“No cemitério em jardim
descansa félix arrodeado
de mucamas e crioulos fortes
para em cortejo e em estilo
atenderem à trombeta
do juízo final”…
*(Luciano Lima)
O Município de João Monlevade deve seu nome, sua fundação e parte significativa de sua história ao nobre francês Jean Antoine Félix Dissandes de Monlevade, engenheiro de minas que aqui aportou no início do século XIX, em comissão do governo francês, para estudar os recursos minerais do Brasil.
As origens de sua família se prendem a dois conceituados troncos da nobreza francesa – os Bogenet e os Monlevade – marcados por forte presença política, que confluíram na pessoa de Jean Antoine Dissandes de Monlevade, carinhosamente chamado de “Vovô Jacobino”, por ter integrado o Clube dos Jacobinos, grupo de adesão aos ideais da Revolução Francesa. Esse “Vovô Jacobino”, Jean Antoine Dissandes de Monlevade, e Marie Sallé du Sioudray, com quem se casara em 1786, vêm a ser os pais de Jean Antoine Félix Dissandes de Monlevade, que nasceu no castelo de Monlevade, aos 14 de Abril de 1789.
Matriculado na Escola Politécnica de Paris, onde concluiu o curso em 1812, engajou-se no corpo de engenheiros militares, sendo nomeado aspirante em abril de 1817. Foi por esse tempo que foi premiado com uma bolsa de estudos para pesquisar os recursos minerais do Brasil, onde desembarcou em 14 de maio de 1817.
Chegando ao Brasil, recebeu do Rei Dom João VI permissão para excursionar pelas terras de Minas Gerais, tendo percorrido diversas comarcas e distritos como São João Del Rey, Villa Rica, Sabará, Caeté, Tombos de Carangola e São Miguel do Piracicaba. Registros históricos da época dão-nos conta de que o jovem engenheiro Jean de Monlevade “a todos cativava com sua inteligência e maneira fidalgas”. “Homem raro e digno de toda a estimação, era grande mineralógico, grande químico, além de ter muitos outros conhecimentos de Física, Matemática e Literatura”.
A despeito de sua grande paixão pela mineralogia e pela geologia, pode ter pesado em sua decisão de se estabelecer em São Miguel do Piracicaba o fato de, ainda na França, ter conhecido o Dr. Ildefonso Gomes de Freitas, mineiro de Rio Piracicaba, que estava na Europa aperfeiçoando-se em Medicina. Esse jovem médico, sabendo dos planos de Jean de Monlevade com relação ao Brasil, recomenda-o a seu pai, o Capitão João Gomes de Abreu e Freitas, que o hospeda em sua Fazenda do Itajuru, ponto de convergência dos intelectuais que percorriam aquelas inóspitas paragens.
Tendo escolhido a rica região do Piracicaba à vista do promissor futuro que lhe descortinava, Jean de Monlevade compra algumas sesmarias de terras duas léguas abaixo de São Miguel do Piracicaba, construindo ali, em 1818, a Fazenda Solar, que daria origem à cidade. Ergue também ali uma pequena fábrica que chegou a produzir trinta arrobas diárias de ferro.
Produzindo ferro pelo processo catalão, essa pequena forja foi a razão de ser de sua vida. Jean de Monlevade enfrentou dificuldades terríveis para importar da Europa máquinas pesadas, dadas as condições precárias de navegação do Rio Doce. Não obstante tais vicissitudes, sua fábrica chegou a ser considerada a mais importante da Província e seus produtos dominavam de longe os de seus concorrentes. Somente a partir de 1888, após sua morte, a fábrica experimentou momentos de insegurança, seja por efeito da concorrência estrangeira, seja pela abolição da escravidão, com as consequentes dificuldades de mão de obra, seja pela mudança contínua de administradores.
No entanto, enquanto viveu Jean de Monlevade, essa pequena forja foi o testemunho vivo de sua tenacidade e competência, constituindo-se em embrião da grande siderúrgica que se consolidaria quase um século depois na Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira.
O amor demonstrado à obra que criara, a dedicação entranhada à nossa gente, a beleza e riqueza do nosso solo fizeram com que o nobre francês adotasse o Brasil como sua segunda pátria. Assentou residência na Fazenda Solar, de onde administrava sua fábrica. Ali também constituiu família, casando-se, em 1827, com a sobrinha do famoso Barão de Catas Altas, Clara Sophia de Souza Coutinho, filha de José Álvares da Cunha Porto e Mariana de Souza Coutinho.
Deste casamento nasceram-lhe dois filhos: João Pascoal e Mariana. Da parte de Mariana, extinguiu-se rapidamente o ramo Monlevade: casada com um parente de Jean de Monlevade que viera para o Brasil, Félix Antoine de Saint-Edme, teve também dois filhos, Joana e Fernando, que morreram sem deixar descendência.
Da parte de João Pascoal, a família cresceu: Joãozinho Monlevade, como era chamado para diferenciar-se do pai, casou-se com a sua prima Mariana Pais Leme. Tiveram dois filhos: João Pais Leme Monlevade, que morreu no Rio de Janeiro, onde fora estudar Medicina, vítima da febre amarela; o segundo filho, Francisco Pais Leme de Monlevade, engenheiro de sólida formação, dará continuidade à obra do avô e ao nome da família, representado hoje, no estado de São Paulo, pela família Monlevade-Tomanik.
A 14 de Dezembro de 1872, a morte penetra no Solar de Monlevade, levando consigo Jean de Monlevade, o grande pioneiro da siderurgia em Minas Gerais. Está enterrado no Cemitério que, em vida, mandara construir nos terrenos da Fazenda Solar.
A morte poupou-o de assistir à desagregação do clã e à decadência de sua fábrica que, nas mãos do filho, enfrentaria sérios problemas. Não apagou, entretanto, das páginas da História, a memória de um homem que, numa luta muito próxima do heroísmo, conseguiu instalar, há mais de cem anos, em pleno sertão das Gerais, a primeira usina siderúrgica do Brasil e, para nosso orgulho, plantou às margens do Piracicaba as sementes de uma civilização que hoje se cristalizou no rico e promissor Município de João Monlevade.
*Pesquisa e Texto: Geraldo Eustáquio Ferreira (Professor Dadinho).
Matéria publicada na edição de nº 97 no jornal “Morro do Geo”, em maio/2006.