Trabalho elaborado pelo jornalista Marcelo Manuel de Melo. Final de Curso de Jornalismo TCC Dezembro/2005 – IES/Funcec – João Monlevade – MG
Entrevistamos quatro pessoas que trabalharam na emissora e relataram fatos pitorescos que ocorreram nos estúdios ou nas transmissões externas. Participaram da entrevista Alim Machado, Geraldo Marques, Maurício Reis e Vicente de Paula Nunes, que ocuparam, respectivamente, os cargos de locutor, narrador esportivo, comentarista esportivo e operador de mesa, entre os anos 1960/70, na emissora, à exceção de Vicente de Paula, que trabalhou por mais de 30 anos na Rádio Cultura, deixando a emissora somente no ano de 1993. E também Maurício Reis retornou nos tempos mais modernos da emissora, quando a Rádio Cultura voltou a fazer transmissões esportivas, a partir do final da década de 1990.
A memória é, pois, imprescindível na medida em que esclarece sobre o vínculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico que os acompanha. Sem isso, a população não tem condições de compreender a história de sua cidade, impossibilitando o não reconhecimento como sujeito histórico.
Geraldo Marques, popular “Sabará
Nesta fotografia o repórter de campo Sabará faz a cobertura após uma partida entre Metalúrgico e Belgo-Minas, realizada em 1962, em que o time do Metalúrgico venceu por 3 tentos a 1 e recebeu o Troféu Dr. Henry Mayer. Ao lado, falando ao microfone da Cultura, o presidente da Liga, Sr. Mauro
O primeiro relato foi feito por Geraldo Marques, popular “Sabará” (cujo apelido foi herdado de um grande jogador que atuava pelo Vasco da Gama), que ingressou na Rádio Cultura de João Monlevade em julho de 1961. Ele era operário da Usina da Belgo-Mineira, no setor denominado EMP (Mecânica e Elétrica). “Tudo começou na base de brincadeira. *Gigante (*Gigante era o apelido de Omar Antunes Rodrigues, falecido em 2002. Ele era um desportista nato e praticava várias modalidades esportivas nos clubes de João Monlevade, entre elas futebol de campo, basquete e futebol de salão. O apelido foi dado pelo seu porte físico), na época, era o homem do esporte em João Monlevade. Tudo sobre esporte ele sabia. Qualquer notícia sobre o assunto tinha de passar por ele. Assim, durante o horário de almoço, dentro da Usina, costumávamos brincar de imitar alguns grandes locutores esportivos do rádio. TV naquela época quase não existia em Monlevade”, lembrou Geraldo Marques. Geralmente, eles imitavam os locutores das rádios Tupi, Continental, Bandeirantes e Nacional, entre eles Valdir Amaral, Rui Porto e Braga Jr. Dessa brincadeira, a escalada para a Cultura ficou mais fácil.
Segundo Geraldo Marques, foi o próprio amigo Gigante (foto), falecido em 2002, quem o incentivou para que ele se candidatasse a uma vaga na emissora, que ainda não estava em operação.
Segundo Geraldo Marques, foi o próprio amigo Gigante quem o incentivou para que eu me candidatasse a uma vaga na emissora, que ainda não estava em operação. “Meses antes de a Rádio entrar no ar, a Belgo-Mineirabriu inscrições para pessoas interessadas em se candidatar a uma vaga na emissora. Meu nome já estava lá”, disse Sabará.
Continuando, o ex-narrador esportivo relatou a sua admissão na emissora. Segundo ele, “o Gigante tinha falado de mim com o *Altino Pimenta (Altino Pimenta era um pianista e maestro famoso. Natural do Pará, residia no Rio de Janeiro, mas trabalhava na TV Itacolomi e foi contratado pela Belgo-Mineira para ser o diretor artístico da Rádio Cultura, onde fez um excelente trabalho por cinco anos), diretor artístico da Cultura. Fui até à rádio conversar com o Pimenta e ele pediu para que eu imitasse algum locutor como se estivesse narrando um jogo de futebol. Imitei o Valdir Amaral. O Altino Pimenta gostou e achou que poderia dar certo. Depois disso ele me mandou para o estádio do Jacuí para acompanhar um treino. Ainda me lembro perfeitamente o primeiro jogo que fui narrar – naquela época era usado o telefone para fazer a transmissão –, Belgo Minas x Atlético Prateano. Mas, antes narrei um treino. Não foi ao vivo, só gravamos. Altino gostou da locução que fiz e ali dava início a minha carreira como narrador. Tive alguns problemas de dicção, pois trocava muito o L pelo R, mas o diretor percebeu e passei por algumas técnicas, o que me ajudou bastante”. Geraldo Marques foi também repórter de campo.
