De Filho (a) pra Pai – José Drumond: pioneirismo no mercado de calçados!

Na foto acima, o 1º sapateiro de João Monlevade, Sr. José Zeferino Drumond, junto a alguns dos 12 filhos, que trabalhavam na Sapataria

Falar sobre meu pai, buscar na memória e em outros registros, fatos marcantes em nossas vidas, não é tarefa muito fácil. Vem ao meu encontro tantas lembranças … Aí, bate uma saudade e vontade de viver tudo outra vez, se possível fosse. Mas, vamos à história…

Lembrarei alguns nomes e outros, ficarão trancados, pois, não me recordo onde guardei as chaves que possam abrir minha memória. Mas, a todos que fizeram este percurso de vida junto a meu pai, meu carinho, meu abraço afetuoso e meu agradecimento.

José Zeferino Drumond nasceu na cidade de São Domingos do Prata, em 19 de maio de 1906, filho de Leandro Gomes Drumond e Maria das Dores de São José. Viveu em Santa Isabel, onde se casou com D. Adalgiza de Oliveira Drumond. Tiveram quatro filhas: Maria da Conceição, Enira, Elaine e Jupira.

Em 1936, após o falecimento de sua esposa, resolveu tentar a vida em João Monlevade, que nesta época era uma cidade promissora e que oferecia um bom mercado de trabalho, pois a Cia Siderúrgica Belgo-Mineira, ali dava início à sua escalada. Então, “de mala e cuia”, para aqui se mudou, deixando aos cuidados de parentes, suas filhas, que voltariam para seu convívio em momento oportuno.

Nasce a Primeira Sapataria de Monlevade

Nesta época, junto ao Sr. José Peão, inicia-se, profissionalmente, como aprendiz de sapateiro, num ramo de negócio que marcaria sua trajetória profissional. Já tentando caminhar por conta própria, monta, em meados de 1937, sua primeira oficina de consertos em sapatos, estofamentos em geral e selaria, no então “Bairro Barbados” (antiga Rua Tabajaras). No ano seguinte, junto ao compadre José Bedeu (marido de D.Tulica), começou a fabricar colchões – na época eram feitos de capim -, instalados em uma pequena loja na Rua da Favela, abaixo da Rua dos Contratados. Após alguns meses de trabalho, a Cia Siderúrgica cedeu-lhe um terreno, nesta mesma rua, onde construiu sua sapataria anexa á sua casa. Delineava-se, assim, sua trajetória de trabalho, num ramo de comércio que seria o marco de sua vida.

Conheceu uma jovem, de Abre Campo, Maria das Neves (D.Liquinha), que se tornaria sua nova esposa. O casamento se deu em 29 de dezembro de 1939. Desta união, nasceram mais oito filhos: José, Iris, Luzia, Maria do Carmo, Márcio, Maurício, Márcia e Marcos, que se juntaram às outras filhas, formando uma nova família.

E aquela pequena oficina de reparos de calçados, estofamentos, selaria, transformou-se na “Sapataria Para Todos” e na Rua da Favela se juntaram comerciantes de outros setores, como o Sr. Jaime (Casa Jaime) e o José Luiz Ourivio (Bolão), entre outros.

A “Sapataria Para Todos” tornou-se uma referência em calçados de todos os tipos, de scarpins de saltos Luiz XV, botas, sapatos masculinos, sapatos ortopédicos, todos modelados à mão, costurados e em couro de excelente qualidade. Os sapatos eram fabricados sob medida e alguns “gringos” os adquiriam para enviar para suas esposas na Europa.

Extremamente exigente, caprichoso, criativo, seu negócio prosperava, quando surgiu a oportunidade de confeccionar material de segurança para os operários da Usina. Instalava-se, então, a primeira fábrica de artigos em couro em João Monlevade, junto aos seus colaboradores: Dário Moreira Pinto, Sr. Ari, Antônio Modesto da Silva (Ninico), José Nogueira de Ávila, Manoel Pereira, Antonio Portela, José de Oliveira, Maria da Conceição Dru-mond (Naná), Iolanda, Cacilda Simões, Izabel e tantos outros… que trabalharam com ele e foram pioneiros na produção de botinas de solado de pneu, couro de búfalo e raspa, luvas, aventais, perneiras, Chanca (tipo de bota usada para pisar em material quente), sanfona (capa para proteção de máquinas).


