Solar Monlevade – Um Símbolo do melhor da Tradição Colonial – *Afonso Torres

A 12 de março de 1892, Francisco Paes Leme Monlevade, em missiva dirigida à família, relata o estado em que encontrou o Solar onde passara toda a sua infância: “eis-me de novo nesta velha morada cujo aspecto tristonho não deixa de me produzir uma certa melancolia que não é sem algum atrativo, pois lembram-me tempos e pessoas de que tenho tão gratas recordações. Já te mandei dizer que tinha encontrado tudo aqui em uma espécie de abandono completo; a casa e o pomar pareciam deixados por muitos anos e o mato invadindo tudo; mandei arranjá-los de novo e, quando se limpou o pomar, matou-se três jararacuçus enormes…”

Contava, então, trinta e dois anos, casado com sua prima Rita Paes Leme Monlevade e se encontrava à frente da Cia. de Forjas e Estaleiros do Rio de Janeiro com o firme propósito de reerguer a abandonada Fábrica de Ferro edificada por seu avô Jean Antoine Félix Dissandes de Monlevade há cerca de 70 anos. Embora fossem hercúleos os seus esforços, a sorte foi-lhe adversa; as circunstâncias não lhe permitiram alcançar tão nobre intento; em fins de 1897 foi declarada a falência do empreendimento, que passou a ser propriedade do Banco Ultramarino do Rio de Janeiro.

Sob sua penhora, para que o patrimônio não ficasse no abandono, sujeito a invasões, contrataram-se os serviços de um filho de portugueses residente na então Capital do País, o Sr. Francisco Mariano Barros. Após sua morte, seu filho, também Francisco, abandona os estudos no Seminário do Caraça para assumir os encargos do pai. É com este zelador que se encontram os primeiros luxemburgueses, em 1921, quando da criação da CSBM. Edouard Luja toma para si a direção da Fazenda, os cuidados com a casa ficavam sob as vistas da preta velha D. Maria Francisca Martins, uma remanescente dos antigos escravos do Solar. Agrônomo que era, Luja se encantou com fauna e flora locais, cuja exuberância contrastava com a decadência do Solar de cujo esplendor só restavam vestígios. Onde a Família Monlevade vivera como grandes senhores, uma opulenta vegetação tropical invadira tudo, cobrindo caminhos e pequenas pontes de pedra e madeira. Em 1922, um ano após sua chegada, é anunciada a visita dos senhores diretores da ARBED, do Luxemburgo. Com a perspectiva de tal visita, fez-se uma preparação geral na velha moradia, construindo uma nova casa ao lado. Para este trabalho, foram contratados pedreiros, carpinteiros e outros artesões. Carroças e animais transportavam o material necessário. Pedras havia no próprio local, a terra dos desterros era baldeada, na falta de outros meios, sobre o couro de boi seco e curtido atrelado a bois. Desde então, enquanto não se construía o Cassino, foi o Solar a hospedaria dos engenheiros europeus que ergueram a Usina.

O primeiro a vislumbrar o Solar como um Patrimônio Histórico a se preservar foi o Dr. Ensch que enxergou naquela “Casa Grande” um símbolo da melhor tradição colonial, para tanto, coletou também documentos referentes à era anteriores junto, principalmente, à família do Capitão Gomes, em Rio Piracicaba. Transformada em sede da Supervisão da CSBM Monlevade, a Fazenda passou a abrigar aqueles que comandaram a construção do primeiro centro siderúrgico do Brasil: a Usina Barbanson que, por força da ação popular, ficou mesmo conhecida como “Usina Monlevade”  – um merecido tributo ao criador da primeira Fábrica de Ferro local. Em torno das chaminés erguidas, foi se esboçando aquela que seria a moderna Monlevade.

A CSBM manteve, e mantém, periodicamente, a conservação do Solar, exibindo seu magnífico projeto arquitetônico que muito se assemelha ao Solar erguido na Gávea, no Rio de Janeiro, pelo arquiteto francês Grand Jean de Montigny, membro da Missão Artística que veio ao Brasil a convite de D. João VI. Consta nos arquivos da Fundação Arcelor Mittal como data de construção dos edifícios que comporiam a Fazenda o ano de 1818, data esta equivocada, pois, como Monlevade viera para ficar somente por dois anos, as terras onde se ergueram a Fábrica e o Solar só foram adquiridas durante o período em que trabalhava no projeto da Galena de Abaeté, a convite de José Bonifácio, por indicação do senador do Império Dr, Antônio Gonçalves Gomide, em carta de 16 de maio de 1823, como se pode constatar no livro “MONLEVADE, VIDA E OBRA” de Juliana Mª Nascimento Passos, pag. 30/31 e na Tese de Doutorado de História de Martha Rebelatto, 2012, pag.159.

Monlevade esteve orientando a exploração da Galena, apesar de fixar residência no termo da Vila de Caeté, no período que vai de agosto de 1824 a 27 de abril de 1826, quando completa o relatório, dando informações a respeito da prata de Abaeté. Levando em conta a topografia mineira e as dificuldades da época, a abertura de estradas, desmatamento, terraplanagem, condições climáticas, mão de obra escrava, conclui-se que foi necessário contar com um tempo adequado a tantos entraves, até porque o Sr. João de Figueiredo – cujos serviços foram contratados, a uma pataca por dia, para a construção da sede da fazenda – estava comprometido com a edificação da Fazenda de Santo Antônio em Caxambu.

Quem se ocupa em analisar a estrutura da propriedade conclui logo que o projeto do Solar é bastante elaborado, avançado mesmo para os meios até então utilizados na época. Os cuidados vão muito além daquele período oitocentista. Fica claro que tudo foi minuciosamente estudado e planejado por uma mente privilegiada. Aos seus conhecimentos técnicos, percebem-se detalhamentos que só mesmo alguém muito determinado, arguto e observador poderia alcançar. A propriedade recebeu a atenção e cuidados para torná-la a mais adequada possível para as atividades que ali seriam realizadas. Os investimentos não se limitaram à construção dos edifícios, abrangendo a abertura de estradas e edificação de pontes, evidenciando-se o cuidado com a circulação de pessoas e produtos, com a comunicação, controle de trabalhadores, supervisão e, até mesmo, com a possibilidade de ampliação das estruturas com o desenvolvimento e crescimento dos negócios e da economia da Fazenda. Além do forjamento do ferro, a Fazenda precisava incorporar atividades agrícolas que garantissem o sustento de seus numerosos escravos e da propriedade em geral, ou seja, Monlevade montou o Solar de forma a otimizar a produção, reduzir custos e garantir o prosseguimento das atividades ao longo do tempo. Assim, além de residencial, o Solar trás em si um papel simbólico: o da presença e vigilância constantes dos donos. A sacada, nos dois andares, circundava toda a habitação e as muitas janelas davam a impressão de constante observação, sendo um facilitador no controle geral, inibindo alguns comportamentos considerados indevidos. Conclui-se, como apontado pelo próprio Monlevade em relatório enviado ao presidente da Província, em 1853 – no qual propunha a venda de seu estabelecimento – que havia um controle social montado a partir desta residência que tão poucos documentos deixou – apenas minúsculos fragmentos foram encontrados de sua documentação. É este relatório uma fonte de extrema relevância, pois nos oportuniza escutar Jean Monlevade por ele mesmo, ouvir a sua voz quase dois séculos depois”!

*Afonso Torres é escritor, historiador e foi um grande colaborador do jornal “Morro do Geo”

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