Ele veio à cidade para visitar sua mãe e nunca mais foi embora
Na fotografia acima, durante a entrevista que fizemos com o Sr. Eduardo Dias, no Bar e Restaurante “Rampa´s”, seu point preferido, ao lado do amigo e também saudoso Lourival, e do famoso “Pelé do Rampa´s”, que nesta época administrava o estabelecimento
A cada edição do jornal “Morro do Geo’, desde sua 1ª edição, publicada em fevereiro de 2001, havia um entrevistado, e em agosto daquele ano o nosso convidado foi o hoje saudoso Sr. Eduardo Henrique Dias, nascido nas bandas de Pedro Leopoldo em 15 de julho de 1929. Nossa prosa foi bem informal e foi realizada em um dos seus locais preferidos, no Bar e Restaurante “Rampa´s”, praticamente em frente à sua casa, ali à Rua Siderúrgica, e obviamente com uma cerveja nos acompanhando.
Conforme disse durante nossa conversa, ele aportou em João Monlevade por acaso. Veio num passeio, visitar a mãe, que encontrava-se doente, no dia 10 de outubro de 1943, e nunca mais deixou a cidade. “Meus pais e meus irmãos já moravam aqui, na Pedreira. Eu tinha 14 anos e estudava em Belo Horizonte e, como minha mãe estava muito doente, vim visita-la. Ficaria aqui no máximo dois dias, mas ela pediu-me para não ir embora. Aí fiquei e estou até hoje”, contou emocionado.
Seu pai era um comerciante, Josué Henrique Dias, e que mais tarde tornou-se o 1º vice-prefeito de João Monlevade, nas eleições de 1965, após a emancipação. Contou Sr. Eduardo que ele não era político, mas gozava de muito carisma e amizade, quando então recebeu o convite de Wilson Alvarenga para ser vice em sua chapa. Acabou assumindo depois como prefeito de João Monlevade, já que Wilson Alvarenga elegeu-se deputado estadual. Por sua vez, Seu Eduardo, apesar de discreto, sempre gostou de política e sempre foi muito atuante na comunidade, e também jamais deixou de assumir sua postura de ser muito franca, doesse a quem doesse.
A entrada na Usina e o 1º contato com Dr. Louis Ensch
Tão logo chegou a Monlevade, aos 15 anos ingressou na Belgo-Mineira. Era uma época em que havia aproximadamente 5 mil empregados na Usina. “A Belgo precisava de mãod e obra e era fácil entrar lá. Comecei no setor de tijolo e pegávamos um pesado danado. Havia o termo ‘enrabar’, que significava transportar os tijolos nas costas e, quem começavam tinha de fazer sem reclamar”, relembrou. De tempo em tempo, ele foi subindo de cargo, até aposentar-se, em 1976, como escriturário de expedição.
Mas, durante seus 32 anos de trabalho na Usina ocorreram muitos fatos interessantes, disse. E relatou um deles: “Olha, naquele tempos a gente era uma grande família. Lembro-me muito bem do meu chefe, o Vítor Briegel, na expedição. Do Mascarenhas, chefe do escritório. Tudo era motivo de festa”. Mas teve um dia que o Sr. Eduardo tremeu, e ao mesmo tempo, cresceu com o aprendizado, lembra ele, valendo ali a sua franqueza. Era uma época de muita chuva e todo o transporte era feito pela estrada de ferro. Como havia enchentes em várias partes, o serviço estava parado. Disse ele que “eu era um menino ainda, pode-se dizer, e no nosso setor todos estavam literalmente de braços cruzados. Sei que encontrava-me assentado lendo uma revista de Gibi, quando de repente olho pra trás, e vejo um homenzarrão atrás de mim, me reparando. Tomei um baita susto, sem saber quem era, quando ele então me repreendeu por estar ali. Não era mais ninguém do que o Dr. Louis Ensch em pessoa. Ele chamou repetitivamente a minha atenção e eu ali, de cabeça baixa, ouvindo tudo. Depois afastou-se deixando o local e, quando aproximou-se da porta, não me contive e gritei: – senhor, eu não estou parado porque quero. É que não está havendo serviço e expliquei a ele toda a situação. Fui franco mesmo. Ele ouviu atentamente, virou as costas e saiu. Pensei, vou ser demitido. Mas não. Acho que fiz o certo, pois se não falasse estaria pagando um preço pelo que não tinha culpa. Mas o Dr. Louis Ensch sempre foi uma pessoa muito justa”.
Sua história de vida no Centro Industrial
Sr. Eduardo Dias é um típico boêmio, destes que não larga seu copinho de cerveja por nada! Mas sempre também foi muito família e um paizão e fala com saudade de sua eterna companheira, Dona Leide Costa, que depois passou a assinar Dias. Natural de Santa Bárbara, conheceram-se durante uma Missa. “Desde a primeira vez que vi a Leide, disse a mim mesmo que ria me casar com ela. E foi assim. No casamos em 1953, 10 anos depois que cheguei aqui. Vicemos muito felizes (ela havia falecido anos antes de nosso entrevista) e a vantagem que ela sempre me compreendeu. Às vezes saia comigo para os bares. Era uma grande companheira, e tivemos oito filhos maravilhosos”, contou de forma emocionante.
