Revista “O Cruzeiro”! David Nasser escreve sobre Louis Ensch

Entenda um pouco sobre o início da história da Belgo-Mineira, desde que se instalou no Brasil, primeiramente na cidade de Sabará, e mais tarde em João Monlevade, através de um artigo publicado na Revista “O Cruzeiro” – a mais famosa e de grande credibilidade entre os brasileiros, entre as décadas de 50 e 60 -, em outubro de 1953, pelo editor da revista, o jornalista David Nasser. Ele escreveu a história do saudoso presidente da Belgo-Mineira, Dr. Louis J. Ensch, desde sua chegada ao Brasil, em 1934, até a sua morte, ocorrida em agosto daquele ano, e ainda sobre a grande descoberta científica do engenheiro luxemburguês, cuja matéria foi intitulada “Morreu O Rei do Ferro do Brasil – O segredo que Ensch não levou para o túmulo”.  Segue abaixo a matéria na íntegra, com foto da época:

  “O engenheiro luxemburguês que transformou a pequena usina de Sabará numa verdadeira universidade siderúrgica e construiu em Monlevade a maior siderurgia a carvão vegetal de todo o mundo, preconizou, meses antes de sua morte, o fabrico de aço sem necessidade de coque ou carvão vegetal, reduzindo-se o minério com hidrogênio – Ele mesmo acrescentava: “esta solução, de certo modo revolucionário, não pode interessar aos países que lideram o programa de siderurgia…” – A vida do engenheiro Ensch, o homem que amou o Brasil, resume-se no milagre da ação.

  Vamos contar-lhes a história de um brasileiro que nasceu no Grão-Ducado de Luxemburgo. Poucos homens que viveram no Brasil souberam amar e servir esta terra com tanto devotamento, tanta coragem e tanta inteligência como Louis J. Ensch, um cavalheiro enorme de largos gestos e palavra franca, chegado a estas bandas há mais de vinte anos e que deixou ficar por aqui, enamorado de Minas Gerais e do seu povo hospitaleiro e bom.

  A missão do engenheiro Louis Ensch, ao desembarcar no Brasil, era triste. O consórcio belgo-luxemburguês, que dirigia a usina de Sabará, o primeiro grupo industrial estrangeiro que vinha colaborar com os nacionais para estabelecer as bases da indústria siderúrgica no Brasil, mostrava-se desesperançoso e pessimista em face dos resultados adversos das experiências realizadas. A usina siderúrgica mineira lutava com grandes dificuldades, pois o mercado consumidor era apenas uma promessa, apesar da produção anual de Sabará não ultrapassar as seis mil toneladas. Os estoques acumulavam-se nos galpões, por falta de compradores, enquanto a usina muitas vezes paralisava o seu único alto-forno e o seu laminador durante seis meses seguidos.

  O capital já apresentava indícios de sangrias mais ou menos graves e a ordem que Louis Ensch havia recebido, na Europa, deve ter sido mais ou menos esta; – “Liquide essa experiência”.

  O jovem luxemburguês chegou a Belo Horizonte e sentiu um sopro de renovação agitando a velha província brasileira. Percebeu que as dificuldades eram momentâneas e podiam ser contornadas e vencidas. E por sua própria conta mandou dizer aos seus superiores que o Brasil era um país cheio de possibilidades. Sabará não devia ser suprimida. Sabará necessitava de um aumento na sua capacidade produtora, para que servisse de marco inicial da moderna indústria do aço no Brasil.

  Poucos meses foram necessários para Louis Ensch demonstrar que a sua fé não era infundada. A usina foi inteiramente reorganizada, outro alto-forno foi construído, mais dois fornos de aço, e a produção subiu para 30.000 toneladas. E o mercado nacional, que não tinha capacidade para absorver as 6.000 toneladas anuais, devorou, rapidamente, as 30.000, que a energia de Louis J. Ensch arrancara da velha Sabará.

