Acrísio Engrácio com Nilza Roberto e Catarina, durante um Show de Calouros na Rádio Cultura
ACRISIO ENGRÁCIO era uma figura fantástica. Gente da melhor qualidade, ou como dizia Geraldo Orozimbo ” gente da prateleira de cima”. Educado, alegre e descontraído, com ele não tinha tempo ruim, tudo era festa, só alegria. Muito bom de papo, sempre bem vestido, gostava de um terno e chapéu branco com sapato da mesma cor, ao estilo do legítimo “malandro carioca” daquela época, malandro no bom sentido, evidentemente, haja vista que sempre foi muito trabalhador.
As façanhas de Acrísio, ao que me lembro, começaram em meados da década de 1950, quando elaborou um serviço de som que funcionava no prédio do antigo Sindicato dos Metalúrgicos, na Rua Carijós, próximo à Cidade Alta. Este serviço funcionava todas as tardes e era uma festa; os rapazes e moças oferecendo músicas, uns para os outros, e na locução trabalhava o Geraldo “Barriga”, filho do Sr. Egídio, e era assim que ao som de Paul Anka, Sedaka, Elvis Presley, Tonico e Tinoco, Nelson Gonçalves e outros ídolos da época que a moçada se esbaldava. Uma época realmente de muita alegria. Coisa saudável, mesmo porque naquela época nada ia além de uma cerveja ou, para os mais atirados, uma cahacinha. Nada mais.
Com o passar do tempo o serviço de som evoluiu e passou para a apresentação de um show de calouros que, posteriormente, passou a ser apresentado no Cine Monlevade, surgindo, naquela época a excelente Neide Roberto,o grande Geraldo De Noite e o inesquecível e saudoso Severino Miguel, além de outros não menos valorosos. Este programa foi sem dúvida o marco inicial para a criação da primeira emissora de rádio da região, a Rádio Cultura de Monlevade, que, aliás, era um antigo sonho do Acrísio, porém, quando tudo encaminhou para criação da referida emissora o Acrísio foi descartado.
O seu antigo programa de calouros passou a se chamar “Boa Noite Segunda-Feira” e apresentado por Antônio Augusto, que na época era locutor da Rádio Guarani/BH.
Mas o Acrísio não desanimou. Com sua fértil imaginação e incansável criatividade reuniu um grupo de garotos e mandou confeccionar alguns instrumentos de bateria, feitos com latas velhas e couros de gato, cabrito ou qualquer outro animal cujo couro produzisse som e fundou o que seria o primeiro Grupo de Escoteiros em Monlevade. O uniforme era o mesmo usado para ir à aula, camisa branca e calça curta azul marinho. Formado o Grupo dos “Escoteiros do Acrísio” e já com os instrumentos devidamente afinados, começaram os ensaios, também na Rua Carijós, no percurso entre o antigo Sindicato e o Ginásio de Tábua. Era ensaio atrás de ensaio visando o desfile de 7 de setembro. Um detalhe interessante é que o Grupo de Escoteiros tinha como símbolo uma tenaz, daquelas que eram usadas pelos serpenteadores no antigo Trem de Arame Krupp da Belgo-MIneira. Aliás, naquela época o logotipo da Belgo era exatamente uma Tenaz, e, sendo o Acrisio um apaixonado pela referida empresa há de se convir que a homenagem era até certo ponto criativa, embora um pouco fora dos padrões normais, mas justa, mesmo porque todos os instrumentos da bateria foram confeccionados dentro da Usina. Durante os ensaios lá ia o Acrísio comandando a bateria e a meninada marchando atrás. Era só empolgação.
Ao chegar o tão esperado sete de setembro uma surpresa: os “Escoteiros do Acrísio” não poderiam participar do desfile oficial que saia da Praça da Matriz de São José e ia até a Praça do Cinema. Como fazer? Depois de tanto ensaio e não desfilar seria uma decepção. Mas o Acrísio não deixou por menos, bolou um desfile paralelo, saindo do Ginásio de Tábua e indo até a Praça do Cinema. Mas, coincidência ou não, os “Escoteiros do Acrísio” chegaram na Praça exatamente junto com o desfile oficial, sendo inclusive muito aplaudido. Só que todos os garotos que deixaram de participar do desfile oficial para participar do desfile dos “Escoteiros do Acrísio” foram duramente repreendidos na escola, uma vez que a Dona Luzia (do Cartório), que era a diretora, não dava moleza. Mas valeu a pena.
Com o passar do tempo foi oficializado em Monlevade o grupo oficial de Escoteiros, cuja sede era no antigo Senai, dentro da área da Belgo-Mineira, e o primeiro chefe foi o Sr. Messias Magalhães (do Cassino). Mais uma vez o Acrísio foi descartado. Mas não pensem vocês que ele desanimou. O Acrísio não desanimava nunca. Aproveitou os instrumentos que sobraram dos escoteiros, reuniu um animado grupo e fundou o que seria a primeira Escola de Samba de Monlevade, mais uma vez tendo como símbolo a famosa tenaz, ferramenta com a qual o Acrísio desfilava imponente e orgulhosamente na frente da Escola. Na época foi um sucesso.
