Vai-se o moleque “Zaru”; o samba e o jogo do bicho perdem um grande aliado!

Aquele  ano  não  terminaria  antes  de  outra  grande  perda,  desta vez  de  um  amigo  pessoal.  No  dia  20  de  julho  falecia  o  moleque Gilson  Rosa,  popularíssimo  “Zaru”.  O  samba  e  o  jogo  do  bicho perdiam  um  grande  aliado.  Moleque  na  forma  de  viver  seu cotidiano,  sempre sorrindo  e  levando  tudo  na  brincadeira. Porque  a  vida  para  ele  era  uma  brincadeira,  sem  muito  o  que  se preocupar.  Era  puro,  inocente. Aquele  tipo  de  pessoa  que  sabia levar  a  vida  sem  maldade  e  estar  ao  seu  lado  era  prazeroso.  Seus causos,  suas  histórias  e  a  felicidade  estampada  na  sua  cara quando  estava  tocando  o  seu  pandeiro  numa  roda  de  samba. Tinha  como  ídolos  os  malandros  e  para  ele  tinha  de  andar  na malandragem,  mas  pelo  seu  lado  bom,  que  era  ser  boêmio, romântico,  usar  sapato  branco  e  uma  boina  para  não  deixar  o sereno  molhar.  Como  Bezerra  da  Silva,  João  Nogueira, Martinho  da  Vila, seus  grandes  ícones  do  samba  carioca,  da gema. O verdadeiro “Malandro Rifle”! Ah, mas além da música, era um exímio pintor e deixou várias telas.

Todas  as  manhãs  o  amigo  saía  antes  do  dia  amanhecer  e  descia da  Vila  Tanque  para  a  Usina,  onde  fazia  seus  primeiros  jogos  do dia, ali, em frente à Portaria do Zebrão.  De  lá,  subia  a  pé  até  Carneirinhos, onde  ia  fazendo  suas anotações.  Coincidentemente,  Zaru  sempre  trabalhou  como apontador,  e  acompanhava  os  “Gatos”  entre  uma  cidade  e  outra (o  termo  “Gato”  serve  para  definir  as  empresas  com  obras  pelos quatro  cantos  do  país,  nas  áreas  de  construção  civil,  na instalação  de  equipamentos  em  usinas  siderúrgicas  como  de altos-fornos, laminadores etc e outros setores), até voltar à sua terra  natal  e  morar  novamente  na  casa  de  “papai  e  mamãe”, como  gostava  de  dizer.  E  aqui  se  deu  muito  bem  em  apontar  os números, transformando-se em um craque na arte de vender, o que  lhe  rendia  uma boa  comissão.  Portanto,  como  ia  relatando, na  área  comercial  acabava  de  fazer  seu  jogo  pelo  período  da manhã.  Nessas  suas  andanças, sempre  passava  pela  Câmara Municipal  e  ia  até  minha  sala,  onde  geralmente  fazia  um joguinho.  Já  havia  ganhado  algumas  vezes, principalmente  no terno  de  grupo.  Onde  ele  chegava  era  uma  festa.