O Episódio envolvendo Garrincha: “o cabo acabou”
Outros locutores passaram pelos microfones da Cultura como narradores esportivos, entre eles Geraldo Arantes e Paulo César, mas o principal deles foi José Alencar da Rocha, falecido em um acidente automobilístico na BR-381, entre Belo Horizonte a João Monlevade, no final dos anos 1980. Era um narrador fantástico, relata Sabará, e que fez transmissões históricas, como em 1962, no estádio Independência, em Belo Horizonte, entre Atlético e Botafogo.
Aliás, neste jogo ocorreu um episódio fatídico, envolvendo o próprio Geraldo Marques, assim relatado por ele: “o Alencar transmitia e eu fazia o trabalho de repórter de campo. O Brasil acabara de ser campeão do Mundo no Chile e o craque Garrincha havia sido o grande nome da Seleção Brasileira naquela Copa, pois Pelé se contundiu. Entrevistei o Nilton Santos, o Djalma Santos e outros grandes nomes do Botafogo e da Seleção, quando o Alencar mandou eu entrevistar o homem, que era o Garrincha. Ele estava sendo muito assediado por toda a imprensa e eu fui caminhando pelo gramado do Independência tentando falar com o jogador, que estava do lado contrário das cabines de rádio. Foi quando parei e gritei para o José Alencar, no ar, que não ia dar para fazer a entrevista com o Garrincha porque ‘o cabo havia acabado’. Para Sabará, esta foi hilária. Afinal, falar no ar que o cabo (fio de transmissão) estava curto. Ficou sem a entrevista com o craque Garrincha.
O craque Garrincha (abaixo com o troféu de campeão mundial em 62, no Chile) ficou sem dar a tão sonhada entrevista para Sabará e os ouvintes da Rádio Cultura
Entre as histórias contadas por Sabará, que trabalhou na Rádio Cultura até 1965, ele se lembra da época em que a Belgo-Mineira, visando facilitar o trabalho dos profissionais, mandou construir uma cabine de rádio no estádio do Jacuí. “Parecia mais uma casinha de pomba, mas nos atendia muito bem. Melhor de que quando ficávamos ao sol”, disse o entrevistado, que também participou de várias transmissões esportivas durante o Campeonato Mineiro de Futebol, durante o ano de 1964, quando a equipe da Belgo-Mineira, o saudoso Siderúrgica, sagrou-se campeão mineiro. “Um dos homens fortes da Comunicação da empresa era o Dr. Geraldo Parreiras e a cidade de Sabará, naquele ano, completava 250 anos. Foi uma grande festa”, lembra Geraldo Marques.
“Para Deus nada é impossível”
Um outro episódio que marcou a carreira do entrevistado durante o período de quatro anos em que trabalhou na emissora de Monlevade ocorreu também no estádio do Jacuí, envolvendo o repórter Paulo César. “O Paulo César participava da equipe de esportes da Cultura, mas não entendia nada de futebol. Nesse jogo Monlevade enfrentou a forte equipe do Fluminense do Rio, que contava com Castilho, Telê Santana, Pinheiro e muitos outros craques. Monlevade perdeu por cinco a zero. Lembro-me que Pinheiro fez um gol quase do meio e campo no goleiro Miltinho. Quando terminou o jogo, após a estrondosa goleada, Paulo César foi entrevistar o Pinheiro e sem nenhum constrangimento fez a seguinte pergunta: – “você acha que na nossa seleção tem algum jogador que pode algum dia ser convocado para atuar na Seleção Brasileira”? Pinheiro olhou para ele, coçou a cabeça e respondeu, categoricamente: – “Para Deus nada é impossível”.
Aqui a equipe do Fluminense e da Seleção Monlevadense, neste jogo histórico realizado no Estádio do Jacuí, em que o repórter Paulo César é ironizado pelo jogador Pihero, do tricolor carioca.
