O saudoso Jonathas de Oliveira, popular “Joanico”, que era dono do Cartório de João Monlevade, tinha como hoby ser marcador de quadrilhas e cantava tudo em francês. Aqui, numa de suas quadrilhas e alguns dançarinos numa festa junina realizada no Ideal Clube
A vida é nova… Adolescente… igual a todas nós daquela bela época. A vida era nova e andava nua, vestida apenas com o nosso desejo. Um desejo sem medo, fascinante e fremente de viver, que faz o jovem seguir para frente, numa beleza instantânea e fulgurante da juventude naqueles voluptuosos tempos dos Anos Dourados. E a gente olhava e seguia sem nenhum temor, porque o desejo, o destino de nossos pensamentos, era sempre o horizonte. Viver bem era o que importava e ter Deus e amigos era fundamental. Amizades que resistem às mudanças e ao tempo, um “maço” na vida que todos possuem e temos um deles que se chama “Seu Joanico”.
Aos poucos, de dentro de minha memória, vai-se levantando o fantasma da saudade junto com a história dos Bailes dos Santos-festeiros e a mesma bateção de coração que sentia naqueles bons tempos, enquanto ensaiava quadrilha para as inesquecíveis festas juninas de nossos grandes e elegantes clubes. São reminiscências incontestáveis que não se apagam, compondo a História dos áureos tempos de nossa João Monlevade. Nitidamente chega aquela memorável noite são-joanina do Ideal Clube, onde hoje sobre cujas ruínas, florescem nossas ternas saudades e não se pode reprimir um olhar amargo, cruel, seco, por onde vaga toda a minha desilusão e toda minha lembrança da turma, do Clube e do Seu Joanico.
Ele era o “marcante” das inigualáveis danças-de-quadrilha das noites frias de inverno e quentes de amor, dos bailes de Santo Antônio, São João e São Pedro. Festas iguais àquelas nunca mais. Ficaram na saudade… Além dos bailes, era também um acontecimento o ensaios. – Tem ensaio hoje Seu Joanico, que horas? Começou a escurecer, tô subindo, avisa a moçada bonita, respondia ele. E lá íamos nós, morro do Geo acima numa euforia transparente. Seu Joanico nos levava a estourar de rir. Fazia sua voz dar todos os tons musicais às palavras da marcação. Era um mestre. Possuía uma memória de prodígio. Marcava a quadrilha em francês, em português, fazendo uma hilariante mistura de idiomas. E nós nos deliciando no balancê, anarriêr, passeio de namorado, anavan, caminho da roça, voa gavião, voa brabuleta, anavantour, touchê e muito mais. Havia um tal de alavantê que era um pândega…
E lá íamos nós, lindas com nossos vestidos de chita, damas e cavalheiros, todos vestidos a caráter; elegantes, impecáveis como manda o figurino, dançando, deslizando pelo salão, obedecendo ao comando do pândego marcante, numas variedades de coreografia. Mas, a melhor de todas, a que mais gostávamos era o tour. E Seu Joanico soltava: “Chega de tour moçada.
Larga a moça, Henriquinho. Não pode apertar a dama, Alpino”. Continuando, “olha o túnel”. Aí, aproveitávamos a “passagem” e, agarradinhos, beijos prolongados esquentavam a boca e a alma. E o Seu Joanico atento, mais que depressa: “Este trem tá quase parando fora da estação. Cuidado moçada! Sai da linha, sai do túnel. Descarrilou? Encurrala moçada. Olha o trem… apitou.”
O riso era geral. Lavava a alma. O Ideal vibrava, ia ao delírio com a quadrilha do Seu Joanico. Continuava ele dançando e marcando. “Balancê de dama e cavalheiro. Trocar de dama. Conserta seu balancê, Dário, que tá muito esquisito. Tem dama levantando a saia, pode baixar. Que chamego daqueles dois! Cuidado com o chameguento. Chega de vaivém, Edil. Vocês também, Milton e Fia. Mauro e Zulma vão virar piorra. Solta a namorada, Vicente.” Eram quadrilhas românticas, bonitas, engraçadas, onde o tour predominava. Todos num compasso de harmonia, num balancê delicioso e prolongado. E depois, o grande baile que durava a noite toda e já era de manhã quando descíamos o morro do Geo, a Estrela-Dalva ainda formosa brilhava no céu. Seu Joanico dançava com uma de suas belas filhas, a querida e saudosa professora Conceição Oliveira, e nós com namorados ou não.
Os ensaios eram o máximo e como diz o ditado popular: “Melhor do que a festa é esperar por ela. Seu Joanico fazia a gente rir, girando em órbitas. O salão do Ideal Clube fervia de animação, sonhos e amores. Também nos ensaios tocavam o Julinho, Antônio Monalisa, Nova Lima, Antônio Honório. Os cantores eram o Juju, Madureira e Geraldo Di Noite.
Seu Joanico, olhos claros, sempre brincalhão, dizia que lá em Rio Piracicaba havia um conjunto de pífanos, pratos e zabumba chamado esquenta-mulher e que seus ritmos “quentes” sacodem a alma, principalmente da mulher, mais sensível à turbulência. Nisto o Vicente Guimarães estoura uma gargalhada homérica e todos vão atrás.
Hoje, nas noites frias e quentes de João, Pedro e Antônio, de um céu bem azul, todo empapado de luar, olho pro céu, sinto saudades do amigo, homem íntegro, de Dona Azulina, sua amada esposa, amiga e companheira, que hoje vivem lá no céu, na eterna morada dos justos. Seu Joanico de Dona Azulina. Nosso coração ouve estourando de rir e agora… também de saudade, sua voz cantando: “Joguei meu chapéu pra cima/pra ver onde ele caia/caiu no colo da moça/isto mesmo que eu queria. Joguei meu chapéu pra cima/pra ver onde ele caia/caiu no colo da veia/Cruz Credo, Ave Maria!”