Saindo um pouco dos limites reais da Usina, mas virtualmente dentro, visto os protagonistas pertencerem a ela, vamos comentar sobre um personagem que causava pânico na cidade, cantado em prosa e verso. Refiro-me a Zinho Navalha, um dos grandes malandros e arruaceiros da região, que juntamente com Paraibinha, Lamprinha e outros sem que fazer – que ganhavam a vida jogando sinuca e baralho – e neste afã pintavam e bordavam, dando um trabalho danado á polícia. Conforme o folclore, mexer com um deles já podia encomendar o caixão com direito a missa de sétimo dia. Era morte certa. Aqueles presepeiros não deixavam por menos; conferiam mesmo o nível de óleo com uma solingen ou peixeira tramontina de açougueiro, a quem ousasse desafiá-los. Eles eram terríveis!
Zinho era um cara magro, fala mansa, educado, bem vestido, baixo (um bustico de homem), bom de bola e barbeiro de profissão. Como tal usava a navalha com maestria. Jogava-a aberta através de um elástico e a recolhia fechada, porém deixava um lanho lascado no desafeto.
Como malandro que se preza, ele não levava desaforo para casa. Vez ou outra mandava algum de seus desafiadores cantar “com minha mãe estarei na santa glória um dia, no céu triunfarei” ou então hibernar uma temporada no hospital para recompor as tripas após passar pelas mãos de um providencial e milagroso cirurgião. Também não dava colher de chá a outro malandro. Tretou, relou, ele o enviava pras profundas!
Embora eles provocassem esta quizumba toda, o Major Jarci não os deixava muito tempo presos. Dizia às vítimas que ia resolver o caso deles e depois os soltava. Sabia que mais cedo ou mais tarde um deles terminava matando o outro. Aí o Major tripudiava: – “Não falei que ia resolver o caso de fulano de tal”? O Major era uma figuraça!
Voltando ao astro em epígrafe (gostou desta “Prezado?”), certa vez, numa partida entre o Real X Juventus, time de Zinho, e no campo deles, onde fica hoje o PA e também próximo ao perigoso e alegre “Ferro Velho” – famoso puteiro cansado de guerra – mal iniciou o encontro o time da Coroa Dourada foi logo enfiando quatro, com Gatinho barbarizando o adversário. Zinho Navalha, retado da vida, ao ver sua equipe tomar um chocolate e ser humilhada, tirou a solingen alemã dentro do meião e iniciou o pega pra capá. Cada navalhada fazia um estrago dos diabos nos realinos, não perdia viagem:- Quinzola ficou com quatro dedos de uma mão pendurados; outro, com um rombo nas coxas. Mauro Baiano, ao ser questionado que sangue era aquele que estava escorrendo barriga afora e ele ao olhar e ver as tripas começando a sair, desmaiou e foi acordar no hospital pensando que tinha “passado dessa para melhor”. Zinho só parou de aprontar ao ver Tota, de Caratinga, retirar de um sujo embornal,uma velha garrucha 320, enferrujada, de dois canos e, ao apontar aquele trabuco em sua direção, não quis saber se aquele canhão manual ia mascar ou não. Deu nas canelas pelo eucaliptal morro acima. Virou éter. Desapareceu!
De outra feita, a turma do Setor I estava bebemorando os aniversários do mês no boteco de Leonardo, no bairro Santa Bárbara. Era comum a gente fazer isto de dois em dois meses. Como sempre, a rapaziada estava alegre igual “convivas em rega-bofe de cervejaria, onde os 0800 rola solto”, na maior fuzarca mesmo. Nisto chega Pedro Pinto, contramestre do SM e se junta à festiva moçada. Pouco tempo depois chega um sujeito franzino, bem alinhado, à porta do boteco e manjou a turma como se estivesse procurando alguém. Então começou aquele entra e sai lascado! Ora saia Tadeu Coura (conhecedor e amigo da nata da malandragem), ora saia Guido Magalhães (também “expert” no assunto) e outros. Iam lá, batiam um papo com o cara e voltavam. O restante da cambada não estava nem aí. Continuava cervejando adoidado. De qualquer modo, o ambiente “esfriou”. Por fim, o estranho se mandou e a alegria retornou com animação redobrada, com a turma rindo das peripécias de Zé Gomes, “O Federal”.
No dia seguinte, com a ressaca brava infernizando a patota, Tadeu e Guido nos entregaram de bandeja “quem era aquele cara enfatiotado”: Zinho Navalha. Estava seguindo Pedro Pinto (Pedro Galinha), que lhe dera uns catiripapos e “Zinho só não tirara divergência ali para não estragar a nossa festa”! Menino, teve gente que ficou bom na hora e outros deram caganeira de medo. O fato é que nossas festas foram para o espaço. Nunca mais foram realizadas. Principalmente em botecos.
Todavia, um dos casos mais divulgados aconteceu com Bequinha, antigo professor do Senai e funcionário da Sobremetal. Numa festa na ACM, Zinho, completamente embriagado, quis forçar a “barra” na portaria e Bequinha lhe deu umas bolachadas. Após “o chega pra lá” e o “deixa disso”, perguntaram-lhe se ele conhecia “aquele cara”. Ele, indiferente, respondeu “que não”. Então o espírito-de-porco, sacanamente, lhe informou que era Zinho Navalha! Meu amigo, Bequinha ficou doido, tremeu nas bases. Pela fama do homem, brocotó! Estava com “o pé na cova meeeeesmo”. “Podia antecipadamente encomendar o caixão e pedir ao Pe. Juca para rezar a missa de sétimo dia”, com direito a sermão e homenagem póstuma.
Resultado da pendenga: para se livrar desse triste e inglório vaticínio, ele pediu transferência para a Bahia e foi gozar as delícias das praias soteropolitanas e conferir “o que é que a baiana tem”! Longe de Zinho, ora bolas!
Anos depois, Zinho confidenciou para Gatinho, seu amigo de longa data: – “Olha Gato, eu estou num beco sem saída; mataram um cara em Bela Vista, disseram que tinha sido eu: eu estava preso. Encontraram um “esticado” no eucaliptal; também me incriminaram. Na época estava mofando na cadeia. Até um cara que foi comer capim pela raiz, no Espírito Santo, deduraram que fôra eu. Rapaz, eu estava no xilindró. Tudo que acontece de ruim aqui sou eu. Assim não dá”! Aproveitando a deixa, Gato perguntou sobre o caso de Bequinha. Ele estranhou o nome e rispidamente respondeu: “Eu sei lá quem diabo é Bequinha! Se eu fosse brigar ou matar quem me dá uns pescoções quando eu estou bêbado, não tinha nem tempo de trabalhar ou já estaria na penitenciária há muito tempo”!
Pouco tempo depois, quebraram o galho dele e o Major Jarci mais uma vez alfinetou: – “Não falei que ia resolver o problema de Zinho? O caso está encerrado, meu patrão”.
*Este artigo foi publicado na edição de nº 100 do jornal “Morro do Geo”, em agosto/2006.