E são histórias que ficaram registradas ao longo dos anos e que devem ser eternizadas neste trabalho monográfico para que o acesso seja possível pelos acadêmicos e pessoas de João Monlevade. Como frisou Sabará, a Rádio Cultura, tão logo começou a operar em Monlevade, mudou os costumes da população e principalmente no setor esportivo. “Naquela época havia torcedores somente dos times do Rio pela influência das emissoras cariocas. Poucas eram as pessoas que torciam para Atlético ou Cruzeiro. A partir das transmissões realizada por gente de Monlevade para uma emissora de rádio local, mudaram-se os costumes. Houve uma mudança muito grande. Eu gostava muito de trabalhar lá, e somente deixei a Rádio Cultura para me dedicar mais ao meu trabalho na Usina”, concluiu Geraldo Marques.
Vicente de Paula Nunes, popular “De Paula”
O repórter Vicente de Paula em entrevista ao então deputado Jorge Ferraz, para a Rádio Cultura.
“A Rádio Cultura, quando foi inaugurada, em 1961, mudou a vida da cidade. Nós tínhamos na praça do cinema duas cornetas. Às 11 horas tinha o programa Rádio Revista do Trabalhador, e colocávamos o som direto da rádio para a praça do Cinema e era uma coisa maravilhosa. Fazíamos isso com o esporte também com o programa Resenha Esportiva, que ia ao ar às seis e meia da tarde. Coisas que nos emocionam só de lembrar”. Assim começa o relato de Vicente de Paula, que por três décadas trabalhou na emissora de rádio.
O operador de Mesa Vicente de Paula entrou por acaso na Rádio Cultura, em dezembro de 1963. O técnico Edimir Néri, que trabalhava na Rádio Itatiaia, foi contratado para vir a Monlevade instalar a torre no alto da serra do Seara, quando começou a namorar exatamente a irmã de Vicente. “Naquela época ele me ensinou a operar a mesa da rádio, meio às escondidas, o que foi minha sorte grande. Afinal, dois anos depois me encontrava numa festa na Igreja Matriz São José Operário, quando recebi a notícia de que o Barcelos, responsável pela mesa, havia adoecido e não havia ninguém para realizar o seu trabalho. Fui então chamado e dei conta do recado. Alguns dias depois fui admitido pela emissora, pelo senhor Rubem Caldas, onde fiquei por 30 anos”, disse Vicente. Ele somente deixou a emissora em março de 1993, depois que o Sistema Globo de Rádio negociou sua venda com o deputado Mauri Torres.
Mas, além de operador, Vicente também foi repórter e produtor de um programa sertanejo, e lembra com saudade dos programas de auditório e dos nomes que fizeram parte dos primeiros anos da Rádio Cultura. Vicente cita Gracinha Paiva, Neide Martins, Alim Machado, Coronel Gavião e o próprio Sabará, que fazia o programa “Hora do Trabalhador”, que ia ao ar diariamente às 20 horas. Segundo Vicente de Paula, a Rádio Cultura conseguiu alterar a vida social dos monlevadenses e modificar os costumes, fazendo com que operários, chefes e gringos se socializassem durante os programas da emissora. “As classes sociais se misturavam com o glamour da Cultura. Havia um programa de auditório que era realizado às segundas-feiras no Cine Monlevade, com duração de até três horas, que lotava as dependências do cinema. Vinha gente de todos os pontos da cidade, a pé ou de ônibus. A rádio deu outra vida à cidade”, lembrava Vicente.
Um fato curioso relatado pelo ex-funcionário da emissora envolveu o então gerente Carlos Hamilton. Naquela época, disse Vicente de Paula, o chefe do DRI (Departamento de Relações Industriais) da Usina era o senhor Ademar Soares D´Oliveira. “Ele era uma espécie de Xerife na cidade. Afinal, a Belgo quem mandava em tudo e o senhor Ademar era de confiança da Companhia. Dessa forma, ele também dava as coordenadas na Rádio Cultura. Foi então que o nosso gerente, Carlos Hamilton, começou a atrasar o nosso pagamento pois estava mantendo um relacionamento com uma cantora da cidade. Foi quando o senhor Ademar me perguntou se o pagamento estava em dia e eu disse a verdade, ou seja, que não, e que somente estávamos recebendo vales. O Carlos Hamilton passou por maus momentos com o Xerife”, contou Vicente.
