Histórias e Causos contados por alguns dos primeiros médicos contratados pela Belgo-Mineira! – Por Marcelo Melo

Acima, da esquerda para a direita, os doutores Custódio, Lassy, Nelson e Stanley. Juntos, contaram as histórias que viveram no Margarida e em Monlevade desde a chegada à cidade

Cada categoria tem as suas características e curiosidades, mas uma que se sobressai é justamente a dos médicos. Talvez por lidar com gente; pessoas, a sensibilidade sempre terá de estar apurada e funcionando quase em harmonia com o corpo. São, diremos assim, os ossos do ofício. E todos esses “homens de branco” certamente têm histórias de todos os tipos, envolvendo amigos, pacientes e colegas de profissão.

E, dias desses, por volta das 20 horas de uma terça-feira, estivemos na residência do Dr. Lassy Heringer, ali no Bairro Vila Tanque, em frente ao Hospital Margarida, onde passamos cerca de duas horas agradáveis ouvindo histórias e causos. Além do anfitrião, estavam Stanley Baptista de Oliveira, Custódio Moreira de Alvarenga e José Nelson Fagundes, alguns dos primeiros médicos a aportarem em João Monlevade e consequentemente no Hospital Margarida e que aqui se encontram até hoje. Todos vindos da “elite”, formados na Universidade Federal de Minas Gerais.

O primeiro a chegar à cidade, entre eles, foi Stanley, natural de Muriaé, recém-formado na UFMG. “Cheguei aqui às 11 horas e cinco minutos do dia 25 de janeiro de 1962. Foi por acaso, já que havia contraído uma dívida junto ao banco para seguir meus estudos. E, para pagá-la, tive de trabalhar rápido. Havia me formado em 61 e, através de um contato num salão de beleza em Belo Horizonte, entre minha mãe e uma amiga, fiquei então sabendo que no hospital de Monlevade havia vagas e vim correndo. Mas, anos antes havia passado por aqui de trem, à noite, e perguntei ao meu pai que lugar feio erra aquele e que seria o último que escolheria para morar um dia. O acaso me trouxe e estou aqui há 42 anos, graças a Deus”, disse Dr. Stanley, que especializou-se em Geriatria. Naquela época, o médico ainda era solteiro, mas já namorava sua futura esposa.

O segundo a trazer suas malas foi o “turrão” Lassy, em 1969. Natural de Mesquita e já casado, chegou à pequena cidade numa camionete Ford, onde havia também um cachorro. Obstetra e Clínico geral, acabou ficando e onde criou também sua família. Custódio chegaria em 1971, depois de ter trabalhado em Barão de Cocais. Um grande Obstetra, aportou aqui também para não sair mais. E, por último, chegou na cidade pelas mãos do cunhado e conterrâneo Custódio, do município de Perdões, o jovem Nelson Fagundes, clínico e laboratorista, em 1972. E, todos eles têm histórias e casos dos mais engraçados.

O Balãozinho

Entre um causo e outro, e muitas gargalhadas, principalmente do anfitrião, Dr. Stanley, exímio cronista, contou o caso de uma paciente que havia literalmente “cantado” o Lassy, dentro de seu consultório, na Assistência Médica, que ficava ali em frente à portaria 1 da Usina, na praça do Cinema. “Era uma mulher muito feia e chegou no consultório dizendo que queria ficar com ele. Vejam só. Na maior cara de pau, o Lassy disse que comelão aqui era eu. Vá lá. E não é que a mulher veio ao meu consultório”, disse Stanley, lembrando que o caso acabou parando o consultório do saudoso Dr. Rubens, que trabalhou uma grande temporada também no Hospital Margarida e que, anos atrás, acabou sendo assassinado em sua residência, na Pampulha, em Belo Horizonte, durante um assalto.

