento sindical era muito pesado naquela época. Houve a criação do PT, da CUT e da escola sindical. Foi uma somatória de trabalhos pesados.
A Notícia: Você acredita que o Sindicato está fadado a um final triste?
Ramos: Realmente. Exemplo é que a CUT virou uma coisa horrorosa. E a escola sindical, que também ajudamos a fundar, é hoje uma coisa tenebrosa. É o pior patrão que já enfrentei em minha vida. Para se ter uma ideia, a diretoria hoje da escola, que era minha companheira, militante do Senalba, transformou-se num patrão tenebroso. Não dá para conviver, porque eles pregam uma coisa e fazem outra. São falsos, mentirosos e incoerentes. E assim a frustração que a gente tem é muito grande. Eu deixei a escola sindical porque não quis ser conivente com o que vi lá dentro. É o pior patrão que já enfrentei em minha vida.
A Notíci:; E o PT? Você, como filiado, o que acha doPartido dos Trabalhadores?
Ramos: O P Testá perdido e deixou de ser referência. Hoje não é mais a oposição que era antes. O partido envelheceu prematuramente. É uma tristeza ver isso. Em João Monlevade, por exemplo, lutamos para criar o PT. Mas, deixa pra lá…
“Ping-Pong”!
Durante um “Ping-Pong” que fiz ao final da entrevista, Antônio Ramos lembrou que o então chefe do DRI, José Arthur Pena, foi o pior negociador por parte da Belgo-Mineira, durante os acordos salariais, e o melhor o Sílvio Rabelo. Disse desprezar o ex-colega dos tempos do Sindicato, José Pesce, e e que sempre tiraria o chapéu para os saudosos José Alencar Rocha, Antônio Ézio, Newton Veloso e Vicente Caiana, e para a professora Terezinha Mariano. Ao final, afirmou ainda ter sido traído por amigos e que saiu doente de João Monlevade, mas sem guardar mágoa. E mandou um recado: – “João Monlevade precisa tornar-se uma República Independente”.
*Do Livro “A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte LI
Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!