Fim da Greve que ficou para a história!

A greve  dos  metalúrgicos  ainda  era  uma  incógnita.  Sem perspectivas  de  chegar  ao  fim.  Logo  depois  que  a  entrevista  de Leonardo  e Ramos  foi  ao  ar  pela  Tiradentes,  a  greve  ganhou novo capítulo. Na manhã seguinte, estava eu na sala de Elmar, que  estava ausente.  O  telefone  toca  e  eu  atendo.  Do  outro lado  da  linha  uma  voz  em  tom  ríspido:  –  “Quero  falar  com  o gerente.  Respondi  que  ele  não  se  encontrava  naquele  momento e  me  apresentei  como  responsável  pela  área  de  jornalismo  da emissora.  –  “Então  estu falando com a pessoa certa. Quero  falar  é  com  você  mesmo”,  disse  em  tom arrogante.  Apresentou-se  como  editor  de  Jornalismo  da  Globo/Rio  e  começou  a  me  questionar  o  motivo  pelo  qual  estava concedendo  espaço  maior  ao  Sindicato,  em  relação  aos  noticiários  da greve.  Na  realidade,  a  direção  da  Belgo Mineira  havia reclamado  com  o  nosso  diretor  em  Belo  Horizonte,  João  Veras, de  que  a  empresa  não  estava  sendo  ouvida.  Tudo  motivado  pela entrevista  que  tinha  ido  ao  ar.  Rebati,  afirmando  que  todos  os boletins  que  eram  encaminhados  pela  empresa  iam  também  ao  ar. Ao  longo  da  conversa,  os  ânimos  se  amainaram  e  um  certo  grau de  empatia  pode  se  observar  de  nossas partes.  Era  apenas  o começo  do  começo.  Enquanto  a  cidade  sofria  com  os  efeitos  da paralisação  –  que  já  durava  mais  de  duas  semanas  -,  com esposas  e  filhos pequenos  nas  casas  à  espera  dos  maridos,  que continuavam  dentro  da  Usina,  as  vendas  no  comércio  caindo drasticamente  e  o  moral  de  todos  bastante  abalados,  a  imprensa  escrita  e  falada  se  tornava  a  guardiã  e  o  elo  entre  a  comunidade  e os  grevistas.  A nossa  responsabilidade  era  muito  maior  do  que poderíamos  imaginar.  Tínhamos  um  compromisso  enorme  com toda  a  população  e  teríamos  de  ser  o  mais  imparciais  e  éticos possíveis.

Na  manhã  seguinte,  chego  à  emissora  e  encontro  uma  ordem: deveria  ir  até  o  escritório  da  Usina  para  fazer  uma  entrevista com  o  gerente,  Alonso  Starling.  Lá  chegando,  encontrava-se  também assessor de Comunicação da Belgo-Mineira,  Álvaro  Saldanha  Machado.  Fomos  dali  até  o prédio  da  gerência  e,  para  minha  surpresa,  uma  folha  contendo as  perguntas  que  teria  de  fazer.  Não  estava  acostumado  com aquele tipo de entrevista,  ou  seja,  eu  não  ter  controle  sobre  o  meu  papel  de repórter.  Alonso  disse  que  poderia  ficar  à  vontade  para fazer  outras  perguntas.  E  para  fechar  aquele  cenário ,  me senti um pouco constrangido por haver uma mala preta na sala. Mas fiz meu papel, obviamente, e após  a  entrevista  disse  que  não  aceitaria  nenhuma  “ajuda”  por  fora.  – “Estou  fazendo  um  trabalho  normal  e  já  recebo  por isto,  como  funcionário  da  emissora  de  rádio”, afirmei.  Tentaram  insistir, mas  mantive  minha  posição,  que  naquele  momento  foi respeitada.  A entrevista  iria  ao  ar  na  tarde  do  mesmo  dia.  Toda  a situação  me  deixou  frustrado  como  profissional.  Afinal,  apenas representei  um  papel  de  repórter.  Não  foi  necessário  criar.  No  ar estava  um  jornalista/ator,  atônito,  com  vontade  de  largar  tudo. Chutar  o  pau  da  barraca,  literalmente.  Final  de  expediente  e volto  para  casa. Entre  um  copo  de  cerveja  e  outro,  pensava no assunto.  Contudo,  minha consciência estava tranquila pelo fato  de  não  ter  aceitado  a oferta.

