Dona Sãozinha: A história de uma grande mulher ! – Por Marcelo Melo

Na foto acima, Seu Clemides e Dona Sãozinha, na foto acima, quando residiam à Rua 18, na Vila Tanque, em pose com os filhos

“Tem certos dias em que eu penso em minha gente e sinto assim todo o meu peito se apertar. Porque parece que acontece de repente como um desejo de eu viver sem me notar. Igual a como quando eu passo no subúrbio, em muito bem vindo de trem de algum lugar. E aí me dá como uma inveja dessa gente, que vai em frente sem nem ter com quem contar. São casas simples com cadeiras na calçada e na fachada escrita em cima que é um lar. Pela varanda, flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar. E aí me dá uma tristeza no meu peito, feito um despeito de eu não ter como lutar. E eu que não creio peço a Deus por minha gente. É gente humilde, que vontade de chorar”. (Gente Humilde – Garoto, Vinícius de Moraes, Chico Buarque de Nicanor)

Nascia no município de Antônio Dias, no Vale do Aço, em 30 de março de 1928, a menina Maria da Conceição, a primeira filha do pedreiro José Raimundo Nonato e da dona de casa Maria José de Souza. Miúda, mas muito esperta, alegre e inteligente, Maria acabou virando “Sãozinha”, ou “Conceiçãosinha”. Um apelido que lhe acompanha desde a infância.

De família humilde, ela teve de trabalhar muito nova para ajudar no sustento da casa. Ainda menina, começou o ofício numa Alfaiataria do lugarejo. Por obra do destino, foi justamente ali que ela haveria de conhecer o futuro esposo, Clemides Martins Barros, que também trabalhava na Alfaiataria. Casaram-se em fevereiro de 1947, ela aos 19 anos e ele com 21. Em dois anos, nasceram os primeiros filhos: Erivelton e Edberto.

O início do casamento e a casa de pau a pique, em Antônio Dias, Dona Sãozinha e Sr. Clemides

Com o salário apertado e a vida muito difícil, o casal resolve deixar a terra natal e tentar a sorte em uma cidade mais próspera economicamente e, em julho de 1949, com os dois filhos ainda no colo, mudam-se para João Monlevade. Precisamente para a mesma Rua 18, no Bairro Vila Tanque, onde residiram até 1977. Ali nasceram mais 12 filhos (tendo dois deles falecido ainda recém-nascidos). Depois de Erivelton e Edberto, vieram Egberto (Mengo), Ebert, Edmar, Elmar, Emilson, Elenice, Edméia, Élida, Edésia e Emilene.

A Mulher e Mãe exemplar

Como toda mãe, Dona Sãozinha também sofreu muito e teve de se desdobrar para ajudar o marido a criar a família, ainda mais tão numerosa. De ano a ano uma nova boca surgia e o salário do Sr. Clemides – que chegou a Monlevade e ingressou imediatamente na Usina da Belgo-Mineira – era bem superior ao que recebia na Alfaiataria, mas ainda assim necessitava de um complemento. E era a companheira que, mesmo grávida e cumprindo com todas suas obrigações de dona de casa, ainda encontrava tempo para costurar. Com muito carinho, amor e dedicação pelo esposo e filhos, ela se transformava numa supermulher e virava noites e noites costurando. Todos dormiam e ela costurava. Outras vezes aguardava a chegada do Sr. Clemides, da Usina, que trabalhava de turno. Fazia-lhe a janta e voltava para a máquina. Afinal, seu grande sonho, assim como o do marido, era ver todos os filhos estudados e realizados profissionalmente. Para isso, seu trabalho fazia gerar mais renda na família. Hoje, lembrando daqueles tempos de muita luta, ela diz orgulhosa que não foi nenhum sacrifício. “Mas, se foi, o fiz com muito prazer e faria tudo novamente se fosse preciso”.

Também era dela a sina maior: educar os filhos. Afinal, era ela quem tinha mais tempo com as crianças e adolescentes. O esposo trabalhava muito e, além da Usina, prestava vários serviços à comunidade. Dona Sãozinha sempre foi o ponto de partida e de chegada, o elo. Aquela que conseguiu, com fé e amor, unir cada vez mais a família. Seu tamanho não se media pela estatura física, mas pelas palavras e pelo respeito. Todos a admiravam. Suas histórias, contadas aos filhos todas as noites antes de dormirem, os fez ver a importância dos valores morais e familiares. Ela conseguiu, como nunca, transferir tais valores aos rebentos.

