A injustiça contra o Padre Hildebrando, o popular Padre “Juca”, por Nilton de Souza (Tim) – Marcelo Melo

Acima, a última foto tirada em vida do saudoso Padre Hildebrando, dias antes de falecer – feita por Zezinho – a qual ele nem teve acesso

Falecia em 8 de abril de 1983 o grande Padre Hildebrando de Freitas, cuja história foi plantada e semeada em João Monlevade. Natural de Barra Longa, foi aqui que fez seus grandes amigos, fosse como vice-diretor e professor da Escola Senai, ou como Pároco da Igreja da Vila Tanque, e da São José Operário. Apelido carinhoso de Padre “Juca”, um homem sem preconceitos e que, devido à sua maneira popular de conduzir seu rebanho, acabou sofrendo alguma discriminação, mas por uma minoria que nem merece consideração. Padre Hildebrando, numa época em que a Igreja era bem mais fechada, batizava filhos de mães solteiras, causando até mesmo perseguição por alguns de seus superiores. Uma pessoa simples, comum, que ia aos bares com amigos jogar uma sinuca e beber uma cerveja, e tinha seu próprio bloco de carnaval e sempre participava da festa momesca com os foliões, fosse no Ideal Clube ou nio União Operário. Era um líder espiritual que convivia com seu povo e a sua Igreja era sempre aberta ao povo.

Padre Hildebrando de Freitas durante celebração na Igreja do Vila Tanque

Relendo ao Jornal “Tribuna de Monlevade” (no qual trabalhei como editor, entre 1986/88), datado de 29 de abril de 1983, na casa do articulista e historiador F. de Paula Santos, tive a oportunidade de encontrar um texto do Nilton de Souza, saudoso “TimMirim”, usando um de seus pseudônimos preferidos, “Heleno”. Tim falava justamente da morte do Padre Hildebrando e da injustiça cometida contra ele, e começava o texto assim: “Nota de falecimento: Às onze horas desta última quinta-feira, 08/04/83…”

Segue o texto na íntegra: “Acabamos de perder mais uma imagem viva do Cristo aqui na Terra, o nosso Juca, um dos últimos espécimens em extinção no tempo presente, talvez, do próprio futuro, de uma casta de sacerdotes vocacionados, probos em obediência, cultura, fé e disponibilidade cristã, membro convicto da Igreja Católica Apostólica Romana, a mais velha das depositárias do Cristianismo vivo e atuante no tempo, no espaço e na História do Homem e da Humanidade, esse homem extraordinário que enxergava, ainda e com muita certeza, o Primado de Pedro, na pessoa de qualquer que fosse o Papa, quer Lino, quer Cleto… quer João XXIII ou João Paulo II, como sua e nossa verdade maior.

Padre Hildebrando de Freitas, na casa dos cinquenta anos, mais de vinte de Magistério Sacerdotal, o homem, o pecador, o santo, o irmão de todos, o escolhido, mas, também, o incompreendido e que, vitimado por um enfarte agudo do miocárdio, repentinamente e ainda pleno de esperanças e perdão, deixou a nossa convivência mais plenificada no seio do Pai.

Enquanto morte, a ausência do nosso amigo pode ser compreendida como mais uma contingência biológica e que ninguém ainda conseguiu fugir, mas tratando-se de morte precipitada, não é fácil a gente aceitar, senão, entendendo mais acima do plano natural: para ele, ‘os tempos foram abreviados’.

O Padre Hildebrando de Freitas vinha vivendo um processo de dissabores contínuos desde que o colocaram na “roda viva”, como um réu, diante de pessoas não competentes e acoitadas por um ser superior hierárquico. Ali, as coisas se passaram de uma forma indigna e foram relatadas eufemicamente. Ali, a sua autoridade de sacerdote foi posta em cheque por um grupo de semi-analfabetos, politiqueiros, e ninguém para a sua defesa – se é que ele devia alguma. Dali, iniciou-se um mecanismo mafioso de controvérsia sobre a sua pessoa, sua dignidade, sua lealdade, sua evolução, interpretando-se a sua ação pastoral de forma incoerente, ignorando-se que a sua formação sacerdotal foi completa e toda voltada para a Pastoral Operária, a mais espinhosa das pastorais, razão por que sempre era visto entre os mais controvertidos grupos e nos lugares mais estranhos, porquanto ele entendia o povo de Deus além dos grupos dos chamados homens religiosos.    E foi assim que o Juca conseguiu trazer, de volta à Igreja, tantos e tantos desajustados, tantos e tantos marginalizados que, em situação normal, jamais voltariam.

