Geraldo Zenóbio Soares: O Grande e Multicultural Artista “Pindoba”!

Acima, a foto do grande artista Geraldo Zenóbio, o “Pindoba”

Basta fechar os olhos para uma revisita ao Cine Monlevade dos anos sessenta e a gente reencontrará Gumercindo Tavares, roupa gasta, cabelo em desalinho, barba por fazer, medo, angústia e desespero estampados no rosto, tentando em vão retornar à família, calejado pela decepção com a amante que o traíra: “O senhor, naturalmente, vai dizer que eu não gostava de Dulce. Gostava. Mas compreendam bem. Compreendam, pelo amor de Deus! Um sorriso e uma múmia… E a Señora del Mar… E o do-ré-mi-fá-sol da menina… E a patinete do menino: Fuiiiiiiim! Fuiiiiiiim! E a Dona Gervásia, minha sogra, falando – falando –  patati – patatá – patati – patatá – patati – patatá”…

A personagem, criada por Pedro Bloch, é Gumercindo, mas a voz meio rouca, a entonação, a forte presença no palco, em suma, a apresentação impecável pertence ao nosso Geraldo Pindoba. Geraldo é seu nome de batismo, e Pindoba, o apelido que lhe caiu como uma luva, após inúmeras apresentações em que reproduzia para o público infantil as estrepolias do Palhaço Pindoba, famoso astro de circo nacional. Na realidade, trata-se de Geraldo Zenóbio Soares, que não precisava pôr a roupa de palhaço para distribuir a alegria por onde passava nem exigia remuneração pelos serviços prestados à arte, à cultura e à comunicação social em João Monlevade.

Nascido em Barão de Cocais em 29 de outubro de 1930, veio para Monlevade em 1955, buscando, como era comum na época, uma melhor colocação profissional na Usina de Monlevade. Morou nas ruas Tieté, Paraúna, na Pedreira, no Baú e, após breve período em Sabará, para onde fora transferido em 1973, retornou em definitivo para a cidade, residindo no Baú. Outros irmãos seguiram-lhe os passos, prestando também sua colaboração ao desenvolvimento da cidade: Vicente Soares (Professor e Diretor do Colégio Estadual de João Monlevade); Guido e Sebastião (Funcionários da Belgo); Maria (Enfermeira no Hospital) e Maria do Carmo (Icbeu e Fisk).

Dotado de excepcional talento para o teatro, formou com seus colegas da Mecânica, setor em que trabalhava, seu primeiro grupo de teatro: ele escrevia, ensaiava, dirigia e apresentava as peças arrancando calorosos aplausos da platéia. A primeira dessas peças, “O Poder da Fé” permanece ainda na memória dos que a viram.

Pindoba durante uma apresentação de Festa Junina no Clube do Caça e Pesca, quando interpretava o Padre

Constituindo família, teve com Ilma, primeira esposa, oito filhos: Lúcio, Bete, Sérgio, Maria Luísa, Marco Aurélio (falecido), Luís Henrique, Ângela e Débora. Esses filhos, todos maiores, se estabeleceram em Sabará ou Belo Horizonte, exceto a Maria Luísa, que continua em Monlevade. Também com Maria Luísa permanece a menor Diuliana, de sua segunda esposa, Marina, já falecida. Alguns dos rebentos dessa numerosa prole transformaram-se em atores/cantores que com ele contracenaram nos primeiros trabalhos.

Com toda a certeza, foi do cuidado com a educação desses filhos que lhe veio a inspiração para criar no Baú, bairro em que residia, o chamado “Clubinho Rui Barbosa”, uma mistura de centro comunitário, casa de cultura e clube de jovens, que se transformou em excelente escola de valores e de formação da juventude: “Eu tinha aqui um clubinho que tinha coral, coro de igreja, teatro, escola, esporte, cidadania e civismo… tudo administrado do meu bolso, sem ajuda de ninguém, exceto de uma pessoa, o Rodolfo Passos, que me ajudou nos uniformes , e do saudoso Tim Mirim, que esteve sempre comigo”…

Não demorou que se lhe notassem os talentos: quando a Belgo instituiu a Rádio Cultura de Monlevade, com sede na Praça do Cinema, ele atuava como uma espécie de faz-tudo: “Sabe como é, né? Comecei lá mexendo com papéis (documentação)… Depois me puseram no Radioteatro. No Radioteatro, eu escrevia as novelas. Havia também os locutores Paulo Lopes, o Juventino, o Vicente de Paulo… Havia as cantoras, as irmãs Nilza e Neide Roberto, o Juju Alves, os conjuntos do Macedo e do Zé Teco, o Professor Altino Pimenta… E trouxemos excelentes cantores de fora como o Nelson Ned, Clara Nunes, Elizete Cardoso, Nelson Gonçalves e Elza Soares, entre outros… Em 1965, eu já era uma espécie de Diretor”.

