Maestro José Silva: o pioneiro da música sacra!

O maestro José Silva (E) e o músico Ângelo Rocha (Sô Lelé)

A história da música sacra em João Monlevade tem um começo declarado e documentado, apesar de desconhecido. No momento em que registro estes fatos, estou manuseando o Livro de Atas do Coro Pio X, o primeiro a ser fundado na Paróquia de São José Operário, onde consta às folhas 2 e 2v sob o título de Pequeno Histórico da Música Sacra em Monlevade, o seguinte registro: “Foi em novembro de 1942 quando eu, presidente da Pia União das Filhas de Maria, precisando organizar uma festa do mês de Maria, resolvi recorrer ao auxílio do Sr. José Silva, a fim de organizar um pequeno coro para que não precisássemos ocupar cantores que não fossem locais. Encontrei nele a maior boa vontade. Disse-me ele que estaria pronto a nos ajudar se também encontrasse boa vontade da parte de cada pessoa convidada a fazer parte no referido coro”. E o documento, que a autora se esqueceu de assinar e datar, segue informando que aquele sonhado coro acabou se concretizando em 10 de dezembro de 1944, recebendo o nome de Pio X.

Este Coro Pio X, foi-se aperfeiçoando gradativamente nos anos seguintes e atingiu seu auge na década de cinqüenta. Além de abrilhantar as cerimônias religiosas da Paróquia de São José, era freqüentemente requisitado por outras paróquias da região, projetando o nome da cidade e de outro de seus pioneiros: o Maestro José Silva, pioneiro da música sacra.
José Silva nasceu na cidade de Sabará em 27 de abril de 1902. Filho de Virgílio Navarro e Emiliana Maria Silva, começou a trabalhar muito cedo para ajudar nas despesas da casa como era comum naquela época. Assim, vemo-lo aos quinze anos executando pequenos trabalhos na Belgo-Mineira, Fábrica de Sabará, recém-inaugurada.

Vem também da infância o gosto pela música sacra: nascido em família profundamente católica e residindo nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, participava das cerimônias religiosas e atuava no coro paroquial. Os padres, reconhecendo seus pendores para a música, propiciaram-lhe iniciação musical com um músico experiente da cidade. Autodidata, aprendido o básico, foi desenvolvendo seus talentos através da dedicação constante à arte musical, dominando com facilidade o teclado do Harmônio e alguns princípios de arranjo e regência musical.

Ainda em Sabará, casou-se em 1928 com Aleixina Silva, moça da cidade, constituindo família composta de cinco filhos: Terezinha, Tecla, Rosa, Leony e o José Silva Júnior, que morreu novinho. Seguiu trabalhando na fábrica de Sabará até que, em 1937, dois anos após a inauguração da Usina de Monlevade, veio a Monlevade para trabalhar na instalação do motor a gás no alto forno da Usina.

“Não era para ficar: ele vinha apenas ‘emprestado’- informa seu genro Antônio de Souza, casado com Rosa – mas o fato de ser de Sabará e ser de confiança da empresa fez com que o Dr. Joseph Hein optasse por sua transferência definitiva”. Assim, pouco depois, no mesmo ano, trouxe sua família para Monlevade, residindo inicialmente em uma das três casas existentes onde hoje é a Rua Siderúrgica. Posteriormente, a família veio a residir em uma confortável casa nas proximidades da antiga Sinterização. Na fábrica de Monlevade, foi aproveitado como bombeiro hidráulico civil e industrial e trabalhou por quase trinta anos. “Não aceitou a aposentadoria – relata sua filha Maria Leony – e trabalhou enquanto teve forças para o trabalho”.

Em que pese sua dedicação à empresa, foi, todavia, o trabalho desenvolvido com o Coro Pio X que marcou sua vida em Monlevade. Com efeito, logo que foi convocado, conforme registro acima, pôs mãos à obra: convocou e selecionou as vozes de que precisava, intensificou os ensaios, passou ele mesmo ao grupo as noções básicas de teoria musical, solfejo, arrebanhou instrumentistas e, em pouco tempo, dispunha a paróquia de um grupo polifônico que se fazia acompanhar de uma pequena orquestra de câmara que fazia a beleza e o brilho das celebrações litúrgicas.

