O Sacristão e as hóstias – Coramar Alves

*O passado não é aquilo que passou. O passado é o que ficou daquilo que passou”. (Tristão de Atayde)

Mas “O Tempo Não Pára”… cantava o ídolo Cazuza. E procuramos na imensidão do tempo que se vai, rever o passado que como a lua com seus raios de prata, vem lindo e radiante nas lembranças e iluminam de saudades uma vida que se eterniza e cobrem de beleza nossos corações.

Na terra-amada, as cores, as flores e a brisa do outono refletem dentro de nós. Outra tarde que se esmaece dando lugar à noite! Outro dia que morre, testemunha silenciosa das nossas paixões!

Esta é mais uma História fantástica vivida no “Pedacinho do Céu”.

Houve em tempos que já vão longe, as mais belas festas. Uma delas é a Festa de São José, o Padroeiro da amada terra-natal. A cidade se enfeitava para comemorar o ilustre Santo Padroeiro. São José, exemplo para as famílias, modelo de fé, esperança e caridade. O homem justo; pregava o nosso saudoso pároco Padre Higino. A procissão de uma beleza, de uma riqueza e de uma simplicidade ao mesmo tempo, levava às ruas toda a cidade, um testemunho de fé e tradição do trabalhador povo monlevadense. E a procissão percorria todas as ruas, retornando à mais bela Matriz e após a santa missa uma grande quermesse na Praça, palco de nossas mais belas tradições religiosas, de encontro de namorados, as mais lindas histórias de amor ao som da brilhante Banda de Música. Éramos felizes por demais…

E hoje, dia de São José, a tradição se mantém graças à dedicação, ao amor, ao trabalho de Fia, Senhor Jésus, Lúcia, Daulália, Lilita, Marlene, Dadá, Benedita, dona Judith, Maria Perpétua, Mozart, Alzira e muitos outros da comunidade da Paróquia São José Operário ilustres moradores do Centro Histórico. Não tão belas quanto àquelas do passado, mas fazer o quê?

Todavia os moradores da histórica rua Tieté, cultuam esta tradição com requinte celestial. Pode-se considerar uma rua privilegiada, pois somente nela passamos em procissão quando há as famosas festas religiosas. E os seus nobres habitantes como naquele tempo, enfeitavam suas casas, sua feliz rua. E neste dezenove de março parece que as estrelas haviam descido do céu para enfeitar e iluminar a Tieté dando passagem ao Santo Padroeiro e seu devoto e fiel povo. Um deslumbramento sem igual. O Coral São José e a Banda como sempre um show à parte. E procissão sem Banda de Música não é procissão. Pode faltar até o Padre… tendo o Santo ou Santa e a Banda…

Então, emocionada com tanta fé e tamanha beleza da-uela rua; os irmãos do Santíssimo carregando o andor com o dono da festa todo ornamentado de flores, transbordando de saudades entrei no Túnel do Tempo e meu coração gargalhava com a lembrança do Padre Higino e seus coroinhas.

Naquela época Luiz Sérgio de dona Milica, hoje de Angelina, irmão das minhas grandes amigas e ilustres pro-fessoras Soares e Ivani, era coroinha junto com Márcio, o Menau; Cláudio e Gaguinho. Ajudavam o Padre Higino durante as missas, procissão, novenas e até empurrar o “Juca Bala”, o fusquinha vermelho brilhante, de tanto que eles o lustravam.

E o amigo Luiz Sérgio era o chefe dos coroinhas, pois foi promovido a sacristão Há…há…há…há. Um terrível sacristão. Havia ainda o Ailton, o motorista do Padre Higino, o motorista do Padre Higino, que na véspera daquela festa de São José, ordenou-lhe: “Ailton”, você vai até Barra Longa buscar as “meninas.” Ailton entusiasmado, cheio de ideias, depressa lavou, lustrou o “Juca Bala” e depois foi também tomar aquele demorado banho. Se esfregou…se esfregou… Lambuzou-se de desodorante e perfume por todo o lado do corpo. Seus cabelos eram só brilhantina. E exalando aquele forte perfume lá foi ele todo eufórico para Barra Longa buscar as “meninas.” Só não sabia que elas eram as duas irmãs de Padre Higino: as solteironas Zinha e Nazinha, ambas com sessenta anos de idade.

Então, Dia de São José!

As Hóstias eram feitas no Hospital Margarida pelas irmãs de caridade. Aí, estava quase na hora da procissão. Após, seria celebrada a santa missa, quando Padre Higino deu pela falta das hóstias. Apavorado mandou então o seu sacristão Luiz Sérgio ao Hospital, aquele que já foi “O Margarida” e hoje nem sombra do que se foi, buscá-las. E o obediente sacristão saiu em disparada, montado na sua possante bicicleta, apelidada de camelo, passando atrás do Cassino evitando assim o Morro do Geo. Na volta, com o caixote onde se guardavam as hóstias, na garupa, vinha pedalando… pedalando… sem parar o fiel sacristão. Suas pernas já quase não mais aguentavam de tanta pedalada e já não queriam mais obedecer ao comando, quando de repente, na virada da linha do trem, na volta em frente ao Cassino se espatifou. E foi cada um para um lado: bicicleta, sacristão e o caixotinho com as alvas hóstias. Foram parar em todo lugar. Era hóstia na linha do trem, na rua, no passeio, no jardim do Cassino, uma loucura deliciosa, engraçada. O sacristão Luiz Sérgio, pensando na bronca do Padre Higino, desesperado, ainda zonzo saiu catando hóstia e enchendo o caixote. Era hóstia aqui… ali… acolá… além… morro abaixo… morro acima… Há…há…há…há…

Às cegas… às pressas… às tontas com o caixote novamente cheio de hóstias, em disparada correu o incrível sacristão para a Matriz como um milagre de São José. E aquela foi a mais marcante e inesquecível festa de São José Operário.

Após a comunhão um rebuliço tomou conta da Paróquia. Reclamações e cochichos zoavam. As línguas eram para lá de metro. Até que o Padre Higino já confuso e irado em alto e bom som diz: “Vocês ficaram doidas? Tresloucaram? Hóstia com minério? Sacrilégio! Essas beatas fofoqueiras de plantão ainda me matam… e cadê o Bispo”?     

*Matéria publicada na edição do jornal “Morro do Geo”, de nº 73, de abril de 2004!

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