Mas, uma paixão o senhor Eduardo sempre teve: da parte antiga João Monlevade, o chamado Centro Industrial, e ele costumava brincar ao dizer que “só saio daqui para o Baú”. Já havia morado no Bairro Vila Tanque, exatamente à Rua 21, famosa Rua “do Sapo”, depois mudou-se para a Rua Beira-Rio, Tapajós, Tieté e no ano da nossa prosa residia à Rua Siderúrgica, entre o seu point, o “Rampa´s” e o viaduto, exatamente onde começava o famoso e saudoso morro do Geo, onde ele conheceu todos os causos de cor e soteado!
Sobre o “Rampa´s”, toda as histórias, desde os tempos do Sr. Zezinho, e depois o filho Daniel, o mesmo que não tirava o suspensório nem para dormir (rs). A compra feita pelo saudoso Laudelino Fonseca e pelo Antônio Cota, no ano de 1972; suas mesas e cadeiras e a bonita tela da Lagoa da Aguapé pintada a 4 mãos (lê-se Gerhart Michalick e Márcio Diniz) na parede dos fundos do Restaurante. E foi também com saudade que ele se lembrava dos tempos que todo os domingos era uma festa, e elata: “Primeiro, as matinês, que eram as hortas-dançantes que a gente frequentava no Ideal Clube. Depois o cinema e à tarde os jogos no campo do Jacuí”. Aliás, Sr. Eduardo chegou a jogar futebol, primeiro pelo Atletic da Vila Tanque, e depois pelo Aliados de Carneirinhos, como meia-esquerda, e lembrou de alguns amigos que jogaram com ele e já se foram, como o ex-prefeito Bio, José Pires, José Oliveira Guimarães, entre outros. Também sempre foi atuante na comunidade, sendo um dos fundadores da Credibel – Cooperativa dos Empregados da Belgo-Mineira. “Tenho muita saudade daquela Monlevade antiga, quando havia mais vida, com clubes, cinema e futebol”, afirmou.
Na fotografia abaixo, ao lado do saudoso Gigante e outros dois amigos, quando jogava pela equipe do Atletic. Ele é o 3º da esquerda para a direita
E sua a ideia fixa de nunc a sair daquele pedacinho é mais que comprovada. Recentemente, uma de suas filhas e o genro compraram uma casa em Carneirinhos e insistiram para que ele fosse. Mas nem discutiu. Agradeceu e preferiu permanecer ali, no pé do morro do Geo, sozinho. “A gente se acostuma com o barulho, a poeira e com as pessoas daqui de baixo”, poetizou.
Um Atleticano Apaixonado
E um detalhe: Sr. Eduardo Dias era um grande e apaixonado Atleticano, destes de raiz! E há um fato que tenho de relatar, e eu fui testemunho ocular. Era a final da Taça Libertadores da América de 2009, entre o Cruzeiro e o Estudiantes da Argentina, no Mineirão. Exatamente no dia do aniversário de Seu Eduardo, no dia 15 de julho, e, poucas horas antes da partida, estávamos eu, ele e o saudoso professor Fernando tomando uma cerveja no “Bar do Cláudio”, ali na Tieté, em frente à Igreja São José Operário. Nisso aproxima-se da nossa mesa um daqueles cruzeirenses chatos, o “Chiquinho” Piedade, e diz: – “Fui ali na Gruta rezar um pouco. Afinal o meu Cruzeiro hoje tem de ganhar esta Libertadores. Vai ser moleza”. E o sábio Seu Eduardo retruca, sorrindo: – “Hoje é meu aniversário, e Deus não vai deixar eu ter esta tristeza”! E logo depois cada um seguiu seu caminho, e o resultado: o Estudiantes ganhou de virada, de 2 a 1, em pleno Mineirão. E eu só pensava na felicidade que devia estar o Seu Eduardo, no dia que ele completava 80 anos de idade!
Esta foi um pouco da história relatada pelo Sr. Eduardo Dias, que sempre viveu em família e em comunidade. Casou-se de novo após ficar viúvo, mas não deu certo, como ele bem frisou. Curtiu sempre seus filhos, seus netos e bisnetos enquanto esteve entre nós, e sempre foi um conselheiro, tanto que muitas pessoas daquela região, quando tinham um problema, o procuravam para uma conversa e ouvir um conselho. E era ali mesmo, na mesa do “Rampa´s”, que a prosa acontecia, e saiam aliviados após a boa conversa com aquele velho sábio! Sr. Eduardo Henrique Dias faleceu em 16 de agosto de 2014, logo depois de completar 85 anos e, por estas ironias do destino, teve de deixar seu lugar sagrado de onde nunca queria ter saído, o Centro Industrial, e residia no Bairro Areia Preta, com uma das filhas e o genro, porque enfrentava problemas de saúde e não tinha mais como morar sozinho. E sempre foi muito bem cuidado e amado pelos filhos. Mas, para seu consolo, quando deixou o pé do morro do Geo, também o seu point, o Bar e Restaurante “Rampa´s”, de tantos amigos e de tantas histórias, já tinha deixado de existir.
*Esta entrevista foi publicada na edição de nº 12 do jornal “Morro do Geo”, de agosto/2001!