A  greve  continuava  e  eu  no  meu  papel  de  repórter, tanto  na  emissora  quanto  na  mídia  impressa.  Continuava  acompanhando  o  movimento  que,  aos  poucos,  se  enfraquecia. Também  a  empresa jogava  pesado  e,  dentro  de  sua  campanha  de mídia,  tentava  mostrar  à  opinião  pública  que  a  greve  tinha  mais interesses  políticos  do  que  propostas  por  melhorias  salariais  à categoria,  já  que  João  Paulo  sairia  candidato  a  deputado  federal naquele  ano  e  estaria  usando  o  movimento  para  crescer  perante a  opinião  pública.  E havia uma verdade nisto (sic). Por  outro  lado,  a  força  do  Sindicato  dos Metalúrgicos de Monlevade era um fato, e a entidade era uma referência em nível nacional junto ao ABC paulista. E tal conquista somente foi possível também graças ao trabalho desenvolvido pelo próprio João Paulo que, quando assumiu a presidência da entidade, em 1 974, e mudou a história sindical em Monlevade e conseguiu formar um grupo forte e combativo contra o poder patronal.

Ficou a lembrança do “Acampamento dos Anjos”!

Voltando  a  falar  sobre  o  movimento,  alguns  operários  que começaram  dentro  da  Usina  já  haviam  retornado  às  suas  casas.  Muitos,  por  pressão  da  família,  principalmente  das  mães, esposas  e  filhos.  Entre  algumas  ocorrências  incomuns, registradas  no  interior  da  Belgo-Mineira,  pressões  também  de cima  para  baixo,  ou  seja,  da  direção  da  empresa,  que  queria  a todo  custo  colocar  fim  naquela  paralisação.  Numa  daquelas madrugadas  vividas  pelos  grevistas,  a  alta  cúpula  tentou  montar um  esquema  para  acabar  de  vez  com  o  que  chamavam  de invasão.  Armaram  uma  guerra  psicológica.  Foi  autorizada  a entrada  de  um  ônibus  dentro  da  Usina:  nele  estavam  policiais  à paisana  e  seguranças  particulares,  todos  vindos  de  Belo Horizonte,  que  tinham  como  objetivo  tumultuar  o  movimento  e provocar  um  fato  que  abalasse  o  moral  dos  grevistas,  já enfraquecidos  diante  de  tantos  dias  vividos  ali  como  se  fossem “prisioneiros”,  sem  ver  suas  famílias,  seus  amigos  e  sem  o convívio social.  Entretanto,  os  líderes  da  greve conseguiram  evitar  o  pior,  e  a  estratégia  tentada  pela  empresa  foi  neutralizada.  No entanto, faltou muito pouco para  que uma tragédia ocorresse ali naquela madrugada. A opinião  pública,  ao  receber  pela  Rádio “Tiradentes/Globo”  as  informações  do  ocorrido,  repudiou a ação da empresa.  O  clima  era  de  mais  desconfiança  e  medo.  O  fim  do movimento  já  estaria  ali  anunciado.  Até  porque  não  havia  mais sustentação  física  e  psicológica.  Existiam  informações  de  que grande  parte  dos  operários  que  havia  iniciado  a  greve  já estava  em  suas  casas.  E,  após  ação  judicial  impetrada  pela Belgo-Mineira,  a  Justiça  concedeu  uma  liminar  à  empresa, deferindo  um  pedido  de  desocupação  da  fábrica.  Os  operários teriam  de  deixar  a  Usina  às  8  horas  da  manhã  daquele  fatídico dia  8  de  agosto  de  1986.  Um  clima  de  guerra  havia  se  instalado em  frente  à  Portaria do Zebrão  e  policiais  militares  lotados  nos batalhões  de  João  Monlevade  e  Ipatinga  –  para  se  fazer  cumprir a  determinação  judicial  -,  já  teriam  recebido  ordem  de  invadir  a Usina,  caso  os  grevistas  não  fizessem  a  desocupação.  O  relógio marcava  8  horas,  e  os  militares  começavam  a  entrar  pela Portaria-3.  Agindo  com  responsabilidade  e  tentando  evitar  um confronto  com  a  Polícia,  as  lideranças  do  movimento determinaram  a  desocupação.  Enquanto  os  militares  preparavam  a invasão,  os  grevistas  saíam  pelas  portas  do  Vestiário  Central.  Aquela  ordem  da  diretoria  do  Sindicato,  com certeza,  evitou  o  que  poderia  tornar-se  uma  tragédia  em  nossa história.  Os  metalúrgicos  que  aderiram  ao  movimento  deixaram a  Usina  da  Belgo-Mineira  como  “heróis”.  Saíram  dali  com  o sentimento  do  dever  cumprido  –  mesmo  não  sendo  atendidos  na maior  parte  de  suas  reivindicações  -,  e  foram  recebidos  por  uma multidão  de  familiares  e  companheiros,  que  os  aguardavam  fora da  Usina. 

