O bom jornalista tem de ter a sensibilidade e o “faro” de um animal para buscar uma boa notícia
Na esfera nacional, Itamar Franco se preparava para seu último ano de governo e o PT crescia nas pesquisas de opinião, com o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva novamente sendo o principal nome do partido para tentar o Palácio do Planalto. Por sua vez, a situação preparava Fernando Henrique Cardoso, que deixaria o Ministério da Fazenda visando à disputa eleitoral e sairia consagrado após implantar o Plano Real na economia, visando combater a inflação . Apresentou resultados satisfatórios, o que levaria seu nome como o candidato mais forte à presidência da República pela Situação. Na esfera estadual, o deputado monlevadense João Paulo Pires de Vasconcelos era quem estava cotado para sair candidato ao governo de Minas, pelo Partido dos Trabalhadores. Mas, após armação do grupo ligado a Virgílio Guimarães, foi-lhe dada uma rasteira e Virgílio saiu candidato pelo PT. Eduardo Azeredo, pelo PSDB, e Hélio Costa, pelo PMDB, eram os outros candidatos mais fortes na disputa do pão de queijo.
Profissionalmente, foi um ano de muita luz. O “Plantão Cultura” continuava com grande audiência e muitas entrevistas ficaram marcadas. Entre elas, uma com o cantor e compositor Belchior, uma com o vereador Gleber Naime de Paula e, por fim, com o então candidato do PT à presidência da República, ninguém menos do que Luiz Inácio Lula da Silva (quando escrevi este livro, entre 2013/2014, ainda falava o nome deste Bandido). Mas, antes de relatar do meu grande dia como repórter, vou falar sobre o fato ocorrido com Gleber Naime. Ele havia usado a Tribuna da Câmara para tecer duras críticas e denúncias contra o deputado estadual Mauri Torres. Acabada a reunião, convidei-o para ir ao meu programa no dia seguinte, o que ele aceitou prontamente. Sai dali e fui tomar uma cerveja com um colega de rádio, no Sucupira, quando comentei o fato com ele. Discordou prontamente, mesmo porque a emissora tinha como um dos proprietários Mauri Torres. A questão era que estava “armado” para o vereador do PT e, após a entrevista, Gleber saiu arrasado do estúdio, porque o tiro havia saído pela culatra. Todo descmpasado, foi até a sala da gerência pedir para dar um telefonema. Fez uma ligação para o amigo Geraldo Magela e ouvi parte da conversa, quando disse que “Marcelo me pegou. Ele estava preparado”. É que tinha em mãos um documento que envolvia nomes de deputados do PT, na mesma denúncia. Ou seja, chumbo trocado acabou minando as armas do vereador.
Agora, o fato mais interessante ocorreu no dia 4 de setembro daquele ano, quando estava no lugar certo e na hora certa. Tudo começou com uma visita do candidato petista, Lula, a João Monlevade, no dia 31 de agosto, quando participaria de um comício na Praça do Povo, em Carneirinhos. Na época, aqui no Brasil, celular era ainda artigo de filme de ficção. Estava no ar durante meu programa e pedi ao Geraldo Magela Ferreira – então presidente da Executiva Municipal do PT – que conseguisse uma entrevista para mim, ao vivo. Pouco antes de se iniciar o comício, meu amigo encaminhou Lula até uma loja de material de construção, que ficava ao lado da praça e, utilizando o telefone fixo do estabelecimento, convocou-me para a entrevista. Tentamos, mas o retorno estava péssimo em razão do grande barulho que vinha do local e mal dava para se ouvir a voz de Lula. Ele se desculpou e eu fiquei sem a minha entrevista. Logo depois, no entanto, Magela entrou em contato comigo, afirmando que havia acertado com um dos coordenadores de campanha do PT e que, na segunda-feira, às 14 horas, eu poderia ligar para o comitê , em São Paulo, que ele me concederia uma entrevista. Tudo bem, mas não levei aquele trato muito a sério. Afinal, com tantos compromissos de campanha, não achei que o Lula iria atender a uma emissora de rádio do interior de Minas. Duvidei mesmo!
