TRAGÉDIA NA PRAÇA DO CINEMA! – * Eustáquio Carvalho

Praça do Cinema: palco de uma tragédia

Era um sábado, 24 de dezembro de 1964. Naquela época aos sábados havia três sessões no Cine Monlevade, e a primeira era às 16:00 horas. Naquele dia, véspera de Natal, estava eu de frente à entrada do cinema encostado em uma das monumentais colunas que ali existiam. Estava apenas olhando as pessoas entrarem, vez que por injusto motivo de indisciplina eu estava suspenso, ou seja, proibido de entrar no cinema por prazo indeterminado. Isto naquela época era comum, haja vista que bastava o pessoal que trabalhava no cinema cismar que alguém estivesse perturbando a ordem lá dentro que a suspensão era inevitável. O que interessa agora, no entanto, não é o meu “castigo”, mas sim o que me resta na memória sobre o mais trágico acontecimento ocorrido na saudosa Praça do Cinema.


Naquele dia, por volta de 15:30 horas, a costumeira tranquilidade que reinava na Praça do Cinema foi quebrada pelo som de vários estampidos de arma de fogo. Imediatamente, e irresponsavelmente, diga-se de passagem, corri para o local de onde vinha o barulho, que era exatamente de um “banheiro público” que ficava por baixo de onde localizava o bar do Clube União Operário. Chamava-se banheiro, mas, na verdade, não tinha banheiro, tinha apenas três privadas e alguns mijatórios. Era só para homens.

Ao descer os degraus que dava acesso ao local o que vi foram pessoas ensanguentadas caídas e outras que saiam correndo e gritando. Foi o que fiz também, voltei correndo. Dentre as pessoas que de lá saiam estava um amigo meu, o Lucinho, que tremendo e suando me contou o que acabara de acontecer. Segundo Lucinho e outros que estavam no local, um cidadão que era conhecido como “Paraíba”, que trabalhava na Belgo Mineira e era uma pessoa que dificilmente conversava com alguém. Era o que chamávamos de sistemático. Mas era o jeito dele, era sua característica. Segundo relato das pessoas que presenciaram o trágico acontecimento, o Paraíba entrou no banheiro e ficou ali, em pé e parado por um bom tempo. Em seguida, sem mais nem menos, sacou de um revolver e disparou p’ra todo lado, atingindo cinco pessoas, sendo que três ficaram feridas e duas morreram. Uma das vítimas que morreu era meu amigo de infância, chamava-se João e morava na mesma rua que eu, na Aimorés. Sobre o meu amigo João, há uma coisa de que não me esqueço; dava 17:30 horas ele parava o que estivesse fazendo e colava o ouvido no rádio para ouvir a novela “Jerônimo, o herói do sertão”, que era transmitida pela Radio Nacional. Lembro-me que na novela o Jerônimo era interpretado pelo ator Milton Rangel.

Voltando à tragédia, após disparar os cinco tiros, o sexto Paraíba disparou contra si mesmo. Na própria cabeça. Vindo também a falecer. Logo que fiquei sabendo do que havia acontecido voltei para continuar a olhar as pessoas entrarem para o cinema. Quando lá cheguei o Senhor Macedo, que estava na portaria recebendo os ingressos, me perguntou sobre o ocorrido, e, logo que acabei de contar ele me pediu para ficar no lugar dele recebendo os ingressos e foi para o local da tragédia. E foi assim que de suspenso do cinema passei a ser porteiro, ainda que temporário. Muito solícito, o Senhor Macedo tratou logo de prestar ajuda. Ele e mais algumas pessoas colocaram os feridos e os mortos na carroceria de uma camioneta que apareceu na praça e que os levou para o Hospital Margarida. Após prestar socorro às vítimas o Senhor Macedo voltou e pediu para que eu ali continuasse até que ele fosse lavar as mãos que estavam sujas de sangue.

Quando o Senhor Macedo voltou, “humildemente” me dirigi para a mesma coluna em que estava antes. Foi então que ele me chamou e disse; “Olha aqui meu jovem, a partir de hoje você pode voltar a entrar no cinema, mas, pelo amor de Deus, não vai p´ra aquele lado esquerdo mais não”. Isto porque no cinema havia três fileiras de cadeiras, no meio, do lado esquerdo e do lado direito, sendo que no lado esquerdo a barra era pesada. Ali só ficava a patota que gostava de aprontar, e como aprontavam. Quando estava ali recebendo os ingressos, já prevendo que quando Senhor Macedo voltasse algo de bom iria acontecer, “inadvertidamente”, eu colocava um ingresso no local próprio, que era um caixote, e três no bolso. Deu para levantar um trinta ingressos.

Ao receber a autorização do Sr. Macedo, quase me entreguei, eis já ia enfiando a mão no bolso para tirar um dos ingressos que havia inadvertidamente colocado no bolso. Mas, felizmente, tive a presença de espírito de me dirigir à bilheteria, onde trabalhava o Sr. Honório, e comprar um ingresso. Só que ao entrar, intuitivamente, já ia me dirigindo para o lado esquerdo, quando o Senhor Macedo foi logo me lembrando: – “Ei, desse lado não, do outro lado”. Nesse dia tive que ir para o lado direito, mas não gostei, estava tão desacostumado de ficar daquele lado que parecia que o cinema estava torto. Era horrível, sem falar que daquele lado o público era muito comportado. Era só gente da alta. Por isso não teve jeito, em pouco tempo voltei para o lado preferido, sem deixar o Senhor Macedo perceber, o que era uma tarefa difícil, pois, invariavelmente, antes do início das sessões o Sr Macedo dava duas voltas pelas fileiras para certificar de que estava tudo normal, e, só então autorizava o início da sessão, por isso, até que ele se esquecesse de mim eu tinha ficar atento para ele não me ver, o que durou muito tempo.

*Eustáquio Carvalho, mais conhecido como “Taquinho Advogado”, faleceu há alguns anos, mas foi um grande colaborador do jornal “Morro do Geo”, e escreveu este artigo relatando a tragédia ocorrida no banheiro público da Praça do Cinema, e foi publicado na edição de nº 161, de maio/2012.

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