Lembro-me  que  nessa  manhã,  do  dia  20  de  julho,  uma  sexta-feira,  por  volta  de  1 1  horas,  ele  subiu  até  a  sala,  onde  estávamos eu  e  Marlene  Pessoa,  minha  secretária.  Bem  falastrão,  que  era sua  marca,  chegou  do  mesmo  jeito,  sorrindo  e  contando  uma novidade.  Sempre  trazia  alguma  informação  da  rua,  mesmo  que fosse  uma  boa  fofoca.  Nesse  dia,  ele  disse,  mais  ou  menos assim,  em  sua  forma  peculiar  da  gíria  linguística:  –  “Marcelo, passei  no  PA agora  e  quem  está  nas  últimas  é  o  Laércio.  Aglicose  do  moço  está  em  mais  de  3  mil.  Pelo  jeito,  ele  sobe hoje pro andar de cima”.  Assustei  e  até  pensei  se  tratar  do  prefeito,  Dr.  Laércio, quando  informou  que  se  tratava  de  outro  Laércio,  o  irmão  dos amigos  Cláudio, Gaguinho  e  Lauro  “Santa  Bárbara”.  Nesse  momento chamei-o  e  disse:  -“Zaru,  no  próximo  dia 1º  de  agosto  fará  7 anos  do  falecimento  do  nosso  amigo,  o  “Luiz  do  Cavaco”.  Então, como  você  está  falando  em  morte,  anote  ai  a  milhar  1983.  Um  é para  o  dia,  o  oito  o  mês  e  93  para  o  ano.  Ele  fez  o jogo,  paguei,  e ele  seguiu  seu  caminho.  Jamais  poderia  imaginar  que aquele  fosse  nosso  último  encontro  em  vida.  O  telefone tocou  por volta  de  sete  horas  da  noite  e,  do  outro  lado  da  linha, Márcio  Passos,  dando  a  triste  notícia  do  falecimento  do  Zaru. Ele  fora  vítima  de  um  infarto  fulminante,  quando  estava  deitado sobre  sua  cama,  na  casa  de  seus  pais  José  Rosa  e  Dona  Zinha, quando  aguardava  o  momento  de  descer  para  pegar  o  resultado do  bicho.  Chegou  a  ser  encaminhado  ao  Hospital  Margarida, onde  já  chegou  desfalecido.  Foi um  choque,  da  mesma  forma quando  havia  recebido  a  informação, naquela  sala  da  Polícia Militar, da  morte  de  Louiz  Bonifácio,  o  “Luiz  do  Cavaco”.  Não dava  para  acreditar.  E,  por  essas  ironias  do destino,  minutos  depois, no próprio Hospital, morria Laércio Borges da Costa, como Zaru, horas antes,  havia  previsto.

Ao  lado  dos  amigos  do  samba,  todos reunidos  para  a  última  despedida.  Laércio  era  velado  na  sede  do Sindicato  dos  Metalúrgicos,  enquanto  Zaru,  no  Velório Municipal.  Dali,  seguimos  até  o  cemitério  do  Baú.  Os  dois cortejos  fúnebres  se  encontraram  ali,  no  campo  santo.  Ao  som de  um  samba  chorado,  tocado  pelos  amigos  do  grupo “Afilhados  do  Sereno”  (Rômulo  Ras,  Zé  Ricardo,  Zé  Afonso  e Antônio  Pereira)  e  outros  amigos,  descia  ao  túmulo  o  corpo  do grande amigo Gilson Rosa, o popular “Zaru”,  entre  lágrimas  e  aplausos. E  caminhávamos lentamente  até  a  portaria  do  cemitério,  quando  chegava  ao  local, o  cortejo  do  Laércio,  cujo  caixão  era  carregado  por  irmãos  e amigos.  Uma  parada  entre  as  pessoas  que  estavam  ali,  para  se despedir  dos  dois  conterrâneos  que  tinham  alguma  coisa  em comum  e  um  amor  especial  pela  terra  natal,  João  Monlevade! Nesse momento,  ao entaradecer, quando no por do sol,  as  irmãs  Neide  Roberto  e  Nedina  começam  a  cantar  a música  “Amigos  para  sempre”,  acompanhadas  dos  violões  e dos  tambores.  Faltava  apenas  o  pandeiro.  Não  houve quem  não se emocionasse.  A emoção  saía  pelos  poros,  pela  boca, pelos  olhos  e pelas  faces  ali  incontidas.  Adeus  ao  Zaru!  Adeus  ao  Laércio!

E  dali,  numa  última  homenagem  ao  grande  amigo,  sambista  e apontador  do  jogo  do  bicho,  fomos  para  o  Bar  “Hora  Extra”, onde  começou  a  história  do  “Afilhados  do  Sereno”.  Eu, Rominho,  Zé  Ricardo,  Zé  Afonso,  Pereira,  Gerson  Caldeira, “Lenha”  e  “Chará”  (irmãos  de  Luiz  do  Cavaco),  Ernani  e  mais algumas  pessoas.  Ali  a  tristeza  deu  lugar  ao  samba,  e  pudemos beber, chorar  e  relembrar  os  bons  momentos  ao  lado  do  filho  de Seu  Zé  Rosa e Dona Zinha,  o  irreverente  Zaru  que,  sempre  que  deixava  a turma,  dizia:  –  “Gente, vou  pra  casa  de  papai.  Afinal,  eu  não tenho  casa  alguma”.  E  saia  sorrindo,  que  nem  um  Moleque!

*Do Livro “A Saga: Memórias de um Jornalista do Interior” – Parte LV

Autoria: Jornalista Marcelo M. Melo!

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