O Caso “Cruzeiro”
Todo profissional da imprensa que se preze já passou por algum problema com a Justiça. E com Vicente de Paula não foi diferente. No seu relato ele não poderia deixar de fora o caso envolvendo um ex-vereador do extinto partido da Arena (Aliança Renovadora Nacional), que apoiava o governo militar. A Câmara Municipal de João Monlevade estava se reunindo, em 1973, quando o então prefeito Lúcio Flávio de Souza Mesquita manteve um contato telefônico com um vereador de oposição, Océlio Aguilar Carneiro. Nesse instante, o tal vereador, conhecido pelo apelido de “Cruzeiro”, chamou o repórter Vicente de Paula e o orientou a pegar uma extensão da linha telefônica, em uma outra sala do Legislativo, e gravar a conversa entre o prefeito e o edil Océlio, pois daria um furo de reportagem. Durante o telefonema entre o chefe do Executivo e o vereador de oposição, houve uma acirrada discussão e o repórter havia conseguido realmente um grande furo. Serviço feito e de volta à redação da rádio para editar a matéria. No entanto, a história só estava começando.
Após deixar a redação da emissora e dirigir-se à sua casa, em Carneirinhos, Vicente de Paula foi surpreendido com a chegada de um veículo da Polícia, uma Rural, onde havia quatro policiais querendo levá-lo detido até a cadeia pública. Para sua sorte, ele conseguiu um contato com o senhor Ademar Soares D´Oliveira, que evitou a prisão do repórter. Após o episódio, uma descoberta: teria sido o próprio vereador “Cruzeiro” que o entregou ao prefeito Lúcio Flávio, denunciando a escuta telefônica.
O repórter Vicente de Paula foi salvo pelo Sr. Ademar Soares (foto abaixo), que era um homem forte da Belgo-Mineira na época e diretor da Rádio Cultura.
Maurício Reis, o “Prezado”
Nesta fotografia o grande e “Prezado” Maurício Reis entrevista o ex-craque do Atlético Mineiro, grêmio e Seleção Brasileira, Paulo isidoro.
Maurício Reis, popular “Prezado”, veio para João Monlevade trabalhar na Usina e jogar futebol. Chegou na cidade em julho de 1959 pelas mãos do Tenente Amaro Zacarias Gorgozinho, responsável pela Segurança na Belgo-Mineira. Naquela época a empresa tinha interesse em formar bons times de futebol em Monlevade e Gorgozinho atuava como olheiro. Maurício Reis, que havia atuado pela Seleção Mineira de futebol, foi uma das descobertas e veio de Muzambinho para Monlevade. Ponta-direita de grande qualidade, atuou pelo Clube Atlético Metalúrgico e pela Seleção de Monlevade. Mas, alguns meses depois de ter chegado à cidade, sofreu uma contusão séria durante uma partida e teve de abandonar os gramados por um longo período. “O Tenente então sugeriu que eu trabalhasse na Rádio Cultura, já que estava ligado à área de esportes”, disse Maurício. Dali começou sua carreira como comentarista esportivo.
Ele foi admitido na Rádio no início de 1964, ano da Revolução. “Comecei como repórter esportivo e comentarista. Éramos eu, o José de Alencar Rocha, Geraldo Arantes e o Marcílio Rabelo. Tivemos grandes transmissões. A Rádio Cultura tinha uma audiência incrível nessa época. Foi construída uma *casinha de Tarzan (*Casinha do Tarzan foi o apelido carinhoso dado à cabine de rádio construído no estádio do Jacuí para as transmissões esportivas), lá no Jacuí para as transmissões esportivas e todo o domingo o estádio encontrava-se sempre lotado. Também realizávamos transmissões em outras cidades. Fizemos diversos jogos no Mineirão e eu cheguei inclusive a narrar um jogo entre Atlético x Corinthians. O Alencar teve um problema na garganta no meio do caminho e ficou praticamente sem voz. Daí fui obrigado a narrar a partida. O Vicente Sanches, da Itatiaia, que foi o comentarista deste jogo. Boas lembranças”, comentou Maurício.
Saudoso José Alencar Rocha, grande parceiro de Maurício Reis e outros repórteres, durante as transmissões esportivas pela Rádio Cultura.
