As voltas que a Vida dá… Afonso Torres

Acima, as meninas do Estadual, a turma de colegiais – a maioria no Centro industrial (ruas Siderúrgiia, Tieté, Tapajós, Vila Tanque etc). Naquela época não se misturavam com as meninas do Carneirinhos

Estar fichado na Belgo não era só uma garantia de melhora de vida como também de status, elevava a auto estima e, não sei se por uma reação em cadeia, aumentava o poder de sedução do sujeito. Uma prova disso é que os rapazes que não alcançavam tal intento se viam preteridos pelas moças casadoiras que já os descartavam na primeira avaliação, sugestionadas pelos pais, é claro… Às vezes eram até mesmo induzidas, por eles, os pais, a trocar de namorado, por isso muitos se viram dispensados de suas posições afetivas, o que só aumentava a rivalidade entre a “Turma dos Carneirin’” e a “Turma dos Monlevade’”.

Chegaram mesmo a apelidar Carneirinhos de “Pasto de Porcos”, isto graças a uma vara dos mesmos que circulava por todos os lados em torno da Rua Principal, transformando-o em pasto aberto onde todo tipo de bicho pastava livre e desgovernado; a maioria pertencia a uma tal de “Maria do Morro”, uma mulata que viera da Fazenda do Chico Lage. Gostava muito de se cobrir de ouro: colares, pulseiras, brincos, anéis, tudo assim mesmo, no plural. Morava naquele morro ao final da Rua Oliveira Couto, daí o apelido. Além dos bichos era proprietária das terras em torno de sua humilde casa, acabou por vendê-las à Totó Loureiro, que só pode tomar posse de todo o terreno após ganhar, no Supremo Tribunal Federal, uma causa movida pelos sobrinhos da mesma, auto intitulados seus herdeiros legais. Causa vencida, Totó, para homenagear a companheira de toda uma vida, loteou a área, colocando os lotes à venda por preços acessíveis, com o intuito de promover a dinamização e o progresso local. Assim formou-se o Bairro Lucíola (que acabou ficando conhecido por Lucília).

A “rondar” os Carneirin’ ficou o “Complexo-de-vira-lata”, expressão criada pelo dramaturgo e jornalista, Nelson Rodrigues, por volta de 1958, quando o Brasil, em sua sexta participação na Copa do Mundo FIFA, conquistou a Taça Jules Rimet pela primeira vez, apresentando ao mundo o trio Pelé-Garrincha-Vavá, vencendo a Suécia, dona da casa, por 5×2, na final. O gesto de Bellini, beijando e erguendo a taça fez com que todo brasileiro se sentisse em triunfo, menos os “carneirin’ conscientes da desigualdade dos homens perante as leis terrestres e divinas. Se indignavam com aquele bairrismo estabelecido de forma tão explícita. Acontecia com a “Turma da Vila Tanque” também, é verdade, só que, apesar de ser carente na maioria das coisas, uma não lhe faltava: MULHERES BONITAS. E eram vaidosas, as meninas. Não gostavam de “fazer feio”, “ficar pra trás”, isso não!!!…

Todas as vezes que entravam na jardineira de Nico Lana rumo a Monlevada estavam sempre impecáveis em seus vestidos, luvas, bolsas e sapatos adquiridos no Bazar São José, de Nova Era. Tecidos de qualidade, artigos finos e acessórios para compor a “toilete” eram facilmente encontrados nas vitrines e prateleiras do estabelecimento da Família Batista, que veio a ficar internacionalmente conhecida através do Eike Batista. O que não encontrassem no Bazar, encomendavam à Dª Nazita Araújo, exímia

costureira local: de um vestidinho para o dia-a-dia a um suntuoso vestido de noiva, era a ela que recorriam numa confiança irrestrita.

Outra preocupação das moçoilas era com os pés: nada de poeira. NUNCA!!! Pés empoeirados seriam prova inconteste de uma condição que repudiavam por completo. Tinham mais o que realçar, sabiam… As mães, por sua vez, exigiam o recato. Dele não abriam mão mesmo sabendo que era coisa entranhada em suas crias, tanto que repetiam suas recomendações. Afinal de contas, a experiência podia afirmar: a crueldade alheia, além de estar continuamente alerta, se apresenta sempre maior que gostaríamos de supor…

Tanto recato só aumentava o sucesso que as meninas de Carneirinhos faziam entre os rapazes de Monlevade. Quando chegavam à Praça do Cinema o comentário era geral. Um quase serviço telegráfico ocorria dentro da Usina e o que mais se via era marmanjo pendurado nas janelas dos escritórios e na beira dos muros “matando serviço” na esperança de conseguir uma “paquera”.

Assim nasceram muitas das famílias que estão hoje na terceira geração, subindo e descendo a Avenida Getúlio Vargas, sem o menor vestígio do antigo preconceito sofrido por seus antepassados e, raramente, ou quase nunca vão à Monlevade, hoje Bairro Industrial.

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