Naquele ano a Escola de Samba do Acrísio juntou-se aos blocos carnavalescos e conseguiu desfilar, mas isto apenas em um carnaval, pois logo surgiu outra Escola, desta feita fundada pelo Geraldo Orozimbo, que, mais organizada, uma vez que o “Oró” conhecia do ramo e mandou para escanteio a “Escola de samba do Acrísio”. Outra vez o Acrísio foi descartado.
Mas o Acrísio realmente não desanimava, na verdade seu destino era dar o chute inicial. Era sempre o PIoneiro.
E Acrísio criou o “Acrisobol”!
Só que na outra invenção o Acrísio exagerou na dose ao fundar o ACRISOBOL em duas versões, uma na quadra e outra dentro d’água, mais precisamente dentro do Rio Piracicaba.
Na foto abaixo Acríso Engrácio com os meninos/atletas na prática do Acrisobol à beira do rio Piracicaba
A versão do ACRISOBOL na quadra era simplesmente uma partida de basquete com duração de 20 minutos para cada tempo e dois tempos. Com um detalhe; era jogado com os pés, isto mesmo, tnha que se fazer a cesta com os pés, evidentemente que nunca se teve notícia de um “gol-cesta”, como seria chamado caso fosse marcado, mas isso, embora as inúmeras tentativas, nunca ocorreu. Nos intervalos das partidas tinha um show à parte; era a apresentação das madrinhas do time. Disso o Acrísio não abria mão. Cada partida eram duas madrinhas. Eu não sei onde ele conseguia tantas madrinhas, uma vez que naquela época mulher era objeto raro nesta cidade. Mas conseguia.
A versão ACRISOBOL na água, por sua vez, era um pouco mais simples, pois consistia no seguinte: o Acrísio juntava a meninada e levava para a beira do Rio Piracicaba, ali perto da antiga Rua Três Casas (que na verdade tinha mais de dez), um pouco p’ra frente de onde hoje está o Posto Girassol, na Rua Beira Rio. Lá chegando, um “jogador” entrava no rio, com uma tenaz na mão (outra vez a tenaz) e ficava com a água pela altura da cintura, enquanto outro “jogador” ficava fora d’água e arremessava a bola que tinha que ser agarrada com a tenaz. Mais uma vez o esporte terminou sem que fosse assinalado um tento sequer, no entanto, não se tem conta das bolas que desceram correnteza abaixo, pois, temendo pela segurança da garotada, o Acrísio não admitia que se tentasse pegar a bola na correnteza.
Sua entrada na Política
Após todas esta tentativas o Acrísio parece que desanimou com suas invenções e aderiu à política. O discurso era o seu forte. Bastava juntar um grupo de três a quatro pessoas que lá estava o Acrísio discursando, e até que falava bem, pelo menos todos o ouviam. Sua incursão na política coincidiu com a emancipação político-administrativa de Monlevade e sua campanha tinha como carro-chefe dois projetos; colocar água tratada em Carneirinhos e um Cristo Redentor no alto do Bairro da Pedreira, onde tinha, ou ainda tem, a torre de televisão.
E não é que ele foi eleito vereador, e por sinal muito bem votado, se não me engano, o mais votado, mas pudera, seu principal cabo eleitoral foi o Zozoca, aquele famoso atleta do Vasquinho, um tremendo gozador. Eleito vereador na 1ª Casa Legislativa após a emancipação de João Monlevade, não deixou por menos. Logo tratou de elaborar um Projeto de Lei para cumprir sua primeira meta, que seria a instalação de água tratada em Carneirinhos.
Conta-se que no primeiro discurso para explicar o seu objetivo foi interpelado por um colega vereador que indagou: – “Mas Acrísio, como vamos trazer água do Rio das Pacas até Carneirinhos”? Com a sua indisfarçável elegância, retrucou o Acrísio: – “Fácil, nobre colega, é só colocar uma tubulação”. Seu interlocutor insistiu: – “Mas não tem jeito, pois Carneirinhos está acima do nível do Rio das Pacas”. E Acrísio então indagou: – “E daí, o que é que tem isso”? Nesse instante, demonstrando ser conhecedor das ciências exatas, seu interlocutor argumentou: – “A lei da gravidade! Ora”. – “Foi então que o Acrísio imediatamente respondeu: – “Uai, é fácil, nobre colega, derrogamos esta lei”. Foi quando um outro vereador, talvez mais “culto” e experiente manifestou em alto e bom tom: – “Ora, nobre colega, como vamos derrogar esta lei se ela é FEDERAL”.
Pois bem, este foi o grande Acrísio, que sem dúvida faz parte da memória e da história de nossa cidade. Um homem que, sem dúvida, viveu na época errada. A sua visão extrapolava os limites daquele tempo. Mesmo porque, hoje se joga vôlei com os pés e futebol de salão com as mãos, quye é o Handebol.
Valeu Acrísio!
*Sebastião Eustáquio Carvalho (“Taquinho Advogado”) faleceu em 2017 e foi colaborador do jornal “Morro do Geo” durante alguns meses. Esta sua Crônica foi publicada na edição de nº 163, de agosto/2012. Ele deixou um vasto material literário arquivado, entre crônicas sobre personagens e histórias de João Monlevade, e que um dia ainda poderá ser editado em livro. Fica a nossa homenagem póstuma a este grande monlevadense, assim como ao também saudoso Acrísio Engrácio, um homem à frente de seu tempo. (Marcelo Melo)