Como a maioria dos homens de sua época, era de pouca conversa – do tipo “cismado” -, porém elegante, cuidadoso e exigente com seus trajes. De cabelos e bigodes sempre aparados, sapatos lindos e engraxados, que não se via nenhum arranhão. De hábitos caseiros, porém trazia sua família com “rédeas curtas”. Tanto assim que os filhos eram, desde muito cedo, colocados a trabalhar na sapataria. Todos nós viramos luvas (o polegar era difícil de virar que só…), ajudando nos afazeres de seu ofício. Lembro-me que em época de Natal, passávamos todos na loja entre os embrulhos de presentes para atender a sua freguesia e fechávamos a loja por volta de 22 horas. Só depois íamos para casa celebrar a ceia de Natal, que era uma farra só. Toda a família reunida e encontro com vizinhos e amigos queridos. Ainda sinto o cheiro das delícias preparadas por minha mãe, da árvore de Natal, presépio sempre armado e das maravilhosas cestas natalinas, com guloseimas que só víamos neste período.

Minha mãe, alegre, trabalhadora que só ela, de fibra e forte controlava a casa e todos os filhos (e alguns outros que vinham trabalhar na sapataria e moravam em nossa casa). Sempre dava um “jeitinho” de amansar a brabeza de meu pai. Durante o tempo que residiu na Rua Paraúna, lembro-me que meu pai se reunia com os compadres José Gordo, Seu Nenen, Sr. Abílio e o vizinho Sr. Onêmio, para um joguinho de Pôquer. Era uma de suas distrações. (Até aprendi a jogar também, rs…). Para uma boa prosa, passava horas conversando com o Sr. Geraldo Brum, Compadre Joanico e Sr. Vicente Alves. Não posso me esquecer do Tio Luís Prandini, que, além de cunhado, trabalharam juntos e viveram muitas histórias interessantes.

Meu pai era apreciador também da 7ª arte. Amaca cinema. Homem dado à leitura; em nossa casa não faltavam livros de Jorge Amado, Júlio Verne, Machado de Assis, entre outros e que todos os dias, após o almoço, antes de sua cesta diária, lia ao Jornal Estado de Minas e não passava sem sua revista predileta, do David Nasser, “O Cruzeiro”.

Sempre elegante, o Sr. José Drumond teve grande história no comércio em Monlevade


Por muitos anos esta foi sua lida diária, com o tempo o comércio na cidade foi crescendo e novos fabricantes do ramo apareceram, até que por volta de l965, a então Cia. Vale do Rio Doce (hoje apenas Vale), em expansão, solicitou o local onde a sapataria. Foi então que instalou e construiu um galpão na Rua Tieté, onde ele montou sua loja de calçados, somente para revenda. Nesta época, já cansado da lida, adquiriu um sítio na Demanda (próximo ao Distrito do Egito) e se dedicou à criação de peixes (Tilápia) e plantio de árvores frutíferas. E, como um guerreiro cansado de guerra, alguns anos depois, vendeu sua terrinha. E ficou quieto por Monlevade, vindo a falecer em 25 de dezembro de 1984.

Tornou-se assim um comerciante conhecido, respeitado e admirado em seu meio. E respeitado ainda como homem, pelo trabalho e exemplo di vida como esposo, pai de família e amigo, sempre crente a Deus.
Esta foi uma pequena parte da história de vida do meu querido e saudoso pai. Ele cumpriu a sua missão. Teve filhos, plantou sua árvore e escreveu o livro de sua vida. Deixou filhos que lhes deram netos e bisnetos e que espalham por este mundo de meu Deus, seu DNA.

E a ele peço (como nos ensinou): a benção, meu pai. Valeu!

José Drumond e a segunda esposa, Dona Liquinha

*Texto escrito pela Pela filha de José Drumond, Márcia Drumond.

Matéria publicada na edição de nº 162 do jornal “Morro do Geo”, de junho/2012.

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