  O trabalho do engenheiro luxemburguês, em terra brasileira, estava concluído com êxito e ele podia regressar; mas aperfeiçoara-se de tal maneira no Brasil, que idealizou um segundo e maior empreendimento, justificando a sua demora em Minas Gerais. Projetou e executou a universidade siderúrgica, que é Monlevade, a maior siderurgia a carvão vegetal de todo o mundo. Quando Louis Ensch plantou a nova usina, no mesmo local em que João Monlevade há cerca de um século, montara um pequeno forno catalão de ferro, talvez não soubesse que estava integrando, definitivamente, o Estado de Minas Gerais no futuro siderúrgico do Brasil. Muitos anos depois, o Coronel Macedo Soares diria que, sem Monlevade, não teria sido possível Volta Redonda.

  Os mineiros choraram na rua a morte de Louis J. Ensch, em Luxemburgo, onde fora adquirir maquinaria para ampliação da siderurgia de Monlevade. A imprensa em peso diria, depois, que o que havia de melhor, de mais humano e de mais criador na personalidade de Louis Ensch, ele o pusera a serviço do Brasil. Durante 25 anos, todos os atos, todas as horas, todos os pensamentos de Ensch voltaram-se para um só objetivo: a nossa emancipação econômica. Assim foi quando ele converteu (ao invés de liquidar) a pequena usina de Sabará – uma experiência de um grupo de mineiros de boa vontade – no grande parque industrial da Belgo-Mineira. Por esse motivo, Louis J. Ensch transforma-se na realidade, em fundador da siderurgia no Brasil.

  Havia um segredo que Ensch guardava. Sabia que um processo revolucionário, inteiramente novo, poderia colocar o Brasil na vanguarda da siderurgia mundial, no cartel do aço. Sabia que o aço poderia ser produzido não mais com o coque, não mais com o carvão vegetal, mas simplesmente com a água, com o hidrogênio. Porém, Ensch sabia, também, que esse processo tornaria absoleta toda maquinaria existente nos Estados Unidos e na Europa, e que uma luta surda, uma guerra fria seria travada para impedir a aplicação do novo método. As suas únicas palavras, portanto, a esse respeito, foram estas, apenas estas: – ´Com o progresso da ciência e da técnica, outros métodos poderão ainda vir a ser empregados, porque, nesse campo industrial, não vemos razão para a exclusividade absoluta de um sistema. Com a total supressão dos demais. Permitimo-nos, por isso, apontar à consideração dos que se interessam realmente pelo progresso de nossa siderurgia, um problema que reputamos da mais alta responsabilidade. Aos estudiosos da metalurgia do ferro não pode ter passado despercebido a feliz solução que seria a redução dos minérios pelo uso do hidrogênio. O problema está na cogitação dos técnicos, mas ainda não atingiu sequer a etapa semi-industrial. Cumpre, todavia, considerar que esta solução, de certo modo revolucionária, não pode interessar aos países que lideram o progresso da siderurgia no mundo, pois justamente eles é que possuem imensas reservas de bom carvão mineral e já têm empatados vultuosos capitais em suas usinas. Assim, conclamamos aos colegas a se congregarem num movimento junto aos institutos técnicos de pesquisas, às escolas e às grandes organizações industriais, no sentido de se dedicarem com afinco à solução do problema. De nossa parte podemos afiançar que a Belgo-Mineira está disposta a lançar capital, técnico e todo o seu entusiasmo na consecução deste objetivo, sem qualquer interesse individualista, porém, sinceramente devotada ao progresso constante do Brasil.

  Este foi o segredo que Louis J. Ensch não levou para o túmulo. Seu grande amor ao Brasil (os luxemburgueses são tremendamente sentimentais e afeiçoam-se inteiramente à terra onde constroem o seu  lar. Ensch casou-se no Brasil com D. Maria Campos Coutinho Ensch e adorava a vida e os costumes tradicionais de Minas) o seu devotamento a esta terra era tanto que pediu, reiteradas vezes, que o seu corpo descansasse nas montanhas de Minas Gerais, cujo ferro ele arrancou das reservas de milênios, para transformar em base da revolução econômica que no governo de Juscelino Kubitschek atinge a fase máxima na província central do Brasil. Ensch elegeu Minas Gerais para abrigo dos seus despojos, talvez porque desejasse que a lembrança da sua energia e da sua fé no futuro siderúrgico desta terra estivesse presente.

  Resta saber se a sua palavra reveladora sobre a produção do aço com a ajuda do hidrogênio, alternativa magnífica parta este país no campo industrial, será ouvida ou se morrerá com ele nas montanhas de ferro de Minas Gerais”.

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