Mas, falando no Dr. Rubens, Stanley contou ainda outro caso envolvendo o amigo e que terminou com uma sonora gargalhada. “Uma mulher chegou ao meu consultório, também na Assistência, dizendo que havia descoberto que o marido estaria lhe traindo e queria se separar dele. Perguntei então sobre o motivo que a levara a ter tanta certeza da traição, quando ela me tira de dentro de sua bolsa uma camisinha e me mostra. Eu, na maior cara de pau, perguntei do que se tratava e, quanto mais perguntava, a mulher dizia que não era possível que um médico não conhecia aquilo. Para tornar a cena ainda mais picante, disse que levaria o objeto para ser analisado pelo Rubens que atuava mais na área e coisas desse tipo. Lá chegando, contei o caso para ele, na presença da mulher. O Rubens, um tremendo gozador, disse-me em alto e bom som: – Quer saber o que é isso, Stanle]y? Um balãozinho. A mulher quase teve um troço e saiu cuspindo marimbondo”, relatou.

Stanley lembrava que os médicos da época, no total de 11, eram, além de profissionais de medicina, amigos e conselheiros. Acabavam sabendo das intimidades das pessoas no seu cotidiano e muitas vezes tinham de apelar para as brincadeiras com objetivo de quebrar um pouco o gelo. “Havia cada paciente”, relembrou.

A Maionese do Nelson

Por sua vez, Nelson Fagundes, recém-chegado a Monlevade e com pouca experiência na medicina, fazia o plantão numa noite de sábado. Parecia que tudo correria na maior tranqüilidade. De repente, não mais que de repente, começa um alvoroço do lado de fora do hospital; carros chegando aos montes, principalmente Rural, Jeep e Volks. Era 1972. Uns não conseguiam sequer entrar na portaria e, lá mesmo, no meio da grama, vomitavam. “Lembro-me como se fosse hoje. Eu fiquei muito assustado. Era um dos meus primeiros plantões. Chegavam pessoas a todo minuto, vomitando e com sinais de diarréia. Eram mais de cem. A Dra. Déa acordou assustada e chamou os outros médicos que moravam próximos ao hospital. Só depois que descobrimos que se tratava de intoxicação alimentar e foram distribuídos soro e plazil para os pacientes. Um horror”, contou Fagundes. Lassy disse ainda que chegou a ver pessoas defecando no jardim em frente ao hospital. O estrago, segundo ele, teria sido provocada por uma Maionese servida em jantar durante festa de casamento em Nova Era. “Muitos pacientes não conseguiram nem chegar a Monlevade”, ironizou.

E foram muitos os casos pitorescos contados pelos quatro médicos, que falaram saudosistas dos bons tempos de Monlevade, como nas épocas de ouro do Grêmio ou do Social Clube. Stanley contou inclusive que teve seu nome rejeitado para entrar no quadro de associados do Ideal Clube, uma certa época, mas nunca levou isso como um fato que o incomodasse.

O Pôker

Bom, mas falar em Hospital Margarida não se pode deixar de falar em Dra. Déa Ramos, que por vários anos dirigiu o Margarida. Severa, mas muita amiga dos médicos, Dra. Déa era a mãe, irmã mais velha. A conselheira e que não admitia nada de errado dentro daquelas quatro paredes. Mas, num certo dia, o Custódio, um dos “peixinhos” dela, acabou pisando literalmente na bola.

Tudo aconteceu numa determinada madrugada, quando os médicos Custódio, Lassy, Rubens e Geraldo Soares, além de Elton, então chefe do extinto INPS em João Monlevade, jogavam Pôker numa ante-sala do Hospital, que ficava ao lado do Bloco Cirúrgico. E pior: a valer, o que era uma afronta para a Dra. Déa. Lassy, totalmente depenado, perdeu todo o dinheiro que tinha no bolso e resolveu se vingar dos colegas. Contou ele, entre os amigos Custódio, Nelson e Stanley, que “naquela época, no plantão, costumavam nos servir gostosos sanduíches de pão de sal com bife de boi, que eram preparados pelas cozinheiras. Fui então até o quarto da Déa, que morava no Hospital, e pedi para que fossem servidos alguns sanduíches. Nesse instante, ela perguntou se os médicos estavam de plantão e eu afirmei categoricamente que não, mas estavam sim jogando Pôker a valer. Menino, a médica se vestiu numa camisola e saiu que nem corisco pelos corredores do Hospital. Eu, no entanto, peguei rumo diferente e fui me esconder no laboratório de Raio-X”. Final da história: Dra. Déa passou um pito nos colegas de trabalho, principalmente no Custódio, que era o seu protegido. Lassy ainda comentou que o Rubens queria pegá-lo de todo jeito, pois já desconfiava de que teria sido “eu” o caguete.