Acusaram-no de desobediente porque não aceitava devolver os coitadinhos que o procuravam para batizar crianças. Queriam que ele ministrasse os chamados “cursos” de batismo, como se os coitadinhos que vivem na roça e os que trabalham de revezamento pudessem dar-se tal luxo. Ele tinha melhor fórmula: orientava os padrinhos e pais, em quarenta minutos de palestra séria e competente, e os resultados sempre foram ótimos, e daquele dinheirinho (que nem sempre cobrava), nada ficava para ele. Jamais negou qualquer tipo de sacramento por ACREDITAR nos SACRAMENTOS, e a sua presença diante dos enfermos e dos que sofriam era uma constante que ninguém pode negar.

Se, algumas vezes, aparecia embriagado – há um ano que não bebia nada alcóolico -, jamais ofendeu a quem quer que fosse. Mas… quem não comete este pecadinho hoje em dia? Coisa certa e plena para todos nós: gostávamos dele de qualquer maneira, pois sabíamos da sua disposição para atender a quem quer que o procurasse.

Acusaram-no de não dar liberdade aos seus leigos e grupos de jovens. Mentira! Ninguém tinha uma equipe de leigos vicentinos jovens e adultos, todos trabalhavam nas suas atribuições de competência, é claro; como sacerdote, cabia a ele e somente a ele celebrar a SANTA MISSA. Na sua ausência, ao leigo cabia a Celebração da Palavra, como ainda é de praxe na Igreja Universal. Se se perguntar a seus colaboradores jovens e adultos, não há a menor queixa neste sentido. Agora, para quem quer asas maiores que lhe competem…

Ele perdoou a todos os que o caluniaram e reconhecia as suas faltas.  Inquirido, quando das eleições, se não prejudicaria certo vereador seu ‘juiz’ da ‘roda viva’, e repetiu o que dizia sempre: – “aprendi a dar a outra face. Que ele seja feliz”.

Jogado, como uma bola de pingue-pongue, no ventre do paradoxo (ser fiel ao Papa, à verdadeira Igreja, ou abadernar-se), presa constante de isolamento e anátema de um crime que não cometera, abriu mão do seu paroquiato, mas continuou atuante na condição de “sub ordine”, período em que pôde colocar muitas coisas em dia, inclusive, o silêncio que havia perdido, mas, como a sua Missa na Capela do Hospital era muito concorrida, foi praticamente insultado quando um seu superior zangou com o povo, “que ninguém tinha de trocar as celebrações da palavra da Igreja por missas por aí…” Ele não sofreu por ele, mas pelo pouco valor dado à Santa Missa, que é o culto máximo do Cristianismo.

Mas ele perdoou, continuo afirmando, e não guardava a menor mágoa do povo da Vila Tanque, a quem ele amava tanto a ponto de ter renovado a sua casa ali mesmo para passar o resto da sua vida, como tanto falava.

A morte do Padre Hildebrando, tenham certeza, foi um final. Tanta esperança de vida num homem não é para se crer que ele estrava querendo morrer. Deus tirou-o como foi da Sua vontade, e, agora, pensando bem, Ele o fez numa hora muito estratégica: “É preciso que morra a esperança para que ela renasça mais pura e vigorosa” – palavras, parece-me, de Kierkegard – e o perdão se pronuncie de modo mais vibrante e duradouro. Não tenhamos dúvida, o único desejo do Padre Hildebrando era o crescimento da fé, a caminhada da Igreja de Cristo e a união de todos os irmãos. Quem o amou, reze por ele e para ele; quem o detestou, peça-lhe perdão, embora já o tenha ganhado dele ainda em vida”.

Padre Hildebrando, o popular Padre “Juca”, pulando carnaval no ideal com amigos

*Matéria publicada na edição de nº 31 do jornal “Morro do Geo”, de maio/2002.

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