A majestosa e saudosa Praça Ayres Quaresma, apelidada carinhosamente de “Praça do Cinema”. Nosso conjunto arquitetônico sucumbia, assim como o início da história da fundação da 1ª Vila Operária da América Latina, construída graças ao pioneirismo do empreendedor Dr. Louis Jacques Ench, o visionário
Estávamos em 1988, ano que surgia com um pressentimento ruím. Logo em seu despertar, em janeiro, a direção da Usina da Belgo-Mineira traçava planos que culminariam em um final triste de nossa história arquitetônica. Após derrubada da Praça do Mercado, chegaria a vez de a Praça Ayres Quaresma, a famosa “Praça do Cinema”, dar adeus. Na época foi formada uma “Comissão Popular Pró-Conservação da Praça Ayres Quaresma”, da qual faziam parte o comerciante Emílio Gonçalves (representando a CDL), a funcionária pública Maria Beatriz da Silva (representando a Prefeitura), Simone Albuquerque (representando os ativistas culturais) e eu, representando a imprensa. O nosso objetivo era agregar forças para que a Belgo-Mineira não demolisse a praça, mas a transformasse em um espaço cultural para preservação da memória da cidade. Um primeiro encontro, conforme pesquisas que busquei em jornais que circulavam em 1988, ocorreu em fevereiro daquele ano, quando nós nos reunimos com o então gerente da Usina, Alonso Starling, o chefe do DRI, José Arthur Pena e o responsável pela Assessoria de Comunicação, Éder Pinheiro. Os argumentos apresentados pela empresa eram irredutíveis: o único prédio que seria mantido na Praça do Cinema, por determinação da diretoria, seria o do Colégio Estadual, que seria transformado em escritório. Naquele instante, nós quatro nada representávamos para a alta cúpula e muito menos a obra fincada pelo pioneiro Louis Jacques Ensch. O nosso único pedido, naquela mesa de negociações, foi de que “a Belgo-Mineira, diante da impossibilidade de impedir a demolição, fizesse ao menos um registro da existência da praça, com a confecção de um catálogo”. Deixamos a sala onde ocorrera a reunião, no prédio da Gerência com o moral abalado. Fracassamos em nossa missão e assim como toda a comunidade fomos omissos ao aceitar que o nosso patrimônio fosse destruído. Uma manchete cíncia, publicada no jornal “Prezado Senhor”, datado de 10 a 16 de fevereiro de 1988, dava a sentença final: “Praça do Cinema vai desaparecer para dar lugar ao progresso”.
Grande parte de nossa história arquitetônica se transformou em ruínas. Sem mais a farmácia de Seu Vicente, o Ideal Clube, o União Operário, o Ginásio, o banheiro público, o Bar Para Todos e a simpatia de Seu Nerval na portaria do luxuoso Cine Monlevade. Sem mais paqueras na praça. Ficaram as lembranças dos carnavais e de tantos sonhos deixados sobre aquelas calçadas de pedras, construídas com tanto esmero. Perto do ponto final dos operários e dos estudantes, que se misturavam em horários distintos, principalmente para quem largava às 1 1 da noite na Belgo e às 10 e meia no Estadual. Não imaginávamos que aquela destruição somente se tornaria dolorosa décadas depois e constatamos quanto fomos covardes em não comprar aquela briga. Tudo exatamente pelo paternalismo que a Belgo-Mineira sempre exerceu desde que aqui se instalou, fazendo do povo desta cidade um grupo obediente e, consequentemente, pacato. Nem mesmo o Sindicato e as autoridades municipais tomaram qualquer iniciativa, mesmo que fosse na esfera judicial, para tentar impedir que a nossa história fosse destruída.
Tudo terminaria em outubro daquele ano. O famoso morro do Geo já estava fechado e seu passado aprisionado por um muro de concreto, construído sob o viaduto da linha de ferro da Belgo Mineira. O Ideal ainda fez a despedida do clube, com um baile. Os ônibus da Transcomol transportaram as pessoas que participariam do derradeiro baile no nobre salão, entrando pela Portaria 3 e trafegando por dentro da Usina, até chegar à Praça do Cinema. Eu, mesmo atuando como diretor do Clube, não pude participar daquela despedida. Depois do adeus, a saudade…
Na foto abaixo, o muro colocado sob o viaduto da linha férrea da Usina, fechando a antiga entrada que dava acesso às praças do Mercado e do Cinema, e à nossa história. “O Muro da Vergonha”

*Do Livro A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte XVIII
Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!