É bem verdade que sempre se apoiou nas orientações, primeiro do Padre Almir, primeiro capelão de Monlevade, e, posteriormente, do Padre Higino. E não faltava também o apoio da Belgo que comparecia fornecendo uniformes, instrumentos musicais e condução para os ensaios, apresentações e para uma excursão anual que proporcionava ao grupo, a título de incentivo. Outro que o apoiou foi seu contemporâneo na cidade, Mozart Bicalho, músico experiente, que lhe fornecia as partituras de que precisava.

Antes da construção da Igreja de São José, os ensaios eram realizados em uma das salas da Fazenda Solar. Testemunha de sua dedicação, o Livro de Atas acima aludido registra à folha 4 : “Disse o Padre José Higino ser o Coro Pio X uma das instituições mais bem organizadas, o que aliás depende do presidente que é por demais esforçado.” E à folha 5: “…o Diretor José Silva consagra as horas, que muitos consomem em diversões, ao ensino de música aos participantes e aos ensaios…”

O Coro Pio X, cuja atuação atingia o ápice de sua beleza nas cerimônias da Semana Santa, funcionou regularmente até a morte de seu fundador, ocorrida em 16 de setembro de 1964. Mesmo funcionando precariamente até 1966, não perdeu sua força e influência: um de seus membros, o popular Lelé (Ângelo Rocha) se tornou Regente de um coro equivalente, na Vila Tanque; outros se integraram a bandas e coros paroquiais, e outros ainda foram aproveitados pelo Coral Monlevade, que iniciava suas atividades sob a regência de Luciano Lima.

Morto José Silva, sobreviveram-lhe sua esposa Aleixina Silva e suas filhas, Terezinha, Rosa, Tecla e Leony que, tendo constituído família em nossa cidade, além de também integrarem o Coro Pio X, deram sua contribuição à cidade como professoras primárias.

Católicos praticantes, a família deixou grande exemplo de testemunho cristão, engajando-se no trabalho comunitário. Extremamente caridosa, Dona Aleixina integrou, em 1944, com Ernestina Motta e Joaquina Ferreira Nunes (Dona Quinita), o grupo fundador do Apostolado da Oração da Paróquia de São José. Foi a tesoureira dessa Associação por longos anos. Atuou também na POVS – Pontifícia Obra das Vocações Sacerdotais – que angariava recursos para a formação de sacerdotes.7

Dona Aleixina viveu seus últimos anos na vizinha cidade de Bela Vista, para onde se transferira. Ali continuou a pontuar sua vida com atividades assistenciais e beneméritas, não obstante ter as pernas amputadas em decorrência de sua enfermidade. Morreu em 4 de agosto de 1974, um dia depois de confessar à filha Maria Leony: “Cumpri minha missão aqui na terra. Sinto-me pronta para o momento em que Deus me chamar”.

José Silva e Aleixina Silva, exemplos edificantes de vida comunitária e cristã, merecem ter seus nomes inscritos nesta galeria que resgata os valores dessa Nossa Terra e dessa Nossa Gente: ela, como modelo de apostolado leigo; ele como iniciador de nossa música sacra.

NOTAS E REFERÊNCIAS:

1 – Registro feito pelo Dicionário Cravo Alvim de Música Popular Brasileira, acessado via Internet.
2 – Abismos de Rosas, composta por Américo Jacomino, e Sons de Carrilhões, por João Pernambucano.
3- Depoimento inserido em “O Violão Brasileiro de Mozart Bicalho”, Edições Hematita, obra de Renato Sampaio, em trecho disponibilizado no site da Galeria de Arte Inimar
4 – Texto de Tião Crispim em “Atlas Estudantil”, publicado por ocasião dos 300 anos de Santa Bárbara
5 – Marli Bicalho Duarte, residente em Santa Bárbara, em depoimento ao autor desta coluna.
6 – Depoimento na obra de Renato Sampaio, acima citada.
7 – Faço tal registro com carinho e profundo sentimento de gratidão: menino pobre e vocacionado para o sacerdócio, parte significativa de minha formação foi custeada por tal entidade e recebi recursos materiais para meus estudos das próprias mãos de Dona Aleixina Silva.

*Pesquisa e Texto: Geraldo Eustáquio Ferreira (Professor Dadinho)

Matéria publicada na edição de nº 105 do jornal “Morro do Geo”, de janeiro/2007.

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