Acima, o Altar-Mor da Matriz São José Operário
Os monlevadenses que nasceram nos anos cinquenta (ou antes) certamente se lembram do antigo visual do altar-mor da Matriz de São José Operário: imediatamente acima do altar, erguia-se um belo e bem trabalhado nicho com a imagem do padroeiro da Paróquia, de onde um São José severo, carrancudo, atarracado e de cara fechada (Deus que me perdoe! ) nos olhava de cenhos franzidos, como disposto a espinafrar qualquer menino que quisesse fazer travessura na igreja. Não que eu fosse daqueles meninos endiabrados… Até que eu era muito bem comportado ( pergunte a Dona Luzia do Cartório que, antes de ser do Cartório, era Diretora do meu Grupo Escolar Central ), mas que aquele São José afastava qualquer mau pensamento na hora da missa, isso afastava…
Mas não é do São José que eu quero falar: arranjaram um lugarzinho para ele atrás da igreja e de lá ele não assusta nem amola a ninguém. Na verdade eu queria dizer é que, com a reforma litúrgica empreendida pelo Concílio Vaticano II, a missa passou a ser versus populum, isto é, de frente para o povo (antes o padre celebrava de costas para os fiéis ), e foi preciso reformar o altar-mor, com espaço atrás dele para o celebrante se movimentar. Foi aí que o Cônego Higino se superou: mandou esculpir uma linda imagem para o padroeiro, que fica em um pedestal lateral, e instalou, como pedia a nova liturgia, em lugar nobre, no alto e acima do altar, aquele belo Cristo Crucificado.
Eram os anos sessenta. Num julho qualquer, o Cônego Higino estava mostrando a mim, jovem seminarista em férias na terra natal, o novo altar-mor recém-inaugurado, e lembro-me de ter elogiado a beleza das novas imagens, sobretudo a do Crucificado, que, no meu entender, rivalizava em beleza com tantas outras que vira em igrejas coloniais de Ouro Preto e Mariana. Foi nessa ocasião que, respondendo a minha curiosidade, explicou-me a origem daquele Crucificado: fora encomendado a famoso escultor do Rio de Janeiro, de acordo com modelos recortados de revistas de arte da Europa.
No meio da conversa, de supetão, talvez para testar meu senso de observação ou meus conhecimentos bíblicos, o Cônego me confidenciou: “Dadinho, há um erro bíblico na confecção dessa imagem. Vamos ver se você descobre”. Por mais que eu observasse, não encontrava defeito algum e a imagem continuava para mim mais bonita e perfeita que nunca. Vendo que eu não atinava com a coisa, o Cônego explicou:
– “Observe o rosto do Cristo: trata-se de um Cristo vivo, o rosto sofredor de um ser que experimenta as intensas dores da agonia. No entanto, o corpo de Cristo apresenta, aberta, a chaga no peito. Aí a contradição. O Evangelista narra que, no sábado, pela manhã, os soldados (…), vendo que Jesus estava morto, abriram-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água. ( João, 19, 33-34 )” E confessou:
– “Foi minha a culpa. Quando encomendei a imagem, mandei as fotos de dois modelos: eu queria um Cristo com um rosto bastante expressivo, conforme um modelo francês, que anexei, de um Cristo vivo. O corpo do Crucificado seria o de um Cristo italiano, um porte bastante atlético, que representava um Cristo já morto na cruz e, portanto, com o peito lancetado.” E completou com encantadora humildade:
– “Só que não expliquei para o escultor, e ele não poderia mesmo adivinhar, não é?”
*Este artigo foi escrito pelo professor Geraldo Eustáquio Ferreira, “Dadinho”, e publicado na edição de nº 34 do jornal “Morro do Geo”, de junho/2002.