O Caso “Ricúpero”!
Paralelamente a isso tudo, um dia depois da visita de Luiz Inácio a João Monlevade, ou seja, em 1º de setembro, o então Ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero – que havia substituído Fernando Henrique – teria uma participação no “Bom dia Brasil, para falar sobre o Plano Real e seu resultado. Só que, após sua fala, Ricúpero, ainda nos estúdios da emissora, se preparava para gravar uma entrevista para o Jornal Nacional do mesmo dia, que ia ao ar mais tarde. Enquanto as câmeras eram ajustadas, o Ministro conversava com o jornalista Carlos Monfort. No entanto, mal sabiam eles que aquela conversa estava sendo captada pelas parabólicas, ou seja, o que se falava na coxia foi para o ar. E, descuidado, declarou: – “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde”. Quem tinha antena parabólica e via o canal 23 naquele horário do dia 1º de setembro acompanhou um acontecimento histórico! O caso estourou na manhã de sexta-feira como uma bomba, que seria usada pela oposição como grande arma. Foi uma das maiores mancadas registradas na história do jornalismo e o Monfort chegou até a ser afastado por um período da emissora, quando era o âncora do telejornal “Bom Dia Brasil”.
Nada como um dia após o outro. Na segunda-feira, duas da tarde, com autorização do amigo Geraldo Cardozo, dono do horário, entrei em contato telefônico com o Comitê Central da campanha do PT, em São Paulo. Sem muita esperança, mas fiz a minha parte. Atende então um dos assessores do candidato, me apresento e explico o motivo de minha ligação. Imediatamente, o assessor pede que eu aguardasse um instante na linha e chama Lula. Não demorou um minuto e, do outro lado da linha, para minha surpresa, a mesma voz rouca de sempre: – “Boa tarde companheiro. Prazer falar com você”! Fiquei um tanto perplexo e perdi a fala por alguns segundos. Mas logo depois me recomponho e entro no ar e começamos a entrevista. Isto três dias depois do ocorrido na Globo, que passou a se denominar “O Caso Ricúpero”, e era eu o primeiro repórter no Brasil a entrevistar Luiz Inácio Lula da Silva, candidato a presidente pelo PT . Ou seja, por sorte do destino, tinha a pauta ao meu dispor e, durante quase meia hora, consegui promover um quase interrogatório sobre o caso da célebre frase dita pelo Ministro , de que “o que é ruim a gente esconde”. Digamos que fui o repórter predestinado. Despedimo-nos, agradecimentos de ambas as partes e saio do estúdio recompensado como profissional. Sai dali e Cardozo fez o restante do meu programa, o “Plantão Cultura”.
Mas a história não acabou ali; estava apenas começando. Como diz o velho ditado, “ a notícia corre”! Minutos depois de a entrevista ter ido ao ar, começaram a chover telefonemas para a Rádio Cultura à procura do repórter que havia entrevistado Luiz Inácio Lula da Silva. Sinceramente, e sem nenhuma falsa modéstia, naquele tempo me sentia o centro das atenções de toda mídia, e concedi entrevistas a jornalistas do “Folha”, “Estadão”, “Jornal do Brasil”, “Revista Veja” e outros canais. E, por estas coincidências boas da vida, a jornalista da Veja que entrou em contato comigo, Luiz Cristina Villameia Cotta, era monlevadense e filha da professora Glória Villameia, e ai rendeu muita prosa. No dia seguinte, 5 de setembro de 1994, todos os órgãos de imprensa do país publicaram a matéria, segundo informações passada por mim. E foi naquela época, quando completava 10 anos na estrada como jornalista, um grande presente. Hoje, com toda certeza, jamais me curvaria para entrevistar este ser desprezível, um descondenado que está levando o Brasil ao caos.
*Do Livro “A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte XLV
Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!