Sempre saudosista, “Prezado” lembra dos tempos do Jacuí, quando profissionais da imprensa e torcedores tinham de chegar ao estádio transportados pela carrocerias de caminhões. “Não tínhamos carros na época e nem a Belgo nos oferecia transporte. Era por amor mesmo”. Maurício Reis disse que havia também, de segunda a sexta-feira, o programa “Resenha Esportiva”, que ia ao ar no final da tarde, de seis e meia às sete da noite. O programa era apresentado por ele e José de Alencar e o prefixo do programa era a música “A Ponte do Rio Kwai”, grande sucesso do cinema. Também citou o dia da morte do presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, e que no lhe foi pedido pelo diretor artístico Altino Pimenta que fizesse uma mensagem, mas a palavra solidariedade não saia de jeito nenhum.
Alim Machado
Alim Machado, durante uma entrevista no Programa “Plantão Cultura”, comandado pelo jornalista Marcelo Melo, na Rádio Cultura, em 2005, junto ao também ex-radialista Geraldo Zenóbio, popular “Pindoba”, falando sobre a história da Rádio Cultura.
Outro entrevistado foi Alim Machado, o locutor que abriu os microfones da Rádio Cultura em 1º de maio de 1961. Alim disse que trabalhar em rádio é uma emoção única. “É como se fosse mesmo uma cachaça. A gente jamais se esquece”. Continuando, disse que o dia da inauguração da Rádio Cultura foi muito especial.” Ocorreu no mesmo dia em que foi inaugurado o Grupo Santana Inauguramos a emissora na parte da tarde e à noite realizou-se um grande show no ginásio do Grêmio Esportivo Monlevadense com as presenças de cantores famosos, entre eles Nelson Gonçalves, Elizete Cardoso, Clara Nunes, Elza Soares e outros”, lembra Alim, que foi aprovado como o primeiro locutor oficial da Rádio Cultura após um teste envolvendo muitos outros candidatos. Mas, no momento de entrar no ar pela primeira vez, um susto, conforme declarou: “A sensação foi muito grande. Uma tremedeira tremenda. Na hora que disseram que eu iria colocar a rádio no ar eu quase desabei”.
Alim Machado ficou na emissora por um período de um ano, já que em 1962 foi para Belo Horizonte cursar a Escola Técnica Federal (atual Cefet). Retornou em 1965 e atuou por mais um período na Cultura, mas também já trabalhava na Usina da Belgo-Mineira. Dessa forma, fez poucas locuções e tornou-se o coordenador da equipe de locutores, enquanto Gilson Brum assumia a direção técnica.
Sobre o idealizador da Rádio Cultura, Alim Machado lembrou do advogado Cid Rebello Horta. “Ele era responsável na época por todo o setor cultural e jornalístico da Belgo Mineira. Foi proposta sua de instalar uma emissora em Monlevade, já que ele trabalhava na Unidade de Sabará. Mas, uma tragédia o levou antecipadamente. Ele sofreu um acidente de automóvel e veio a falecer. Não me lembro se foi um pouco antes ou se foi no inicio da Rádio. O Cid Rebello era uma pessoa muito inteligente”, disse Alim Machado. Mas, ainda segundo ele, o que pode ter provocado a empresa em instalar uma emissora de rádio em João Monlevade pode ter sido os dois serviços de autofalantes que havia na cidade, naquela época. “Um funcionava na sede do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos e outro na Igreja Matriz São José Operário. Isso pode ter contribuído para que a Belgo iniciasse a sua política de montar uma rádio, até mesmo para sua comunicação”, afirmou.
Com relação às influências da época, ocorridas após a instalação da Rádio Cultura, Alim Machado disse que principalmente na área esportiva elas aconteceram. “Na época, somente tínhamos acesso às emissoras do Rio. As estações de Belo Horizonte não entravam em Monlevade. Então éramos muito voltados, em nível de rádio, para o Rio de Janeiro no futebol também. Torcíamos muito para Botafogo, Flamengo e Fluminense. Com a Cultura, houve uma mudança radical, já que a emissora transmitia partidas do Campeonato Mineiro e regional. Isso foi muito bom”, relatou.