Histórias e mais histórias. Causos e maus causos. Como da noite de carnaval em que o Custódio, com toda sua mansidão, acabou tendo de colocar em prática seus conhecimentos em artes marciais. “Foi a cena mais engraçada e o Custódio acabou se tornando o grande herói da Dra. Déa”, contou Nelson Fagundes. Conseguiu se recuperar dos pontos per4didos no jogo de Pôker. Foi um lance em que um paciente da Enfermaria entrou em estado de choque, totalmente descontrolado e violento, e saiu chutando porta, quebrando janelas e agredindo qualquer pessoa que aparecesse em sua frente. Chamaram então a diretora, que nada podia fazer contra aquele homem alto, forte e totalmente fora de si. Nisso, com tou Nelson, o Custódio deixava a sala de cirurgia e percebera aquela cena, vendo aquele elemento esmurrando a porta. “Ô cara, você está pensando que aqui é a casa da sogra”? Perguntou Custódio, sem nem imaginar que se tratava de um psicopata. Quando o doido foi pra cima dele, o médico deu-lhe um golpe de braço e jogou-o ao chão, conseguindo imobilizá-lo. “Foi nocaute”, comemorava Dra. Déa, que a partir daquele dia só via o Custódio como herói. “Só tomei conhecimento de que o homem estava em estado de loucura depois. Do contrário, nem o teria encarado”, brincou Dr. Custódio.

Mas, vamos parar por aqui, e nem iremos contar de quando Dr. Lassy, só para irritar a acelerada Dra. Déa, soltava fumaça de um fedorento cigarro de palha nos seus cabelos. E logo ela, que detestava cheiro de tabaco; ou da noite que os médicos Stanley e Rubens colocaram um cocô de plástico sobre a cama da diretora do Hospital Margarida, que quase teve um chilique. Coisas sem muita importância, mas que servem para mostrar um pouco do espírito que reinava naquela casa entre os anos 60 a 80.

Paixão por Monlevade

Após as mais de duas horas de uma gostosa e proveitosa prosa, deixaríamos a casa de Dr. Lassy, ali na Rua do Hospital, no Bairro Vila Tanque. Mas, antes, todos disseram da paixão que têm por Monlevade, que tornou-se a segunda terra-natal de cada um deles. Para Dr. Stanley, 65 anos, três filhos e sete netos, “Monlevade tornou-se minha vida”. Já o Dr. Lassy, 64, quatro filhos e três netos, “Monlevade hoje é um livro calhamaço que entrou em minha vida”. Também aos 65 anos, quatro filhos e dois netos, Custódio resumiu João Monlevade também em uma frase; “Esta cidade é minha grande paixão. Tenho todo um amor por ela. E, para finalizar, disse Nelson Fagundes, 57, quatro filhos e dois netos, que “Monlevade é minha vida pessoal e profissional”.

      E, apesar de toda crise por que passa nossa saúde, inclusive com a delicada situação do próprio Hospital Margarida, ainda temos profissionais da área que levam em consideração o relacionamento humano e as amizades. E o MORRO DO GEO aproveitou para dedicar este espaço a esses quatro grandes profissionais e pessoas, com horas e horas salvando vidas.

*Matéria publicada na edição de nº 60 do jornal “Morro do Geo”, de julho/2003!

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