Ficava,  pois,  a  certeza,  de  que  aquele  movimento  não teria  sido  em  vão.  Deixavam  para  trás  toda  a  história  vivida naqueles  longos  dias  dentro  da  Usina,  entre  eles  um  espaço  que ficou  famoso,  onde  havia  uma  panela  de  aço  enorme,  deitada,  e que  ficou  conhecida  como  “Acampamento  dos  Anjos”:  o  local era  usado  pelos  líderes  do  movimento  grevista,  Leonardo  Diniz e  Antônio  Ramos,  para  reuniões  onde  eram  traçadas  as estratégias  do  dia-a-dia,  e  também  se  transformou  no  QG  de descanso  durante  a  noite,  cuja  entrada  era  coberta  por  uma improvisada  cortina  de  pano.  O  nome  –  “Acampamento  dos Anjos”  –  era  quase  plágio  de  um  pequeno  bairro  localizado próximo  ao  Jacuí  e  que  foi  morada  de  vários  operários  entre  os anos  1950  e  1960,  e  que  se  chamava  “Acampamento  do Ângelo”,  devido  ao  proprietário  do  loteamento  que  deu  nome  ao lugar.  Mas,  como  é  tradição  no  meio  católico,  quando  às  18 horas  se  reza  a  “Hora  do  Angelus”,  até  os  dias  de  hoje  se confundem  o  nome  e  a  sua  origem.  Sabe-se,  entretanto,  que durante  a  greve,  aquela  panela  de  aço  foi  um  marco  e  símbolo  da luta  dos  operários  metalúrgicos.