Vida Comunitária

Dona Sãozinha, apesar do pouco tempo, nunca deixou de participar da vida comunitária. No Bairro da Vila Tanque, ela integrou o Coral da Igreja, foi uma das fundadoras do Clube de Mães e sempre estava disposta a ajudar as amigas. Era assim como uma “psicóloga”. Sempre estava ali para levar uma palavra de consolo a quem precisasse e fazia de sua casa um encontro dos vizinhos. Sem contar os amigos de escola dos filhos, que eram dezenas e sempre estudavam na sua casa, que aos poucos foi ganhando novos cômodos para abrigar tantos filhos. Café com bolo e biscoito sempre presentes à mesa para a meninada. A mãe de todos, com seu sorriso sempre disposto e alegre. Mas, quando era enérgica, sai de baixo… Baixinha, mas brava! Sem nunca guardar rancor. Sem nunca querer magoar ninguém. Sem nunca perder a ternura. Uma pessoa que se pode dizer ser uma obra prima de Deus.

O tempo foi passando e os filhos crescendo. Os sete mais velhos, todos rapazes, resolveram estudar em outras cidades e a maioria, depois de ter passado pelo Senai e pelo curso ginasial no Colégio Estadual (antigo Central), fez o curso técnico naquela que era a escola mais concorrida da época; um verdadeiro vestibular, a Escola Técnica Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (hoje CEFET), ali na Avenida Ama-zonas, ponto dos monlevadenses dos bairros Nova Suíça e Gameleira. Como os pais, eram “meninos” inteligentes e todos passaram. Ou então voltariam para Monlevade, já que Sr. Clemides não tinha como pagar escola particular pra tanta gente. E hoje, felizmente, todos os 11 filhos (Mengo, médico em Vitória, no Espírito Santo, faleceu em 1999) são todos realizados profissionalmente. Ah, há de se ressaltar que ela ainda criou o irmão mais novo, o Geraldo, popular “Pelé”, que também seguiu os rumos dos sobrinhos (ou irmãos adotivos) e também é uma pessoa que conseguiu estudar e se realizar profis-sionalmente.

Bom, mas a vida desta senhora também teve muitas intempéries. Em 1977, com o marido aposentado da Belgo, eles se mudam para Belo Horizonte. Naquele mesmo ano havia nascido a filha caçula. Logo depois Sr. Clemides foi chamado para trabalhar na Cia. Siderúrgica Tubarão, CST, em Vitória, e para lá se transferiram. Retornaram a Belo Horizonte após a descoberta de uma doença no esposo, que acabou falecendo em junho de 1986, durante a Copa do Mundo no México, exatamente no dia em que o Brasil havia goleado a Polônia por três a zero. 

Uma vida dedicada à Família e à Fé

A metade foi-se embora, mas, com sua fé de remover os mais altos montes, Dona Sãozinha deu continuidade aos planos do casal, sempre apoiada pelos filhos. A união também foi mantida, apesar da distância entre eles. Mas, aos poucos ela acabou se tornando uma pessoa triste, apagada, até que, influenciada pelos filhos (em especial pela filha Elenice), começou a frequentar um Grupo da 3ª Idade (Idade Feliz) no Bairro da Gameleira, em Belo Horizonte, que fez sua vida se transformar. “Ali conheci um lugar de amigos, onde podemos trocar experiências de vida e nos amparar. Desde então, fiz do Clube a minha segunda casa”, conta feliz Dona Sãozinha, que sempre participou de viagens com os amigos do Grupo, chamado CAC.

Mesmo diante de outro grande golpe, em 1999, quando perdeu o filho Egberto (Mengo), de problema cardiovascular, ela conseguiu dar a volta por cima e surpreendeu até mesmo os filhos. Mostrando ser essa mulher extraordinária, consegue passar até pelos mais diversos momentos; alegres, tristes, dolorosos, vitoriosos, sem deixar que a vida perca o seu principal sentido: o AMOR.

Exemplo de Vida

    Posso falar de cadeira desta grande mulher, um exemplo de vida, e grande amiga de minha saudosa mãe, Dona Geralda, assim como meu saudoso pai Sebastião de Melo era um grande amigo do seu esposo, “Seu Nozinho”. E herdamos este laço de amizade, entre os filhos.

     Tive o prazer de fazer esta entrevista com Dona Sãozinha, em março de 2003, quando ela completava 75 anos, em seu apartamento, ali no Bairro Prado, em Belo Horizonte, onde ela reside há anos. E participei de várias outras comemorações de seu aniversário, a última quando ela completou 90 anos, em 2018. Este ano ela completou seu 92º aniversário e, devido ao problema por qual passamos, não pode receber todos seus filhos, netos, bisnetos, noras, genros e amigos, mas continua com toda sua energia positiva e uma lucidez de fazer inveja, além da fé, sua simpatia e sempre de bem com a vida. E João Monlevade agradece por ter uma cidadã como esta!

Na comemoração dos seus 90 anos, juntos aos filhos

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