Como surgiu o apelido “Pindoba”

Vem também dessa época o apelido Pindoba que acrescentou ao nome: “Na Rádio tinha um programa infantil que era dirigido pela mulher do Prof. Altino, e eu fazia o papel de um Tio Pedro que contava histórias pros meninos. Eu maquinava tudo (…) Foi aí que surgiu o Pindoba. Eles precisavam de um palhaço e eu entrei nisto e fiquei com o nome de Pindoba”.

Tendo atuado no Esporte (foi goleiro do Metalúrgico), no Teatro e na Rádio Cultura, acabou se tornando expoente cultural também na área de Jornalismo: acompanhando fielmente toda a história jornalística de Monlevade, desde os tempos de “O Malho” (jornal artesanal feito por Paulo César nos anos 50) e “O Pioneiro” (da Belgo, nos anos 50), passando pelo “O Eco” (anos 60, de Nino Prandini), e o “Atualidades” (da AMSS, anos 60 e 70),  acabou articulista em vários periódicos como o “Atualidades”, “A Notícia”, Revista “Mostrar” e, nos últimos tempos, no “Mistifório”, de Wilson Vaccari. 

Nessa linha, tentou também um vôo pela literatura de ficção: a família detém os originais de três títulos de obras suas, e sabe-se que “pelo menos uma delas pode vir a ser editada”.

Como se percebe, exerceu atividades tão diversificadas e diferentes como a multiplicidade de papéis que vivera no Teatro… E não ficou nisso: retornando a Monlevade em 1981, já na condição de aposentado, foi envolvido pelo amigo Tim de Souza na montagem do Museu do Ferro e do Aço, da Belgo. O exercício constante da pesquisa em cima das peças desse museu fê-lo grande conhecedor da história de pioneirismo do Senhor de Monlevade e da trajetória do Dr. Louis Ensch, contribuindo sobremaneira na divulgação dos feitos desses ícones de nossa História.

A mim, particularmente, além dos aspectos acima levantados, impressionava-me muito seu autodidatismo, principalmente, na aprendizagem do uso do português formal, que fazia questão de respeitar. Sem ter passado pela universidade, era um grande estudioso de nosso idioma, que dominava com relativa competência e sem reclamar dos eventuais “puxões de orelha” que ganhava do irmão-professor de português, Vicente Soares, nas poucas vezes em que atropelava o idioma de Camões.

Aqui, no tempo que Geraldo Zenóbio foi Maestro, regendo o Coral do Baú. durante uma apresentação na sede da Credibelgo

Esse monlevadense de coração, que construiu no palco uma história de alegria e bom humor, fazendo das artes cênicas um instrumento de educação, viveu seu último ato no dia 30 de maio de 2004. Caiu o pano, mas permaneceram na ribalta os traços de sua presença e de seu talento que, eternizados nesta galeria de heróis, merecerão sempre os aplausos da História.

NOTAS E REFERÊNCIAS

Três Amigos e um Cachorro, Editora G. Holman, Belo Horizonte, 1976

O Projeto Resgate da História de Monlevade mantém e atualiza significativo acervo de documentos, obras, objetos pessoais e depoimentos de pessoas que testemunharam e/ou viveram momentos importantes de nossa História. Coordenado pela ADEMON, utiliza-se do trabalho de estagiários dos cursos de Letras e Jornalismo da Funcec.

Revista Momento Literário, Editora Distribuidora Momento, Belo Horizonte, Ano 1, nº 1, pág 21-28

Monlevade em Prosa e Verso, 1985, publicação relativa ao evento, patrocinada pela CSBM.

Do depoimento ao Projeto Resgate da História de João Monlevade, fita 14.

Conforme depoimento ao Projeto Resgate da História, acima referido.

Trecho da peça As Mãos de Eurídice, de Pedro Bloch.

Depoimento dado ao Projeto Resgate da História, acima referido.

Adaptado do depoimento dado ao Projeto Resgate da História de João Monlevade, fita 03.

Adaptado do depoimento dado ao Projeto Resgate da História de João Monlevade, fita 03.

Depoimento da filha Maria Luísa Soares Maciel ao autor da coluna.

*Pesquisa e Texto: Geraldo Eustáquio Ferreira (Professor Dadinho)

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