Foram  23  dias  de  greve,  184  horas  paradas  dentro  da  Usina, durante  as  quais  o  dinheiro  deixou  de  circular  na  cidade.  Para piorar,  a  empresa  decidira  descontar,  de  julho  a  dezembro  do mesmo  ano,  50%  do  período  em  que  os  operários  ficaram  de braços  cruzados,  descontadas  mensalmente  nos  seus salários.  O  restante  seria  descontado  em  1987.  Para  a categoria,  no  entanto,  valeu  toda  a  luta  e  enfrentamento.  Como diria  o  dirigente  sindical  Antônio  Ramos,  em  entrevista  que  me concedeu  12  anos  depois,  em  novembro  de  1998, para o jornal “Gazeta regional”, “tivemos sequelas  pesadas  durante  os  23  dias ali dentro da Usina.  Eu  mesmo  desci  a passarela  do  Zebrão  chorando.  O  pessoal  não  conseguia  mais ficar  lá  dentro.  Foram  23  dias  de  sufoco e muito sofrimento.  A pressão  era  muito grande  por  parte  da  Belgo-Mineira.  Naquela  greve;  a  nossa intenção  era  colocar  todo  mundo  para  dentro  da  Usina,  inclusive as  mulheres  e  os  filhos,  mas  não  foi  possível.  Havia  colegas desesperados  lá  dentro  e  os  que  não  suportavam  mais  deixavam a  Usina.  Mas  foi  uma  causa justa”.

Quase 3 décadas depois, professora deixa seu depoimento!

Por  sua  vez,  a  professora  Celeste  Semião  de  Oliveira,  primeira candidata  a  prefeita  pelo  Partidos  dos  Trabalhadores,  em  João Monlevade,  nas  eleições  municipais  de  1982,  que  foi  uma  das coordenadoras  do  QG  montado  em  frente  à  Portaria  do  Zebrão  para  dar  apoio  aos  grevistas,  fez  um  depoimento  sobre  aquele movimento  cujo  registro  vale  a  pena. A postagem  foi  feita  na rede  social  do  Facebook,  em  maio  de  2013,  quando  já  estava escrevendo  estas  memórias,  e  bateu  forte.  Para  ela,  foi  um momento  que  marcou  a  solidariedade  do  povo  monlevadense, que segue abaixo, na íntegra:

“Leonardo foi  a  principal  liderança  da  greve  de  86.  Foram  23 dias dentro  da  Usina.  Leonardo  e  Ramos  lideravam  a  turma  da resistência  dentro  da fábrica,  sem  sair pra  nada.  O  Movimento das  Mulheres  de  João  Monlevade,  junto  com  a  turma  de grevistas  do  lado  de  fora,  comandava  uma  cozinha  que  dava conta  das  refeições  para  os  trabalhadores  em  greve.  Essa situação  comoveu  toda  a  região  em  torno  de  João  Monlevade. Veio  um  sitiante  e  trouxe  uma  caminhonete  cheia  de  laranjas. Outro  trouxe  batatas,  arroz, feijão,  mandioca.  Os  comerciantes de  Carneirinhos  trouxeram  carne,  toucinho,  óleo,  água.  Foi uma  guerra  braba,  mas  a  solidariedade  do  povo  de  Monlevade tornou-a  inesquecível  e  bonita.  O padre  Renato  celebrou  muitas missas  num  altar  improvisado  na porta  do  Zebrão.  Os  grevistas de  dentro  assistiram  pelas  grades  em  volta  da  Usina.  A gente pelejava  e  rezava.  E  teve  de  tudo:  ameaças,  água  cortada,  tropa da  polícia  para  invadir  de  madrugada  (não  sei  como  os sindicalistas ficaram  sabendo  antes,  tomaram  providências  e  a tropa  que  veio  de  BH  teve  que  voltar).  Pesce  cortava  legumes com um cortador inox. Terezinha Mariano, cozinheira de mão cheia,  era  a  cheff.  Creusa  e  Leo  a substituíam  quando necessário  e  estavam  sempre  presentes.  E  havia  muita  gente ajudando,  tanto  mulheres  quanto  trabalhadores.

No  dia  em  que  a  greve  foi encerrada  e  os sindicalistas  deixaram a Usina,  receberam  um  diploma  de  “herói” porque foi verdadeiro  ato  de  heroísmo  a  resistência  dentro  da  Usina. Leonardo  e  Ramos,  dois  heróis  de  verdade”. In Memorian: Antônio Ramos faleceu em 1999 e Leonardo Diniz em 2000.

*Do Livro A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte XI

Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!

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