No entanto, os programas de auditório foram a grande coqueluche da época. “No inicio da rádio, nos primeiros anos, ela tinha o que se chamava de cash artístico. Lá algumas pessoas participavam de shows. Havia um conjunto para acompanhar os cantores. No auditório eram realizados programas ao vivo especialmente à noite. Os programas eram coordenados pelo Altino Pimenta, que tinha como objetivo incrementar tal cultura, aquele tipo de arte em Monlevade. A Neide Roberto mesmo, uma grande cantora de João Monlevade, começou conosco e fazia parte daqueles grandes programas de auditório”. Alim disse ainda que a coisa era profissional, quando os artistas eram contratados e recebiam cachê.
Para ele, as transformações foram imensas, principalmente nos programas de auditório. “Havia uma empatia muito grande entre os locutores com as pessoas e a curiosidade delas em relação à rádio era enorme. Era novidade. Um negócio que pouca gente conhecia. Poucos eram os ouvintes que já tiveram algum contato com um estúdio de rádio. Sem exageros, éramos tratados como se fôssemos artistas Havia muito respeito por nós. Muito interessante o assédio das pessoas. A agilidade do rádio impressionava. Naquele tempo fazíamos coberturas de bailes, esportivas. Isso ficou marcado em nossas vidas nos primeiros anos da Rádio Cultura”, relatou Alim.
Roubaram o Relógio
Um episódio muito engraçado foi o caso do relógio “roubado”, ou desaparecido. E aconteceu com um locutor cujo nome não foi lembrado por Alim, mas que trabalhava na emissora de oito da noite até zero hora. “A rádio, no inicio, entrava no ar às três da tarde. Depois que passou a ir ao ar o dia inteiro. E eu entrei às 15 horas, quando me comunicaram que o relógio que ficava no estúdio havia estragado. Eu tinha o meu e usei. Quando o outro locutor chegou para me substituir, às 19 horas (começava a Hora do Brasil), esqueci de dizer a ele que o relógio não se encontrava no estúdio, e fui embora. Deu 20 horas, quando ele entrou no ar e foi anunciar as horas, cadê o relógio? E ai ele não viu o relógio. Não agüentou e soltou um puta que pariu no ar, e arrematou: – ‘Roubaram o relógio’!. Foi hilário”.
Dizem que o locutor que praticou tal “mico” foi o saudoso Guido Soares, irmão do “Pindoba”, e que também por anos na emissora.
Outros casos foram registrados e bem divertidos, como naquele envolvendo o repórter Luiz Nascimento, responsável em dar notícias sobre o futebol mineiro. E quem o anunciava era o Paulo Cezar. Segundo informou Alim, o Nascimento foi chamado e demorou a entrar no estúdio para o noticiário esportivo. Todo atrapalhado, deu entrada no ar com um caderno do jornal “Estado de Minas” nas mãos e foi anunciando: – “O Atlético joga amanhã, conforme mostra a foto acima”. Leu a notícia com a legenda que estava escrita no jornal impresso.
Outro caso foi do locutor que falou por várias horas com a estação fora do ar, conforme relatou Alim Machado: “esta foi ótima. Um funcionário que trabalhava na rádio era o responsável em enviar o sinal para o estúdio. Havia lá um pequeno transmissor para enviar ao transmissor mestre. Bastava fechar uma chavinha pequena que ficava no transmissor, na serra do Seara, para que a rádio entrasse no ar. O locutor, cumprindo seu horário, começou a programação, mas esqueceram de fechar a chave. Ele ficou por mais de três horas falando feito bobo e a chavinha aberta. Conseqüentemente, a rádio fora do ar. Somente notaram a falha com a chegada do diretor artístico Altino Pimenta, que comunicou o ocorrido ao diretor administrativo Rubem Fischer Caldas. Aí que foram dar conta do fora”.
Finalizando, o ex-locutor Alim Machado disse da importância do rádio como meio de comunicação de massa e principalmente da instalação da Rádio Cultura para Monlevade. Segundo ele, o início foi difícil, mas de fundamental importância para a cultura do povo monlevadense, cujas notícias chegavam aos estúdios da emissora através do serviço telegráfico. “Nem a chegada da TV conseguiu apagar esse brilho do rádio, justamente pela sua velocidade nas informações. E, após a chegada da rádio operando em freqüência modulada (FM), melhorou-se a qualidade do som Agora, chegamos à era do rádio digital. Sinceramente, o rádio continuará sendo o maior veículo de comunicação”, disse o entrevistado.