Na fotografia acima, uma vista da antiga usina da Belgo-Mineira
O filme começa a passar em minha mente. Uma história do tacho dos Anos Dourados. O que já parece distante no tempo, torna-se cada vez mais perto do coração. Imagens saudosas e queridas, histórias acontecidas, vividas e contadas pelo meu amado pai, apareceu na antiga tela da prezada terra natal. O tempo me roubou essa época maravilhosa, dourada! Mas ficou a eterna saudade! Ficou a lembrança querida e inesquecível de uma João Monlevade grandiosa, altaneira, que ainda hoje abre os braços para me acolher. Acolher uma filha que muito lhe quer.
Para os anais da história esta é mais uma contada e recontada pelo meu paisão e seus grandes amigos, no “Bar do Daniel”, após o trabalho na Usina, final de tarde; lá na saudosa Rua Siderúrgica. A bela, alegre e aconchegante rua, duramente longos anos! Rua de brasileiros e estrangeiros. Todos se conheciam e viviam em harmonia e solidariedade. Rua acolhedora, de gente bonita, educada, amiga e feliz! Rua cheia de vida bem vivida, da minha infância e mocidade. Rua da casa, do lar onde eu nasci.
O tacho é mais uma história do arquivo de um passado dourado, de tradição e confiança. Aconteceu na Portaria da Usina, há mais ou menos meio século, em João Monlevade, o “Pedacinho do Céu”, terra abençoada por Deus e sob a proteção da Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira. Uma história inusitada, típica de expediente final de trabalho diário. Um caso entre um bobo e um ladino; comentaram muitos em gostosas gargalhadas. O autor da façanha, da proeza, chama-se Joaquim, e que aqui vou preservar seu sobrenome (rs). Antigo na Companhia, morador do aprazível e agradável “Jacuí de Baixo”, palco de inesquecíveis tardes de domingos de futebol no estádio do Jacuí. Belgo-Minas, Metalúrgico, Vasquinho… Saudades! Doces e profundas!
E a história continua… O Sô Joaquim, um belo dia, resolveu fazer um tacho para dar de presente à sua esposa. Então decidiu que nas horas vagas, após o trabalho diário, faria o tacho na própria Usina. E assim sucedia! Todavia, todo o material do bendito tacho era da Belgo-Mineira e fruto de horas vagas trabalhadas, mas dentro da Usina. Passados alguns dias, o tacho, presente para a boa esposa, ficou pronto. Entretanto, o antigo empregado da Companhia não pensou no grande problema que teria que enfrentar: sair com o tacho e levá-lo para sua casa, no “Jacuí de Baixo”. O maior entrave do momento seria passar pela Portaria da Usina. E não era nada fácil!
Tinha, então, que armar um plano e bem arquitetado e urgente. Os vigilantes tinham ordem expressa de não deixar sair nenhum material sem o respectivo vale; uma ordem por escrita e detalhada, assinada pelo chefe. Rezando para São Benedito, seu Santo de devoção, lá ia Sô Joaquim com o tacho nas mãos, pensando talvez num descuido do vigia e pedindo pro Santo conceder um cochilo, já que podia estar com os olhos empoeirados de tanto vigiar. Já estava ele, bem próximo da Portaria. Teve medo. Apavorou-se! Parou e pensou. “Um monte de areia! Eis a solução. Estou com sorte. É o Benedito me socorrendo”, disse para si mesmo. Encheu então o tacho de areia e caminhou firme para a saída da Usina.
Na Portaria veio a pergunta de praxe: – “Sô Joaquim, cadê o vale da areia”? Perguntou o vigilante. E ele retrucou: – “Precisa vale para isto? Não é possível. Uma porcaria destas e precisa de vale? Quem já se viu isto? Vale para esta porcaria? Ah, vê se pode! Não é possível! Será o Benedito? Vocês, hein”! Depois do longo discurso, e mais uma pá de xingamentos do tipo “171”, Sô Joaquim foi jogando fora a areia, sempre fraquejando e esvaziando o bendito tacho. E lá se foi ele, o antigo empregado da Belgo-Mineira, com eu tacho na mão, no rumo de casa. Andava com passos firmes e largos, olhar meio de sorriso e meio de deboche pelo fato de o vigilante ter caído no seu truque. Lá ia pela terra abençoada de Louis Jaques Ensch, cidade que se formava altaneira soberba, gigante, acolhedora.
*Coramar Alves é professora aposentada e foi colunista durante anos do jornal “Morro do Geo”!