A Praça do Cinema! *Coramar Alves

“Hoje eu acordei com saudades de você, beijei aquela foto que você me ofertou, sentei naquele banco da Pracinha só porque, foi lá que começou o nosso amor…”.

É sempre assim: há dias em que a manhã chega sorrindo, irradiando felicidade sobre a terra-amada; e há dias em que ela surge melancólica, saudosa, como se quisesse falar da distância que nos separa do ontem, dos amados amigos de outrora, levando-nos de volta aos tempos de criança, de adolescente. E você retrocede ao início do rosário de sonhos e ideais. E no seu devaneio, você se transforma e sente novamente a felicidade, o amor, os amigos, a vida fascinante de outros tempos na adorável terra-natal.
Ah! Saudades daquela época… A saudade às vezes alivia, mas às vezes dói e machuca a alma, o coração da gente. Uma dor doída que o tempo não consegue aliviar. Saudade essa que à dor tamanha não sucumbe e que gostamos de ter. Começa então, a vida do “Pedacinho do Céu”. Era agosto de 1935. O início de tudo. Ou melhor, o início após a instalação da Usina da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira no pequeno distrito de João Monlevade, abençoado por Deus, naquele bendito agosto de 1935 e não apenas um agosto qualquer, graças ao empenho e sabedoria daquele estrangeiro bonitão, o grande mestre no setor siderúrgico do país, doutor Louis Jacques Ensch e ao trabalho de nossos pais, pioneiros incansáveis que deixaram exemplos dignificantes e seus nomes inseridos nas páginas de nossa História. Muitos já se despediram de nós. Grandes vidas norteadas com respeito, admiração e glória. A exemplo do doutor Ensch, são imortais.
Anos Dourados. Marcas do que ficou…

“A gente vai crescendo, vai crescendo e o tempo passa…”. E a lembrança é como o ar que respiramos. A Praça do Cinema é a memória mais viva dos monlevadenses. Não há quem não se recorde dos prédios da Assistência Médica, da Rádio Cultura, do Ideal Clube, do União Operário, do Grupo Central mais tarde Colégio Estadual. E do Cine Monlevade? O Cinema do Macêdo como o chamávamos? Macêdo, empregado da Belgo-Mineira, era o gerente do Cinema. Desde a década de 1940 que a Praça do Cinema era o point, a ressaca e os encontros da nossa João Monlevade, com as mais belas histórias de grande e eterno amor.

Ah! Tudo acontecia naquela saudosa Praça como o Pedro Cepo e seu rádio, o Duca Pinduca Ladrão de Açúcar perambulando pelas calçadas, os engraxates sob a marquise, os boieiros descendo da Cidade Alta em direção à Usina, os alunos uniformizados do Grupo Central, os flertes e o jipe do Milton Evaristo e o Anastácio, o caminhão do Vicente Guimarães, o querido Padre Higino descendo apressado do seu fusquinha, arregaçando sua batina preta e soltando aquela fumaça como as chaminés da Usina. Quem não se lembra? Das façanhas que marcaram época?

Os domingos das matinês no Cine Monlevade ou dos bailes no Clube União Operário, no Ideal Clube e suas gostosas horas-dançantes, o teatro no auditório da Rádio Cultura lembrando os bons tempos dos shows de calouros comandados pelo ímpar Agrízio Engrácio. A famosa barbearia do senhor Batista, o Bar Para Todos, o Bar do senhor Monteiro, depois do Simões, a Farmácia do Vicente Neves, Foto Diló, o escritório do IAPI, o Banco Comércio e Indústria onde trabalhava o Vicente Guimarães, um dos mais bonito e simpático rapaz do Pedacinho do Céu. Como dançava bem! Ele era para mim como um príncipe encantado. E foi lá naquela histórica e saudosa Praça que começou o nosso amor.

Hoje o Vicente é um conceituado engenheiro em telecomunicações formado em Santa Rita do Sapucaí. Havia ainda a Banca de Jornal e Revistas do cômico “Baixinho”, onde parávamos, folheávamos as revistas: Capricho, Contigo, Ilusão… Líamos o que interessa com o “Baixinho” possesso, esbravejando e a gente saía correndo e ele atrás gritando que ia contar aos nossos pais. Quantas saudades!…

Naquele imponente prédio em estilo eclético, onde se misturavam o neoclassista, o barroco e estilos arquitetônicos copiados da Europa, estava a nossa paixão: o Cine Monlevade, o Cinema do saudoso amigo, o músico Macêdo, que foi palco de muitas histórias durante quase cinco décadas. Além das sessões cinematográficas, várias solenidades eram ali realizadas pomposamente. As filas enormes para a primeira sessão… segunda sessão. E a música começava: LOVE IS A MANY SPLENDORED THING. Era o prefixo anunciando que a sessão ia começar. As luzes começavam a se apagar lentamente. E o senhor Joaquim Pipoqueiro com a nossa pressa se atrapalhava, enchendo e entornando o saco… De pipoca, é claro. E todos incendiávamos aquela Praça com nossa alegria, nosso prazer de viver a vida, a bela e inteligente mocidade dos Anos Dourados.

Os prédios da Assistência Médica e do inolvidável Grupo Central foram os únicos que venceram o progresso e não foram demolidos. Hoje, nos retratos os olhos do presente viajam aos lugares do passado e vivem as mais doces lembranças e saudades de um lugar especial, entre montanhas, cortado por um rio, a nossa João Monlevade. Ah! A Praça do Cinema da minha infância e juventude que o tempo levou da minha vida e da sua certamente. O tempo não perdoa. Marca devagar, mas passa depressa, tão depressa que quando a gente menos percebe, está distante.

Hoje, paira, grassa em redor toda a melancolia de uma paisagem morta, deserta, imensa e o choro surdo, entrecortado do gargalhar de um coração que pulsa forte vendo aquele passado que ficou. A Praça povoava nossos sonhos, nossos encontros marcados de menina-moça. Cúmplice, o luar nos acariciava.

Agora a noite cai. Escurece… Vésper desponta linda, romântica, cheia de esplendor. “Mas estou triste porque não tenho você perto de mim”.
O amor não tem data, é para sempre.

*Coramar Alves é professora aposentada e durante anos foi colaboradora do jornal “Morro do Geo”, com suas belas crônicas”.

Esta Coluna foi publicada na edição de nº 78 do jornal “Morro do Geo”, de 10/2002.

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